RESENHA: ZAT, QUIEBRE & CAMPBELL TRIO – SPLIT

Hardcore sempre esteve ligado com a destruição da cultura dominante. Isso foi feito a partir de um processo de apropriação de signos tradicionalmente neoliberais que são ressignificados em uma estética agressiva. Os andamentos quebrados do ZAT representam esse confronto. “Monstruos”, a faixa instrumental, é como uma tentativa constante de quebrar o instituído. Ela é estruturalmente anticomodidade, ela tenta a todo instante ser outra coisa; quebradas de bateria, acordes angulares, continuações impensáveis.

As guitarradas do Quiebre são surpreendentes. Elas eclodem em pontos que não esperávamos, e ratificam ainda mais a estrutura crua de melodia e instrumentos. Ou seja, dentro do hardcore que eles fazem, há muita liberdade criativa (ouvimos as microfonias, os andamentos se modificam com certa constância). Não há como não ficar feliz ao perceber um gênero que significa tanto pra você (e que te moldou enquanto pessoa) ser levado a outros termos por bandas tão compromissadas não só com a política faça-você-mesmo, mas também elaborar uma estética sonora que de fato enfrenta sonoridades contemporâneas tão moduladas, formais, obsessivamente tradicionais. Não produzam expectativas e nem vou referenciar as bandas com outras. São representações urgentes que extrapolam gêneros musicais ao mesmo tempo em que se mantém fieis a um espírito criativamente autônomo. É tudo muito empolgante, tudo muito real e próximo!

Ouça a parte do ZAT:

Em muitos sentidos, as multifaces desse split exploram o ambiente musical subterrâneo e suas diversas ramificações. Não é sobre uma cena, não é sobre algo fechado; é sobre as possibilidades (aplicadas) que cada banda sustenta. São seções diferentes (as diferenças entre as bandas são óbvias) que permitem sensações únicas a cada ouvida. Nós temos aqui muito mais que aquele tradicional “soco na cara” que o hardcore estimula, e justamente essa sensação de uma música “agressiva” se deve não pelo peso das bandas (elas nem são tão pesadas assim), mas por quão diferente dos métodos mais populares baseiam-se tanto construção sonora quanto gravação.

São múltiplas vozes de bandas que estão incomodadas com vários aspectos socioculturais e também em diálogos internos. O encontro desse mundo exterior horrendo com muitas dúvidas internas só pode gerar um processo de discordância. E é sobre esse desencanto com o mundo (ao mesmo tempo em que tentando encontrar um lugar de repouso nele) que os vocais versam. Eles seguem uma linha melódica e são empolgados, ou seja, eles não apenas constatam esse mundo sem glamour, mas eles dizem coisas diretas e mostram muita energia para lutar de volta. O som insano e cru por trás e os vocalistas totalmente expostos num terreno em que frustração e decepção coexistem e são utilizadas como armas poderosas para qualquer reação que seja.

Ouça a parte do Quiebre:

Mesmo as faixas mais acessíveis nesse split representam uma desavença com a produção musical. A dinâmica do Campbell Trio revela tantas sensações que se convergem, tanta confusão, tanta incerteza. Ainda assim, a banda opta por fazer muito barulho, por uma gravação que parece eles tocando ao vivo. É difícil escolher alguma canção individualmente. Eu quero dizer, desde a primeira canção, com os vocais empolgados/gritados, nós somos arremessados pra um terreno em que a exposição é a palavra-chave. A vantagem das bandas saberem que tudo que elas desejam exprimir depende exclusivamente de sua entrega torna tudo muito visceral.

Espero que o ponto “hardcore” que eu quis especificar no começo esteja entendido exclusivamente como uma posição política das bandas, porque “estilos” passam longe aqui; ainda assim, se fosse fazer algum paralelo, seria as bandas da dischord da década de 90. Os vocais melódicos que constantemente saem do tom são com certeza as pedras que Ian MacKaye usou pra definir o punk.

Ouça a parte do Campbell Trio:

Talvez tudo nessa resenha tenha sido uma maneira infantil de relacionar o hardcore com tendências políticas de enfrentar a homogeneização musical. E se eu disse que expectativas são injustas em casos assim, elas também trabalhariam contra esse posicionamento forte das bandas. Enraizado num discurso que também confronta o que o hardcore “se tornou”, as bandas encontram em suas digressões musicais (as guitarras dedilhadas, as microfonias, as viradas tortas de bateria) um meio de enfrentar a estética dominante até na tão dita contracultura. Eu passei a resenha inteira falando de posicionamentos e como eu julgo isso importante. A ressignificação é realizada com muita vontade nesse split. A música respira. Nem tudo está morto.

NOTA: 7,5
Lançamento: 19 e 25 de novembro e 1º de dezembro de 2015
Duração: 37 minutos e 28 segundos
Selo: Amendment Records, Ediciones Incendiarias e Discos Podridos
Produção: Campbell Trio, ZAT, Juan José Sanchez e Quiebre

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