TIME FOR FUN REVELA EM NÚMEROS A DEVASTAÇÃO DA PANDEMIA NO MUNDO DO ENTRETENIMENTO AO VIVO

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Quando o primeiro caso confirmado de SARS-CoV-2, o causador da Covid-19, foi identificado no Brasil, em 26 de fevereiro, uma Quarta-feira de Cinzas, poderia se imaginar mais do que a ressaca pesada pós-Carnaval: poderia se imaginar tempos difíceis, bem difíceis.

Mas não como de fato vimos e estamos enfrentando.

Naquele momento, o mundo tinha pouco mais de oitenta mil casos confirmados e empresas e governos não tinham ideia do tamanho do problema. Talvez nem mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

No Brasil, porém, seria pior.

Com um governo negacionista e que se orgulha de ignorar dados científicos, que acha que ir contra a ciência é ir “contra o sistema”, a situação se agravou.

Jair Bolsonaro, a excrescência que os brasileiros colocaram na presidência, desde o início menosprezou a crise. Pra ele, uma gripezinha. “Não sou coveiro”, disse, dando de ombros, enquanto dezenas de milhares de brasileiros, muitos eleitores seus, provavelmente, estavam sepultados.

Até este momento, dia 13 de agosto, quase seis meses após o primeiro caso confirmado no país, já são mais 105 mil compatriotas do presidente enterrados. Alguns podem ser familiares e conhecidos de você, que está lendo essas linhas aqui, infelizmente.

O presidente desprezou a gravidade da doença alegando que o isolamento social poderia ter um efeito colateral grave, que é o desemprego.

Admitindo que Bolsonaro realmente se preocupe com o trabalhador (o que sabemos, pelas propostas que apoiou como deputado e que manda pro Congresso como presidente, ser uma mentira), num país com mais de 10 milhões de desempregados desde 2015 e com a precarização bastante grave do emprego (acentuado com a ajuda do próprio Bolsonaro), nem assim o presidente contribuiu pra minimizar o problema.

O fato é que sem medidas efetivas no começo da crise, o governo fez a crise piorar e se estender por mais tempo do que se imaginava, infectando e matando mais gente do que se imaginava.

Vidas, corpos sequelados (os “curados” não ficam exatamente limpos, como se sabe, eles carregam sequelas), empregos perdidos, pequenos empresários destroçados, sonhos destruídos e sobrou até pra grandes corporações.

Na temporada de divulgação de balanços das empresas listadas na bolsa de valores brasileira, uma delas chamou atenção, a da Time For Fun, a gigante brasileira de entretenimento.

Se Gol, Azul, Tam, CVC e outras foram fortemente impactadas com a diminuição abrupta de clientes, com quedas de 90% nos passageiros, no caso do balanço do segundo trimestre da Time For Fun, a devastação foi total.

E, ao contrário das companhias aéreas, que receberam apoio do poder público, através de leis e do BNDES, não há pra empresas de entretenimento muito horizonte a se apoiar.

Não se sabe quando shows poderão ser realizados novamente. Não se faz ideia quando será possível realizar eventos com aglomerações novamente. Nem o Carnaval 2021 está garantido. O mesmo com relação ao Réveillon.

Nos números divulgados pela empresa, a receita líquida do segundo trimestre de 2020 foi de R$ 2,6 milhões. Isso é 98% a menos do que a receita líquida apurada no segundo trimestre de 2019, que foi de R$ 132,4 milhões.

O resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBTIDA, na sigla em inglês) ficou negativo em R$ 15,5 milhões.

Isso representa um número 21% melhor do que o EBTIDA negativo de R$ 19,6 milhões alcançado no 2TRI19. Porém, a margem EBTIDA piorou 570,7 pontos percentuais. Praticamente sem receita no trimestre, a Time For Fun reportou uma margem EBTIDA de menos 585,5%.

“Em virtude da pandemia do Covid-19 e das restrições legais impostas ao nosso setor, não promovemos nenhum evento de música ao vivo no trimestre”, diz a empresa.

“Logo, a comparabilidade dos dados fica distorcida, prejudicando algumas análises”, ressalva.

Verdade. Mas é um quadro perfeito da devastação causada pela pandemia.

“Em música ao vivo, o pipeline de eventos do 2T20 antes da paralização (sic) contava com 39 shows e 214 mil ingressos vendidos, com destaque para o Festival Lollapalooza 2020. Quase todos os eventos inicialmente programados para este período foram reagendados”, segue a T4F.

O que, diante do atual cenário, não se sabe acontecerão. Os eventos reagendados podem ser simplesmente cancelados. E alguns já foram.

“No 2T19, destaque para a realização do Festival Lollapalooza 2019. Já em ‘família e teatro’, no 2T19 apresentamos o musical original da Broadway ‘O Fantasma Da Ópera’, com 91 apresentações e 70 mil ingressos vendidos, enquanto no 2T20 não houve atividade em virtude da pandemia”, explica.

De fato, o balanço mostra que a receita líquida do segundo trimestre zerou no item “Promoção de Eventos” (“Música ao Vivo”, “Eventos Família e Teatro”, “Eventos Esportivos”); teve queda de 95% em “Operação de Bilheteria, A&B e Venues”, com receita de R$ 1,1 milhão; e menos 95% em “Patrocínio” (que inclui “Promoção de Eventos” e “Operação de Bilheteria, A&B e Venues”), com R$ 1,5 milhões.

Na linha “Patrocínio”, há apenas os patrocínios dos eventos promovidos via live streaming e parte dos valores de naming rights das casas de espetáculo de abril.

Foi só o que a empresa ganhou em três meses.

“Diante das restrições legais que impediram a realização de nossos principais eventos, promovemos eventos de live streaming no período. Destaque para a apresentação da Live do Jota Quest e o Home Hour Popload Festival que, além da participação de Emicida, Tulipa Ruiz, Duda Beat entre outros destaques musicais, contou também com atrações como bate papo com artistas, conteúdos com bartenders mulheres e dicas de consumo alcoólico responsável”, explica.

Pra se ter uma ideia do impacto, no segundo trimestre de 2019, a empresa promoveu 137 eventos e vendeu 388 mil ingressos, com preço médio por ingresso de R$ 210.

No segundo semestre, esses números zeraram. Nem um centavo entrou.

No primeiro semestre de 2020, foram onze eventos promovidos e 37 mil ingressos, com média de R$ 169 por ingresso vendido. Isso representa uma queda de 96% com relação ao número de eventos do primeiro semestre de 2019 (281), 95% com relação a ingressos vendidos (717 mil) e de 28% no preço por ingresso (R$ 234).

O SG&A (despesas com vendas, gerais e administrativas, na sigla em inglês) diminuiu 36% no período.

A empresa conseguiu diminuir o custo graças à redução do quadro de trabalhadores; à suspensão de alguns contratos de trabalho, usufruindo dos benefícios da Medida Provisória 937; e à renegociação ou suspensão de alguns contratos de serviços.

Vale notar que a remuneração dos administradores caiu apenas 21%, custando no trimestre R$ 2 milhões. É assim que o empresariado brasileiro atual pensa e age, afinal de contas.

O prejuízo líquido da empresa acabou no período ficando em R$ 25,6 milhões. Isso é 41% maior do que o prejuízo aferido no segundo trimestre de 2019, de R$ 18,2 milhões.

Apesar de tudo, a empresa mostra-se minimamente saudável.

Encerrou o segundo trimestre com R$ 217,9 milhões em caixa, versus R$ 224,1 milhões no mesmo período de 2019 e R$ 222,5 milhões no primeiro semestre de 2020.

Isso se dá porque a empresa praticamente não operou. Ela respirou por aparelhos e isso consome pouca energia.

Gastou R$ 9,2 milhões com o pagamento de despesas administrativas, gastos com manutenção e facilities das casas de espetáculo

Os investimentos foram de R$ 200 mil em capex de manutenção (despesas de capitais ou investimentos em bens de capitais).

A Time For Fun ainda gastou R$ 1,6 milhão com o pagamento de passivos de arrendamento referente aos contratos de aluguel de longo prazo das casas de espetáculos; e R$ 3,4 milhões com juros relativos à terceira emissão de debêntures da empresa, que, vale lembrar, é listada na bolsa.

Ainda registrou variação cambial positiva de R$ 9,8 milhões, em sua maioria fruto da valorização das disponibilidades em moeda estrangeira. Ganhou com dólar não utilizado.

Juntando tudo, noves fora, a empresa encerrou o período analisado com endividamento total de R$ 160,7 milhões (uma variação de mais 5% com relação ao 2T19) e caixa líquido de R$ 57,2 milhões (queda de 19% em relação ao 2T19, que era de R$ 70,3 milhões).

A Time For Fun foi fundada por Fernando Alterio, de 70 anos.

Em matéria da Veja São Paulo de outubro de 2019, que traça seu perfil, mostra que eles é “organizador de festivais como o Lollapalooza, responsável por trazer ao país desde Paul McCartney e os Rolling Stones até os irlandeses do U2, e mecenas das montagens de ‘Les Misérables’ e ‘O Fantasma Da Ópera’ na cidade, Alterio está reinventando a principal casa de espetáculos do seu grupo, que hoje emprega 362 funcionários. Nesta semana, por uma quantia estimada no mercado em 25 milhões de reais, o Credicard Hall foi rebatizado de UnimedHall pelos próximos cinco anos”.

Provável eleitor de Bolsonaro, foi surpreendido com a recente mudança da Lei Rouanet que estabeleceu o teto de arrecadação em até R$ 1 milhão de reais e “inviabiliza novas produções do gênero, afirma Alterio, em uníssono com diretores e atores. ‘O Fantasma da Ópera’, que fica em cartaz até dezembro, custou cerca de 62 milhões de reais, 24 milhões captados via incentivo. ‘Suspendemos as negociações para a obra no ano que vem’, afirma. ‘Mirando em artistas de esquerda, o governo acertou em uma indústria que estava se desenvolvendo bem’, completa, sem descartar a possibilidade de aparecer com uma obra nacional no lugar de uma da Broadway”.

Provável eleitor de Bolsonaro, por perfil (e perdoe-me o leitor pelo preconceito aqui), Alterio se vê diante agora de uma crise potencializada pela incapacidade e inoperância do presidente que (provavelmente) ajudou a eleger.

As concorrentes diretas da Time For Fun, a Move Concerts, a Mercury Concerts e a Live Nation, não têm obrigação de divulgar seus balanços, por não serem listadas na bolsa de valores.

Entretanto, tudo leva a crer que enfrentaram os mesmos problemas da gigante brasileira.

Sem shows e eventos possíveis pela frente, o futuro é incerto.

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