RESENHA: SERPENTWITHFEET – SOIL

As faixas em “Soil” lembram-me do passado à medida que ele se prolonga no presente. Mais precisamente: por que as coisas foram de certo jeito e não de outro? Qual foi o ponto que fez as coisas acontecerem do jeito que aconteceram? Serpentwithfeet repete segmentos dispersos pretéritos como um continuum presente cujas letras referenciam o Outro. Observá-lo privilegiar histórias tão íntimas é uma maneira de perturbar as certezas correntes. Cantando à beira de uma crise, Serpentwithfeet pode antecipar o colapso através de suas histórias descritas num livre fluxo.

Por explodir seu mundo, a partir da destruição das bases de si que se pode reintroduzir-se no cotidiano não negando o passado, mas apagando seus impulsos deteriorantes. Nós estamos vivendo num passado que renega o conforto pra assumir-se como confronto. Os refrões tortos indicam a descontinuidade da repetição enquanto não negam seu forte conteúdo.

O choque de referências abruptas encontrando-se produz uma realidade horrorosa: erros amontoam-se como louça, não há força pra enfrentá-los se não existir narrativas propondo alternativas. Em contraste com os antigos projetos, um mundo em desconformidade se anuncia e tem como a repetição mundana seu principal aliado. O momento definitivo apresenta sua violência preponderante: é impossível apagar seu acontecimento e subsequentes efeitos:

“Garoto, toda vez que eu te adoro
Minha boca está cheia de mel
Garoto, enquanto eu construo seu trono
Eu me sinto crescendo”

Escrevendo com letras ambíguas, Serpentwithfeet deixa claro que seus assuntos nunca são monótonos: ele está falando sobre a fé em deus e sobre o homem que ele ama. Agora, só há o amor por trás de cada superfície de tudo que existe. Ecoando reconciliação a partir das terras rasadas, a refertilização é possível:

“O que faz você frio, congela-me
Mesmo quando envelhecermos, você falará comigo
Tudo o que faz você frio, congela-me, congela-me, congela-me”

No traumático envelhecimento, a alternativa narrativa fundamenta-se no corpo de quem se ama. Portanto, ele identifica em outrem uma forma de aquecimento compartilhada, apenas depois de sentir-se digno de tal compartilhamento. De repente, a própria presença define-se como cura: oras, se o corpo ainda existe após tudo o que aconteceu, é possível estar curado e vivenciar novas realidades. Esquece o que congelou, concentra-se no aquecimento. Nós estamos curados. O fracasso foi descongelado. Muitos dos timbres no álbum formam uma espiral crescente, tentando aquecer histórias frígidas pra voltarem a ter vida. Focando-se na reconciliação e na cura, a esperança não cessa:

“Cada vez que você nega minha bagunça
Você vai se encontrar mais perto de mim, mais perto de mim
Toda vez que você mente, você se encontra mais fundo dentro de mim
Cada vez que você nega minha bagunça
Você vai se encontrar mais perto de mim, mais perto de mim
Por que você ficaria tanto tempo se não me quisesse?”

O efeito é absurdo; tanto afirmação quanto, especialmente, negação conduzem alguém pra proximidade em um nível presente; não há como se esconder do que está ao seu lado a todo tempo, em todas as memórias e em todos os cômodos e em todos os sonhos.

“Sim, todos nós sentimos sua falta, mas já que você não vai aparecer”… Você pode continuar impregnado de algo, mas a vida não congelou.

A repetição onipresente será rompida quando outras coisas tomarem este lugar.

01. Whisper
02. Messy
03. Wrong Tree
04. Fragrant
05. Mourning Song
06. Cherubim
07. Seedless
08. Invoice
09. Waft
10. Slow Syrup
11. Bless Ur Heart

NOTA: 10,0
Lançamento: 8 de junho de 2018
Duração: 39 minutos e 47 segundos
Selo: Secretly Canadian
Produção: Serpentwithfeet, Katie Gately, Clams Casino, MMPH e Paul Epworth

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