RESENHA: TRIO REPELENTE – AO VIVO PRA NINGUÉM

a separação do trio repelente dos trabalhos individuais de seus membros (mauricio takara na bateria, rodrigo hara no baixo e victor vieira-branco no vibrafone) talvez seja o tipo de desastre que vai dar mote a essa minirresenha – que, pra honrar o nome do grupo e do disco será toda em letra minúscula – e que, vai mais uma vez, tentar interpretar o evento que nasce desta interação de livre-improviso.

um desastre (um desastre em sentido estrutural, não como banalização caótica que tem se inferido contemporaneamente) ocorre toda vez que o jazz rivaliza fora de seus domínios com outros gêneros – mas em “ao vivo pra ninguém”, tem-se a combinação do que pré formula tais estruturas. é o encontro anterior à conjugação formal. estes encontros possibilitam uma interação mais livre (embora o limite sempre seja a demarcação instrumental de outrem) e, teoricamente (e que vem mostrar também no campo prático), mais frutífera.

tantos exemplos de interação pré-genéricas evidenciam-se no livre-improviso não apenas como tentativa interativa, mas de expressar sua individualidade em uma magnitude que ainda assim ressoe com outros companheiros de palco (então eles estão, no mínimo, ao vivo pra eles mesmos). alguém pode mencionar que de tantas tentativas saíram muitos erros, mas esta pessoa cairia no equivocado erro de interpretar um instante (por isso o mais comentado aqui é o evento interativo e não as especificidades técnicas, embora bateria, vibrafone e contrabaixo ambientam sim uma estrutura que encontra o dito “gênero” tantas vezes). em cada um dos “desastres” arranjados pelo trio, percebe-se um desejo de autenticidade, como se o livre-improviso do conjunto passasse ao nível de composição porque, muitas vezes, soa como algo verdadeiramente pensado.

se há certas estruturas no trabalho do trio, elas representam uma renuncia do discurso estrutural justamente pra estabilizar sua próprio estrutura – no sentido rítmico, da música transitar por tantos e tantos terrenos. muitos sons vêm como uma composição e muitos se dissolvem como uma improvisação. pro trio repelente, as virtudes da composição apenas acontecem “fora” de sua apresentação “ao vivo pra ninguém”.

por isso que há tantos voos no disco, pois fazer as coisas à sua maneira significa possibilitar também uma interação externa. não quero dizer que o ouvinte é, também, música. mas que o acondicionamento e mediação entre individualidade e interação gera no ouvinte uma participação ativa, à medida que ele também pode perceber a “verdade” que circunda fora da estrutura triangular.

não há divisões preteridas e é justamente esta honestidade brutal que pode afastar o ouvinte. contemporaneamente exige-se uma ruptura genérica, uma quebra que fique imediatamente perceptível. de imediatista neste trabalho, tem-se apenas as reações instantâneas no ouvinte que, se assim desejar, pode alcançar muitas outras sensações ao ouvir “ao vivo pra ninguém”.

bem antes do trio repelente ser uma teoria, é um exercício contínuo que continua a operar na cabeça do ouvinte. em “ao vivo pra ninguém”, é desenvolvido um arranjo sônico que estende a percepção e com ela estendida é muito mais fácil pro grupo evidenciar seu precioso processo interativo. a manifestação individualista daria apenas a “impressão rasa de interação” e embora seja dificílimo exemplificar uma interação falsa (ainda presa em gêneros, ainda presa em tabus progressistas), é evidente que este trabalho aqui é tudo menos isso.

na base sonora que percebe-se ao longo de todo o disco, pode-se detectar as viradas rítmicas, mudanças de sentido etc. deve-se notar, no entanto, que toda virada instrumental na gravação carrega uma subjacência entre improviso e composição indetectável na maioria das vezes. pode-se argumentar que todas as transições e regularidades no disco assemelham-se a tal ponto de umas refletirem as outras. há uma linha tênue entre estas representações e é justamente esta tensão que permite aos sons liberados caminharem por um pluralismo, aparentemente, infindável. a condição geral de tal procedimento é que os gestos nunca soem repetidos embora residam neles uma estranha familiaridade.

01. pesoleve
02. diss
03. notas
04. azul
05. sanguessuga
06. shifty
07. 7
08. pincéis
09. tomieataques
10. lesteoeste

NOTA: 8,0
Lançamento: 2 de janeiro de 2017
Duração: 37 minutos e 36 segundos
Selo: Independente
Produção: Trio Repelente

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