RESENHA: THE NATIONAL – TROUBLE WILL FIND ME

NÃO BASTA SER ELEGANTE

Em “Psicopata Americano” (American Psycho, EUA, 2000, direção de Mark Harron), há uma cena em que Christian Bale explica sua visão de importância do Huey Lewis & The News: “o trabalho da banda no início da carreira era muito new wave pro meu gosto, mas quando ‘Sports’ foi lançado em 1983, acho que eles encontraram seu próprio caminho, comercialmente e artisticamente. O álbum todo era limpo, tinha um som límpido, e tinha tal profissionalismo que se evidenciava nas canções. Ele é comparado a Elvis Costello, mas acho que tem um senso de humor mais agudo e cínico (…) Em 1987 (N.E.: o disco é, na verdade, de 1986), Heuy lançou ‘Fore!’, seu disco mais completo. Acho que sua indiscutível obra-prima é ‘Hit To Be Square’, uma música tão envolvente que provavelmente ninguém se liga nas letras. Mas deveriam, porque não fala apenas dos prazeres do conformismo e da moda, é uma declaração pessoal sobre a própria banda”.

Dito isso, o machado desce nas costas do seu interlocutor, um almofadinha do seu trabalho que estava muito bêbado pra se tocar do que acontecia. Patrick Bateman, o personagem caricato de Christian Bale, entra em êxtase ao ver o sangue espirrando. Seu terno fino, bem cortado, é protegido por uma capa de chuva. Apenas seu rosto de mancha de sangue. Bateman é também um almofadinha, ou tenta perseguir aquele estilo de vida yuppie que predominou na década de 1980 e teve boa rebarba nos 90, mas a pressão é forte demais.

O caso é que ele mata gente e ninguém da bola porque a aparência é mais importante do que o conteúdo e a ética, ou as leis de civilidade. Bateman não está preocupado só em não se pego – de fato, lá pelas tantas, nem toma precauções – ele está preocupado em se manter mais elegante e aproveitador das coisas boas da vida, tirando da frente quem tem mais do que ele.

Ele fala também de Phil Collins, enquanto coordena duas moças “sérias” no início do ménage: “vocês gostam de Phil Collins? Sempre fui um grande fã do Genesis, desde seu disco de 1980, ‘Duke’. Antes disso, eu realmente não entendia nada do trabalho deles. Artístico demais, intelectual demais. Foi em ‘Duke’ que Phil Collins se tornou mais perceptível. Acho ‘Invisible Touch’ a obra-prima indiscutível do grupo. É uma épica meditação sobre intangibilidade. (…) Você praticamente escuta cada nuance de cada instrumento (…)”.

Em ambos os casos, Bateman mostra que tem gostos populares, mas com uma capa de “ser culto”. Ele é elegante, tem senso de humor, dinheiro e ambição, mas canaliza de uma maneira, digamos, explosiva, e fimge ter uma erudição com a qual poucos do seu meio se importam de fato.

Nos tempos atuais, em que novamente ganhar dinheiro passou a ser um mérito acima dos outros, o estereótipo de Bateman parece caber muito bem. E esse estereótipo tem um nome bem conhecido na música: The National, a banda que todos aprenderam a amar provavelmente depois de “Boxer”, de 2007, ou de “Alligator”, de 2005, mas certamente depois de “High Violet”, de 2010.

A banda é classuda e elegante, pra ouvidos refinados e mentes “inteligentes” (parece ser interessante dizer numa roda de amigos, especialmente na faculdade, que se gosta de The National), bem vestida, com ternos admiráveis e pose cool, espelhados no trio central formado pelos irmãos Dessner, Aaron e Brice, e pro vocalista Matt Berninger.

O National é tudo isso, com o ápice alcançado em “High Violet”. E não é à toa, tem todos seus méritos – e um deles, ao que parece, é não se levar tão a sério.

Mas quando a fórmula gira em si, não há como deixar de desconfiar. Mexer numa receita que está rendendo elogios – e que a banda está se divertindo, é bom frisar – é besteira, mas custa um chute nas próprias canelas? Trabalhar no ponto-morto é um risco tremendo. “Trouble Will Find Me”, o sexto disco do National, é delicioso tal e qual seu antecessor, mas não por inteiro. Longe disso: ficou na inércia.

Começa muito bem. A sequência com “I Should Live In Salt”, o provável hit “Demons”, “Don’t Swallow The Cap” e “Sea Of Love” já seria suficiente pra invejar qualquer banda. Mas ainda há, mais à frente, o rife extasiante de baixo de “This Is the Last Time” e a boa canção pop “Graceless” (cuja cozinha lembra…. The Drums?!). Metade das músicas é estupenda, algo que pouca banda hoje em dia tem inspiração pra alcançar. O problema está na outra metade, soporífera, dispensável: são as lentinhas.

“Don’t Swallow The Cap”:

“Demons”:

As exceções dessa leva podem ser a amargurada e bela “Heavenfaced” e “Humiliation”. O resto é pros futuros Batemans das faculdades tocarem ao violão pra ver se impressionam as menininhas. O dedilhado devendrabanhartista de “Fireproof” é feito sob medida pra esse fim – ou pra encerrar shows com violão, jogo de luzes e coro da plateia, como aconteceu vergonhosamente na última vez em São Paulo. “Slipped” é uma música lenta que fica longe da inspiração do início do disco. É sonolenta. “I Need My Girl” tem cheiro de hit, tem cara de um “bom” National, mas é infantil, boba – nenhum problema gostar dela, mas está longe de ser uma canção das grandes da banda, como “Invisible Touch” chega pra Phil Collins.

Não imagino que um “Psicopata Americano 2” venha ser produzido. Mas não me espantaria: Batemans há por aí aos montes, e trilha sonora, idem, uma boa nova leva. O National seria o melhor pra encabeçar essa trilha: é uma música menos pálida e descartável como as do filme original. Bateman não era elegante, nem culto nas suas citações, era um cara com gosto das massas, por isso nunca chegaria a viver entre aqueles que invejava. O National seria seu triunfo. Não basta ser elegante, culto e inteligente. É preciso parecer.

“Sea Of Love”:

NOTA: 6,0
Lançamento: 20 de maio de 2013
Duração: 55 minutos e 05 segundos
Selo: 4AD Records
Produção: Aaron Dessner & Bryce Dessner

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Comentários

comentários

10 comentários

  1. na verdade, existe sim um psicopata americano 2 estrelado por uma nova mila kunis ^^
    Discordo dessa nota, apesar do texto ser bem escrito.
    That´s all!

  2. Muito bem escrito o texto! Não conhecia ainda o blog, vou acompanhar mais. Não posso ainda opinar sobre o novo disco do National, não ouvi inteiro, mas o pouco que ouvi gostei muito. Vamos ver… Abs

  3. Li sua resenha quando foi postada, está tão bem escrita que foi o que me fez escutar o novo disco do National. Voltei a ler depois de ter escutado o album umas 2 ou 3 vezes e agora faz ainda mais sentido. Parabéns, pelo ótimo texto!

    Só achei a sua nota um pouco baixa demais? =/

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