RESENHA: RASHID – TÃO REAL

rashid-capa-tao-real

Sem um conceito (como ele mesmo afirma), Rashid chega ao terceiro álbum de estúdio (lançado em duas “temporadas” durante 2019 e completado agora) deixando claro que seus próprios versos são as narrativas do que ele foi e do que ele é, pois ele acaba sabendo de tudo vivendo entre os vários lugares que descreve. Antes de perceber o disco como “conceitual” ou “demasiado racionalizado”, então, ele é um relato de vivência. E por ser justamente isso – a descrição de todos os lugares pelo qual o músico passa e todas as situações vividas – ele afirma: “este é um disco pra você ouvir na rua”.

Tudo isso pra dizer que, nada mais nada menos, “Tão Real” tem seus méritos na musicalidade, contando com um flow habilidoso de Rashid e convidados que mantêm o nível e dão continuação ao “não-conceito” do disco; fluxos de livre consciência que compõem um painel impressionante das motivações que abastecem todos os músicos que passam pelo álbum.

Da capa ao conteúdo, o disco é palpado na realidade, no sentido de não fantasiar o mundo em que se vive, e tira sacadas divertidas, sagazes e combatentes desta realidade pra “abastecer a geladeira” e mirar num topo em que certa parcela da população não é permitida habitar. É também um disco sobre ocupar lugares como resistência discursiva; o espaço é explorado através de todas as fontes – os ritmos e as palavras como forma de valorizar o ponto de partida e dinamitar os meios pra ser possível aterrissar numa chegada; seja lá qual ela for.

Mas o álbum não vive exclusivamente neste discurso. Há uma musicalidade incrível que atravessa vários momentos da dita “música brasileira” que propõem a realidade de Rashid como uma encarnação da história desses ritmos (“minha pele foi tatuada pela agulha de um DJ”), especialmente a partir do meio dos anos 90, em que as influências são diretamente perceptíveis. Se as atitudes sempre afirmam as conquistas do rapper, não é sem certos pesares melancólicos que ele questiona a própria motivação pra continuar a compor. É quase uma auto-análise dissecada do espaço do artista e até em que a pessoa por trás dele pode se esconder.

Ouvir as aflições do compositor é o que dimensiona este “disco de rua”, pois os obstáculos, tanto materiais quanto espirituais, parecem vir da mesma fonte de privilégio e, então, quando ele luta por dinheiro e por auto-realização, é uma batalha que jamais poderia ser separada, considerando o mundo em que se vive.

“Tão Real” conclui com uma afirmação na primeira pessoa que está ligada em tantas frentes do presente e luta em todas elas. A fidelidade aferrada às “coisas do mundo” é o que possibilita a dissecação de um panorama fascinante, e muito bruto, mas ainda assim passível de superação com o rompimento da individualidade na visão tolerante do outro – através da crítica e do reconhecimento. O que é uma individualidade forte e resistente senão fruto de um coletivo (que traça desde a história do rap no Brasil e também se origina do lugar em que foi criado)?

“Blindado” é o que resume o disco como uma realização em que a força nasce pelo convívio e pelos deslizes, com um instrumental carregado de boom bap e jazz. Pela mesma tomada, os pontos altos do discos nascem duma noção de “vazios” internos que ainda assim têm de ser preenchidos, seja pela música, pelos relacionamentos ou pelo dinheiro.

Pra Rashid, é essencialmente um exercício vigoroso (o disco tem quase setenta minutos) de auto-aperfeiçoamento. Pro ouvinte, uma coisa muito rara; empatizar-se com as dores alheias como necessidade de alavancar o coletivo em que se vive.

(Temporada 1 lançada em 06/09/19: de 1 a 6)
(Temporada 2 lançada em 11/10/19: de 7 a 12)

01. Conceito (de Rua)
02. Não Pode (com Luccas Carlos)
03. Todo Dia (com Dada Yute)
04. A Busca
05. Tão Real0
06. Superpoder (com Lellê)
07. SSNS
08. Bem Loko (com Rincon Sapiência)
09. Apavôru
10. Sobrou Silêncio (com Duda Beat)
11. Carrossel (com TALHØ)
12. Um Mundo de Cada Vez (com Drik Barbosa e Wesley Camilo)
13. V-I-S-Ã-O
14. Blindado
15. Pipa Voada (Lukinhas e Emicida)
16. Meu Amigo Tempo (com Tuyo)
17. Casca
18. Eu (com Srta Paola)

NOTA: 8,0
Lançamento: 22 de janeiro de 2020
Duração: 69 minutos e 38 segundos
Selo: Sony Music
Produção: Renan Samam, Skeeter, DJ Duh, Rashid e outros

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.