RUTH POLSKY, A MULHER QUE MUDOU A CENA MUSICAL DOS ANOS 1980

Quando os membros do New Order chegaram a Nova Iorque pros seus primeiros shows nos Esteites, em 1980, foram recebidos pela promotora, pela fornecedora de drogas, pela guia turística e pela cozinheira pessoal – todas a mesma mulher.

Os britânicos foram apenas uma das dezenas de grupos de new wave e pós-punk que atravessaram o Atlântico pelas mãos de Ruth Polsky. Durante sua atuação como booker nos seminais clubes de Manhattan, Hurrah, na West 62nd Street (de 1979 a 1982), e Danceteria, na West 21st Street (de 1982 a 1986), ela ofereceu as primeiras chances a bandas desconhecidas como Simple Minds, Echo And The Bunnymen, The Smiths, The Psychedelic Furs e muitas outras. Com a disco e o rock ainda dominando as paradas, Polsky tinha um raro ouvido pra sons novos, e aproveitou a oportunidade pra trazer tais artistas pros Esteites muito antes que os outros clubes ousassem fazê-lo.

Ela também se tornou mãe pra essas bandas, especialmente em seus dias iniciais. “Quando chegamos pela primeira vez, sentíamos falta de algo ao estilo britânico”, disse Peter Hook, ex-baixista do New Order, ao New York Post, onde este artigo originalmente foi publicado e aqui está traduzido. “Ruth saía e comprava todas as coisas que você precisava, e preparava algumas refeições especialmente pra nós. Pra você ver o quão bacana ela era”.

A sobremesa, no entanto, era um pouco mais exótica: “depois, ela esticava dez carreiras de cocaína”, disse Hook. “Eu não tinha idaia do que fazer e eu acabei espirrando ou algo assim, e espalhando aquilo tudo pro ar, bem ao estilo Woody Allen! (Hook obviamente se refere à clássica e cômica cena de ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’)”.

Mas a contribuição de Polsky vai muito além da hospitalidade. Vinte anos depois da Invasão Britânica dos anos 1960, os shows nos clubes de Polsky despertaram uma nova geração de anglófilos. Infelizmente, ela não iria viver pra ver as bandas underground que ela promoveu atingir o mainstream, e ela continua a ser uma figura esquecida, mas crucial, na história da música de Nova Iorque.

Nascida em 5 de dezembro de 1954, Polsky cresceu em Toms River, Nova Jérsei, e tinha um irmão e duas irmãs. Obcecada pela música desde jovem, formou-se em Inglês na Clark University, em Massachusetts, escreveu uma coluna pro jornal da escola e até mesmo entrevistou um jovem Bruce Springsteen. Após se formar em 1976, arrumou um trabalho pra escrever na revista musical The Aquarian, de Nova Jérsei. Ela mudou-se pra Londres no final dos anos 70, pra falar sobre a cena explosiva do punk pra revista semanal, tomando contato e experiência em primeira mão com aquela nova geração de talentos britânicos.

Quando voltou pros Esteites e se tornou booker no Hurrah, sua lista de contatos era incomparável. Polsky virou uma figura impressionante na cena club. Com seu conhecido cabelo curto e escuro e um guarda-roupa que misturava uma sensibilidade hippie com o chique dos anos 80, ela era uma bola de energia, cruzando pela cidade até o amanhecer.

Inclusive trazia os bons momentos pra casa com ela, muitas vezes organizando jantares a la Gertrude Stein, em seu apartamento em Houston Street, onde inúmeras bandas iam socializar – ou não, como era o caso.

“Eu me lembro de estar em uma festa na sua casa em 1983, quando os Smiths estavam na cidade”, disse Parker Dulany, da Certain General, uma banda pós-punk novaiorquina que Polsky agenciava e cujo primeiro EP, “Holiday Of Love”, de 1985, foi produzido pelo famoso comparsa do REM Peter Hosapple e mixado por ninguém menos que Michael Gira, do Swans. “Morrissey ficava no quarto de Ruth o tempo todo. De vez em quando, uma mão aparecia pela porta, balançava, alguém lhe trazia uma bebida e ele voltava pra dentro do quarto. Ele jamais saía – era como Maria Antonieta! Ele era uma baita prima donna!”

Pros músicos que decidiram enfrentar as perigosas ruas da década de 1980 em Nova Iorque, Polsky era tanto um pastor quanto um guia.

“Ruth era uma garota da pesada”, disse o baixista dos Smiths, Andy Rourke. “Depois de nosso show no Danceteria, em 1983, eu e Mike (Joyce, o baterista da banda) voltamos pro apartamento dela. Nós ouvíamos tiros e ambulâncias – a gente tava se cagando de medo. Mas Ruth disse: “Não, não se preocupem, não é nada!”

Algumas pessoas não gostavam muito de Polsky. Enquanto trabalhava no Danceteria, ela cruzou os caminhos com uma Madonna pré-fama, uma zé-ninguém querendo aparecer.

“Ruth dizia que ela sempre foi uma cadela!”, contou seu irmão mais novo, Bruce, com uma risada.

Polsky não tinha medo de misturar trabalho com prazer, e às vezes era sua desvantagem. Em seu novo livro de memórias “Substance: Inside New Order” (2016), Hook admite ter tido um caso tumultuado com Polsky.

“Ela queria um relacionamento de longo prazo, pra se acalmar e ter filhos, mas eu a tratava muito mal”, disse o baixista ao The Post. “Eu era um machinho típico. Eu estava a procura de garotas bonitas, e se eu não conseguisse encontrar nenhuma, eu ia na Ruth no final da noite. Eu ferrei seu coração em várias ocasiões”.

Aqui, o Simple Minds no famoso show de 24 de outubro de 1979, no Hurrah, organizado e promovido por Polsky, que virou um grande sucesso na TV britânica:

Polsky é protagonista de uma história curiosa com o Sonic Youth. Em 1983, a banda fez uma apresentação memorável no Danceteria, tocando com o Swans no palco principal. No palco menor, no ambiente ao lado, se apresentou Lydia Lunch. O grupo tocou uma série de músicas ainda não gravadas e inéditas do público. Àquela época, o Sonic Youth havia feito um grande barulho com o lançamento do seu primeiro disco, “Confusion Is Sex”, e tais músicas seriam pra um possível novo trabalho, ainda não planejado.

O caso é que os shows do Sonic Youth eram caóticos tanto quanto jovens eram seus integrantes, cheios de energia e drogas pra gastar. Lydia Lunch se juntou à banda no meio daquela balbúrdia sonora que eles ofereciam no palco. Por conta disso, ao final da noite, uma bebaça Ruth Polsky acabou pagando a Lydia Lunch dois cachês – afinal, haviam sido dois shows.

Os quinhentos dólares pagos a mais por ela foram usados pelo Sonic Youth pra financiar mais uma sessão de gravação no Fun City Studios. O engenheiro de som Wharton Tiers gravou a sessão com um gravador simples de duas pistas. As três músicas gravadas nessa sessão soaram ainda mais obscuras e intensas do que o que se ouvia em “Confusion Is Sex”. Elas formam o lado B do EP “Kill Yr Idols”, que acabou originalmente lançado apenas na Alemanha, em outubro de 1983 (depois entrou na reedição de luxo de “Confusion Is Sex”) – as outras duas faixas, as do lado A, são “Protect Me You” e “Shaking Hell (1 & 2)”.


(Ruth é a do meio, entre Bernard Summer e Gilliam Gilbert, do New Order – foto de Kevin Cummins)

Além do papel proeminente nas carreiras do New Order e dos Smiths, Polsky levou o Certain General ao sucesso na França e estava tentando construir a carreira deles domesticamente. Em 7 de setembro de 1986, ela tinha reservado o Limelight, em Chelsea, pra banda fazer o show de lançamento do disco “These Are The Days” (1985), uma apresentação beneficente na luta contra AIDS, quando a tragédia deu as caras.

Dulany tinha combinado encontrar-se com Polsky fora do Limelight. Mas ele esqueceu sua guitarra e teve que voltar pra pegá-la. Quando retornou à Limelight, viu uma carnificina. Um carro tinha furado o sinal vermelho, batendo num táxi amarelo no cruzamento das West 20th Street e Sixth Avenue. O táxi ficou fora de controle, e agora estava capotado na parede do Limelight.

“Parecia um filme de Scorsese”, lembra Dulany. “Havia vidro e merda pra todo lado. Os policiais estavam chegando lá. Ouvi alguém dizer que havia uma menina debaixo do táxi”.

Ele suspeitou que poderia ser Polsky, mas era impossível determinar a identidade da vítima. Dulany e seus amigos entraram no Limelight e começaram a procurar Polsky. “Ela não estava atrasada, então eu comecei a procurar pelo clube, agarrando cada menina curta com cabelo escuro pra ver se era ela.”

Mesmo sem nenhum sinal de Polsky, um Dulany frenético e sua banda fizeram o show. Mais tarde, Dulany começou a caminhar pra casa, pro seu apartamento no East Village, parando em cada cabine telefônica no caminho pra ligar pro apartamento dela. Ele parou em um bar pra dar um tempo, e sentou-se ao lado de Alan Vega – cantor do proto-punk Suicide, que tinha ouvido sobre o incidente, e também era um amigo de Polsky. “Eu disse: ‘estou preocupado pacas’. Alan disse: ‘sim, eu sei, ouvi que poderia ser Ruth”.

Na manhã seguinte, Dulany foi chamado pra identificar um corpo. Quando chegou ao necrotério, imediatamente reconheceu quem era.

“Eles ainda não a tinham limpado, e eu podia ver algo no rosto de Ruth; era óleo ou algum tipo de marca de derrapagem”, lembra Dulany. “Ela parecia muito menor. Eu comecei a desmaiar, tentando sair dali, e bati uma porta tão forte que ela quebrou. Foi possivelmente a pior experiência que já tive. Muitos de meus amigos dizem que se eu não tivesse esquecido minha guitarra, ou Ruth estaria viva, ou nós dois estaríamos mortos”.

Em Toms River, foi a polícia que contou à família de Polsky sobre o acidente. “Meu pai desabou no gramado”, diz Bruce. “Ele nunca realmente se recuperou disso. Acho que Ruthie era sua filha favorita”.

Polsky tinha apenas 31 anos quando morreu. Relatos do incidente foram publicados em jornais da cidade de Nova Iorque e a Billboard publicou um obituário pequeno (veja imagem abaixo – o obituário errou a idade dela, dizendo que tinha 30).

No funeral em Toms River, músicos da cidade de Nova Iorque e pessoas da indústria acabaram comparecendo. “Estava tão lotado, e havia uma pilha de buquês enviados por pessoas que não podiam estar lá”, disse Dulany. “Eles eram do Spandau Ballet, Simple Minds, Eurythmics, todas as bandas que você poderia pensar”. O New Order faria um show-tributo completo pra ela no Roxy, em 5 de dezembro de 1986, com a grana indo pra família. Nesse show, a banda tocou “Atmosphere”, normalmente ligada às homenagens a Ian Curtis, e “Love Will Tears Us Apart”, ambas pela primeira vez ao vivo.

Infelizmente, Polsky morreu exatamente quando a cena musical alternativa que ela tanto defendeu estava começando a dar frutos. Em 1987, Echo And The Bunnymen e New Order co-encabeçaram uma turnê de grande proporções nos Esteites – o New Order até mesmo conseguindo sucesso no Top 40 da Billboard, com “True Faith”. The Psychedelic Furs também se deram bem com singles como “Heartbreak Beat” e “Pretty In Pink”.

Os Smiths dedicaram a ela o single “Shoplifters Of The World Unite”, de 1987. A banda fez a homenagem na contracapa do single.

Sua morte pro mundo da música foi enorme, mas para Dulany a perda pessoal era muito maior. Embora o Certain General ainda esteja na ativa, ele admite que ficou à deriva depois que Polsky morreu.

“Até hoje, realmente me incomoda que ela tenha morrido trabalhando pra mim”, disse. “Ela acreditava em mim, então, quando ela morreu, parte de mim morreu. Eu nunca tive um pai, nunca tive uma irmã mais velha, mas ela era as duas coisas”.

A foto que abre o artigo é a mesma que abre o do NYPost, creditada a Rhond Corte.

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