RESENHA: VITOR BRAUER – O ANJO AZUL (+ “M” + “NOSFERATU” – OU: A TRILOGIA DO CINEMA)

Os sonhos do camponês
“Os movimentos que operam revoluções no mundo nascem dos sonhos e das visões no coração de um camponês nas encostas de um morro”
― James Joyce, “Ulisses”

Assumir que se tornou mais do que imaginava um dia revela uma inquietude brutal no lirismo de Vitor Brauer. A continuidade insistente dos seus mais diferentes trabalhos nos últimos, ao menos, sete anos pode ser descrita por palavras que o próprio não hesitou ao colocar em “Minha Banda Pt.2 (Lupe De Lupe)”: tempo livre e disposição.

Disposição pouco vista no circuito independente, onde a paralisia criativa pode ser percebida em repetições exaustivas de fórmulas e adaptações a nichos específicos, caindo numa zona de conforto em que se estabelece mais uma troca de amizades do que música, necessariamente. A mente de Brauer importa mais do que é esperado pelos fãs de algo tão redutivo quanto shoegaze ou post-rock: seu jeito pouco político é alavancado pela própria disposição em não bancar, sempre, o fácil entendimento. Absorvendo diversas sonoridades e transpondo-as a uma estética própria, tudo o que parece “epifania” em seus trabalhos, na verdade, é fruto de uma perspicácia incisiva perante o ambiente que o cerca. Dirige-se, constantemente, pra locais ainda não explorados e evidencia as influências que o levaram até ali. Nem sempre de fácil rastreamento, a explicitação de tantas referências (desde animes até a música tradicional brasileira) mostra que Vitor não tem vergonha nenhuma de se apropriar dos vários elementos já lapidados e (tentar) domá-los à sua maneira.

Em “History Eraser”, Courtney Barnett revela que -em seus sonhos – escreveu a melhor canção que já havia escrito e, ao acordar, não se lembrou de como ela era. Os sonhos, pra Vitor, são algo além: eles têm estrutura suficiente pra configurar um traço do real e não são menos importantes do que é concreto, ou seja, não são intangíveis. O método pra isso é quebrar com provincianismos que domam a totalidade da experiência humana. Utilizando diversas formas de códigos, há uma espécie de “democracia da abordagem” que refrata uma totalização possível. Sonhar e praticar os sonhos é destituir a prisão que o prende. Partilhar as propriedades de uma biografia e potencializar sonhos em canções origina um movimento impulsivo não só no músico, mas em quem consome suas produções também. Por não estar satisfeito com o espectro de “provincianismo”, que ronda qualquer pessoa ambiciosa, jamais se pode falar numa “aspiração” ao total em suas músicas, mas sim microrrompimentos que tentam forçar mudanças constantes.

Regras da música nacional contemporânea não aparecem em suas composições: há sempre um preenchimento apaixonado que rompe com os laços sonoros que estruturam outros trabalhos. A recusa aos procedimentos específicos, no entanto, não impossibilita o aspecto de união esboçado em suas letras. Caminhar com suas próprias pernas não significa, de maneira alguma, que a força originária de sua produção não cause reações (positivas e negativas) em quem ouça suas músicas com alguma atenção. Uma jornada em que a autoconsciência da necessidade de “grandeza” (sem certeza alguma de que isso vai ocorrer) possibilita admitir sonhos como aliados em uma busca obstinada e alienada. O efeito de suas canções e a dúvida constante sobre as formas de enxergar a tal da “produção musical” diminuem a lacuna entre o que é, supostamente, real e o que é ilusão (ou sonhos).

Brauer é um artista em formação, cujos sonhos comandam a maioria de suas opções estéticas. O “forjamento” do real, a ficção sobre si mesmo e a inclusão do onírico são ferramentas que o auxiliam na dúvida do que é considerado lúcido. A manifestação da grandiosidade vem dum esforço ao relacionar essa tríade errante em um processo no qual “pedir desculpas” não é admitido. Mira-se: acerta ou erra, mas ficar parado é nocivo. Apesar de ser impossível esboçar uma estratégia de xadrez no jogo contra deus ou algum tipo de “pensamento original”, voltar-se ao que se tem e voltar-se a todas as potencialidades encarceradas na mesma carne são mecanismos de renovação e aceitação. Pra forjar essa luta e continuar jogando o jogo que você mesmo inventa (afinal, produzir música independente é uma ação voluntária) é necessário abraçar seus limites e transformar seus defeitos em algo produtivo.

Entidade azul
Defeitos que aparecem como fardos no caminho espinhoso sobre a autoconsciência dolorosa em “Nosferatu” (2012 – ouça aqui na íntegra). O andamento do disco é um trajeto sobre amor e morte de um ser assumidamente narcisista e sua obstinação (consciente ou não) por uma grandeza indefinível, que é muito mais uma forma de viver do que um objeto bem desenhado.

“Nosferatu”, ao que me parece, não é um nome por acaso. Como o conde (que na verdade é um vampiro) que espalha terror por onde passa, o disco de Vitor é uma tentativa de demarcar o caminho do compositor, compreender-se através de letras extremas que mostram um ser vulnerável. Ele tem todas as qualidades e defeitos que é possível criar a partir da figura que se esboça das confidências no álbum: arrogância, a presunção de alguém que traz uma enorme bagagem cultural e suas complexas relações com amigos, família e a arte. Entretanto, ao ampliar com um microscópio tanto suas qualidades quanto defeitos, a transparência objetiva de “Nosferatu” é algo que continua irradiando cinco anos depois. O que “Nosferatu” realiza, com perfeição em seu propósito, é um passeio pela consciência de alguém que é direto demais e não tem nada a esconder. De alguém que é tão transparente que é uma piada. Brauer retrata um narrador que desconfia do progresso e da ordem e de Belo Horizonte e, ainda assim, ama isso tudo.

Como uma ironia, o eu-lírico percebe-se preso num labirinto contra o qual ele mesmo esbraveja. É necessário a compreensão desse local-prisão, porque sem ela nunca seria possível a libertação protagonizada em “O Anjo Azul” (2017): de que, sim, existe algo além.

Ainda que mostrar orgulho de si próprio é (quase) sempre algo válido, ficam pequenos questionamentos sobre a “qualidade” aferida pelo orgulho do narrador: é apenas por pensar “diferente da cabecinha belo horizontina” ou é uma afirmação de si no mundo? Não é uma suposição minha, pois – especialmente em “Nosferatu” – Vitor duvida de si várias vezes e coloca em cheque suas reais intenções. O labirinto psicológico erguido neste disco é uma potência na qual o mundo se evidencia e sair dele é a maior tarefa pro narrador das músicas. A prisão construída por si próprio muitas vezes é confundida com liberdade.

E as feridas decorrem justamente desse labirinto que foi criado a partir de algo que soa tão bonito como “integridade artística” ou algo parecido. As feridas a partir do próprio egoísmo são as que oferecem saídas mais difíceis. A poetisa russa Anna Akhmatova, que catalogou como ninguém o “labirinto de si”, escreveu certa vez: “Um convidado acidentado neste terrível corpo”.

A humildade é, de certo, uma ferramenta que o narrador não está disposto a utilizar pra sair dessa intrincada constituição de si. O lema de Brauer exige divagações e o exagero (letras longas que se estruturam sobre temas específicos) é o compartilhamento dele com o mundo. Pra algo como lucidez surgir, em “Nosferatu” (a última música é de um enorme reconhecimento e aceitação da vida), foi necessária uma travessia dolorosa pra haver uma fagulha de sobrevivência disposta a contar todas aquelas histórias.

Ser um mártir de sua própria vida pode ser apenas ilusão, mas tal disposição a carregar os fardos (inventados ou não) merece uma piedade final. Feito um desejo alucinado de provar, a todo instante e em seus estranhos parâmetros, de que se merece uma paz silenciosa. Tão perto dessa piedade que sempre esteve consigo e inerente a seu mundo – mas, de alguma forma, escapou. Os motivos de Brauer não me são tão claros como posso parecer supor aqui, ou que tudo isso seja papo de quem bebeu demais. Mas, em 2013 quando eu ouvi muito o “Nosferatu”, eu tinha a impressão, também, de que não sabia se estava fazendo as coisas certas. Então, foi melhor supor que eu mesmo carregava um fardo e atribuir-lhe essa mesma condição. Brauer fez. Não apenas arriscando as fichas no que tinha muito pra dar errado, mas porque – aparentemente – não seria possível fazer outra coisa.

Compromisso Total
Pra criação de um universo musical próprio, é necessário que o artista tenha um autoconhecimento de suas limitações e saiba como manuseá-las em prol de um repertório com valor sempre diferente. Essa mudança constante de valores talvez seja o tema central de “O Anjo Azul”. É uma continuação temática de “Nosferatu” porque preenche e fortalece as lacunas desesperadas do autor.

Acompanhamos Vitor falando abertamente sobre o porquê de criar a Lupe De Lupe e como não quer seguir “as regras do alternativo”, porque era bom realizar esse sonho. Enxerga em sua luta algo muito mais generoso do que a mutilação em “Nosferatu”: reconhece que é difícil continuar, mas focar só “em si mesmo” não é seu sonho. Brauer ajuda a tocar o mundo um pouco pra frente, ainda atirando forte, mas com alvos melhores definidos.

Em “O Anjo Azul”, a impressão é de um retorno constante dos sonhos de criança que guiam Brauer em passagens contemporâneas e concretas. A existência não apenas se baseia em anseios como liberdade, mas os sonhos tomam o posto-novo de farol que sinaliza os contornos do fluxo em que o narrador pode transitar: violência, sexo, sonhos não concretizados. O espectro que o persegue é uma companhia constante que só toma forma à medida que ele abandona a juventude e encontra algo tão vago e impreciso quanto “maturidade artística”. O encontro com esse espectro de si não é mais causa pra consequência imediatista e destrutiva de “Nosferatu”, mas um envolvimento com o ato de desfazer e renovar.

Portanto, “O Anjo Azul” é a carta de amor que relata os mesmos temas básicos de “Nosferatu” – mas sem a alienação paranoica que corrói o narrador do último. As vidas diferentes encontram-se e asseguram-se de respectivas limitações pra prestar atenção no que lhes comove e cativa. A presença do abandono ganha sombra pela quantidade dos trabalhos do compositor e estende-se sendo rebatida por reclamações (especialmente online) e é deixada de lado por alguns feitos (humanamente incríveis): a longa turnê pelo Brasil realizada ao lado de Jonathan Tadeu e Fernando Motta, por exemplo.

O acerto de contas contínuo consome Brauer e a necessidade de provar a si mesmo que é capaz de sair do labirinto provoca os trânsitos em suas canções. Pra isso, cria uma estrutura que, segundo ele mesmo, pega emprestado o talento de outrem pra melhor articular seu sistema de fuga e afirmação. Cada episódio do disco – excetuando as sequências “sem sentido”, como “Drogas” -, mesmo os mais oníricos, representa o espírito de anos e anos aguardando uma eclosão. Dessa forma, as múltiplas afirmações surgidas nas mais distintas vozes fazem o ouvinte pensar em sua própria trajetória (até pelas letras serem, notadamente, autobiográficas).

Na visão de Brauer, bem explicitado em “Kos”, a piedade e a grandeza andam em conjunto e são transformadas na substância do nascimento da palavra e da música. Estar deslocado e sem pátria e ser testemunha da história de si, que é de certa forma a história restrita da humanidade, em que abominação, fogo, sangue e lágrimas batizam um retorno contínuo a qualquer espécie de “essência”. Entretanto, essa “sofisticação” é bruta: ela tem de passar pelo provincianismo moralista que a cerca pra poder fazer tal esboço afirmativo.

O confronto com o labirinto interno só será resolvido a partir do acolhimento do que é externo (união e apropriação). Brauer quis fazer de “O Anjo Azul” um relato pessoal que, justamente em sua intimidade, dialoga com a angústia e a decadência do que chamamos “mundo contemporâneo”. Daí, as referências aos jogos de videogame, às manifestações (mais presentes em “M” [2013]), a Mikhail Tal, aos ídolos da cultura pop etc.

Contudo, de nada adiantaria essas referências se ele não as confrontasse. Em “Mikhail Tal”, Brauer descreve um confronto não apenas com o lendário jogador de xadrez, mas – ao atribuir à imagem do outro as figuras notáveis que muito provavelmente desempenharam papel importante em sua formação – ele está numa partida contra a certeza que formou das coisas que mais lhe são importantes. Ele dirige-se aos sonhos não como refúgio, mas como arma de enfrentamento. A lembrança dos sonhos surge como memória: como formação intrínseca, estampada na pele e nas palavras.

As memórias tornam-se compostas por sonhos e tudo se embaraça, mas essa constante renovação pode ser vista como um novo começo. Qualquer espécie de representação será sempre uma mediação entre estes dois estados: estar no mundo e transcender a realidade. Ambos são moldáveis, ambos caracterizam uma pergunta cuja resposta possível é um movimento contínuo em que a produção incessante, esperançosamente, vai resultar em algum tipo de beleza. Como numa boa partida disputada no xadrez, em que os peões – até mesmo do lado vencedor – serão todos recolhidos, é o movimento que vai retirar o ser da província. O maior pecado é não fazer algo de valor a partir dessa constatação.

O mesmo pode se dizer de nós mesmos. A atribuição unilateral do que é exatamente a vida erradica qualquer possibilidade complexa e contraditória. É o embate entre memórias, dinheiro, sonho, certeza, “legado artístico” e o espectro aterrorizador da autoconsciência. O que é motivo pra uma das canções mais divertidas em “Nosferatu”, “Se Idiotas Fossem Aviões”, em que o narrador fala sobre os idiotas que o cercam e que mesmo assim se diverte com tudo isso.

A anunciação de um tempo “nosso, contemporâneo” guarda uma possibilidade de partilha em comum. A mistura de uma biografia forjada, divagações sobre a vida e delírio petulante fazem-me pensar de porque ter citado uma das melhores passagens de um dos melhores livros “totais” que eu já li, no início deste ensaio. O que choca é a aranha que parece o satanás (ou a Taylor Swift), sonhos que tiram o criador da condição comum – pois tudo o que é comum é fantástico, é passível de transposição. Ainda em “Ulisses”, a personagem Stephen Dedalus afirma que os erros são voluntários e portais de descoberta. Essa é a forma que isso é encarado, como o movimento errante dilacera bases sólidas e convoca tudo o que é empírico pro campo também conceitual.

Essa apresentação é a forma de combate da qual Vitor utiliza quando diz que não quer ser brasileiro, tocar instrumental ou que sua banda se torne uma empresa. Ele não deixa que a culpa fale primeiro e por isso lança essas músicas. Isso e porque tem gente que quer ouvi-lo. Mas, no fundo, ele sabe que o foda é falar disso tudo ao mesmo tempo, por uma linguagem específica (a música) e soar intrigante a ponto do ouvinte sentir vontade de tentar de novo. Não se render à imbecilidade coletiva (como todos fazemos) e tentar um movimento conciliatório é um dos grandes desafios na era do Facebook e compartilhamento de links, em que a incompreensão e incompatibilidade alheia parece ser uma regra que grita bem forte, mandando à solitária qualquer fiapo de “voz própria”.

Estar fraco não é desculpas pra não se fazer as coisas e não há porque fingir ser forte ou, também, ocultar seus reais delírios de grandeza (sonhos que passam a ser objetivos). Um dos movimentos mais reveladores na trilogia é a simples “Freestyle do Fim Do Mundo”, em que uma reunião é sugerida, junto com amigos, na tentativa de criar um momento memorável e que a vida pode, sim, ser maravilhosa.

É nesse instante que Brauer parece ser capaz de entender todo o segredo que atribui a si mesmo. Não querer ir à Europa ou aos Estados Unidos e valorizar o bar com os amigos, saber que o mundo tem problemas maiores e mais sérios e que essa fagulha mínima está conectada, de alguma forma, a tudo que rege o universo. O que ele fala em voz alta – denunciar um mundo de idiotas – na verdade protege uma crença veemente na grandeza da vida.

Brauer faz esse pedido pra que o público atente nessa razão e o que ele realmente quer dizer. Tratam-se de músicas em que, mesmo falando de um rompimento de relacionamento, sempre é revelada uma crença maior e, ainda que em seus momentos mais rancorosos, um diálogo ativo com o tempo no qual vivemos.

Ele se reconhece como um representante de um local provinciano cujas fronteiras parecem limitar suas possibilidades, mas no qual os versos de atravessamento podem ser encarados como uma colorida corda acenando a outrem num local desapropriado. A divagação sobre outras influências não é apenas pedantismo ou referência, mas uma forma ativa de evitar um saudosismo que muito facilmente pode ser confundido com passividade. O espírito de nossa época é difuso e pode ser representado numa neblina de conceitos que encobre tudo, não permitindo nem que acreditemos em nós mesmos. E o que se pode fazer?

A vida apaga nossas memórias e o próprio ato de “lembrar” torna-se uma escavação e decodificação de algo tão abstrato como passado. Eu não me lembro de porque ter ouvido Lupe De Lupe pela primeira vez, mas lembro-me de que não simpatizei nem um pouco e desisti de tentar de novo, até vê-los numa casa de shows que já fechou na Vila Madalena (SP) e, a partir dali, a banda ter sido trilha-sonora pra muitos momentos marcantes. Hoje, eu me deparo com essa tríade de trabalhos solos de Brauer e vejo o narrador como um espectro que me acompanhou ao longo desses anos. Talvez todos os atos sejam, de fato, motivados pelo desespero de que logo vamos morrer e qualquer delírio é apenas uma euforia efêmera que nos tira desse mundo. Os tão chamados “problemas e preocupações reais” não entendem e não compreendem esse vislumbre de grandeza: é justamente o caminho que não podemos ver que nos recoloca nos trilhos.

Versos ruins depois de uma certa idade deixam de parecer menos estéticos e passam a ser vistos como fontes de vontade. Apesar de qualquer espécie de reserva que deva ser realizada, é o que propulsiona a vida que passa a chamar mais atenção. No fim, após tantos vai-e-vens e repetições nauseabundas, o que nos cativa fica grudado e nunca nos abandona. “O Anjo Azul” é um manifesto delicado sobre as coisas que nos cativam – sonhos, músicas, jogos e despedidas. O encontro com Taylor Swift é o compromisso com o impossível e, por isso, com todas as coisas que residem quietas debaixo da superfície. Sem elas, “O Anjo Azul” não existiria e Cristo e Lúcifer seriam alegorias distantes de uma gente antiquada.

A luta
Contudo, vociferar verdades ocultas – em mundos tão opostos quanto o da santidade e do inferno – deixa feridas. Cinco anos depois do lançamento de “Nosferatu”, Brauer lança o que – segundo seu Bandcamp – é seu último trabalho de spoken word. Num disco que apela tanto pro que é invisível, corre-se o risco de um reencontro eterno entre mundos que se opõem, e os relatos tornarem-se mera ficção e técnica.

O espírito de quem escreveu essa trilogia tentou fixar no tempo uma identidade como prova da existência. Se o universo pode ser moldado, o que não falar de nossos pequenos papéis desempenhados no dia-a-dia?

O oceano da idiotice enruga nossa pele de modo que nunca poderemos ver-nos completamente livre do delírio alheio. No começo de “Se Idiotas Fossem Aviões”, Brauer propõe “fazer diferente”: dirigir lentamente por aí, ouvindo alguma música legal enquanto se contempla o cotidiano, como se fosse algo completamente absorto. Ele escreveu essas coisas porque diagnosticou um provincianismo nocivo à sua manifestação interna. Estar exaurido dessa imposição de outrem foi o que deu forma a uma sequência de discos que tratam sobre amor e morte.

Os questionamentos sobre rumos que tomamos na vida e sobre as pessoas que deixamos intrigam não apenas pela falta do outro, mas pelo desespero duma ligação lógica que explique tantas divisões desgastantes. Cultiva-se a necessidade de extrapolar o local que nos prende, como forma de desafiá-lo e também de honrá-lo. Não há lucidez nos sonhos e a luz que eles nos jogam é uma visita dum passado e da forma que se encara o tempo.

Talvez seja disso que Brauer sofra e por isso um desejo absurdo de enfrentar a paralisia de nosso tempo. Na primeira faixa de “Nosferatu”, ele questiona: “existe algo além?”. É bem provável que não. Cabe a quem ouve os discos entender como fantasmas e sonhos são projeções de uma interpelação maior: escapar dos labirintos que você mesmo cria.

01. Memória E Sonho
02. Infância
03. 夢 – Yume (participação Hugo Noguchi)
04. Minha Banda Pt.1 (Isadora)
05. Mikhail Tal
06. Taylor Swift
07. Ancorados No Espaço (participação Jujz)
08. Chapecoense
09. Minha Banda Pt.2 (Lupe De Lupe)
10. Drogas
11. Caindo Em Desgraça (participação Theuzitz)
12. Minha Banda Pt.3 (Vitor Brauer)
13. Dois
14. Idália (participação Valciãn Calixto)
15. Aqui Seria O Aeroporto
16. Kos

Lançamento: 17 de novembro de 2017
Duração: 69 minutos e 20 segundos
Selo: Geração Perdida de Minas Gerais
Produção: Vitor Brauer

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