U2 E AS CANÇÕES DO INCÔMODO

Todo mundo já foi a uma feira de negócios. Muitas empresas, muitas marcas, muitos estandes pra visitar. As empresas têm que se fazer notar naquele tumulto todo. A primeira ação que pensam é: distribui brindes.

E todas fazem isso. Ao final, fica a questão: o que o visitante vai fazer com tantas canetas, bonés, sacolas, blocos de anotação e pen drivers que recebe a cada estande visitado? Vira tudo lixo.

Uma geladeira, um boné, uma caneta até podem ser úteis, uma boa forma de aproximar sua marca ou passar uma mensagem ao público, mas muitos bonés, muitas canetas, muitas agendas se tornam lixo, um incômodo, são desnecessários.

É exatamente como muita gente está percebendo o valor do novo disco do U2, “Songs Of Innocence”, de 2014, que a banda e a Apple entregaram de graça a mais de quinhentos milhões de usuários IOS. De repente, celulares e tablets receberam o tal disco, sem aviso, sem pedir licença, sem autorização.

Isso é legal? Sim, mas é muito mala. Tanto que apenas pouco mais 6,5% ouviram de fato o disco. Os outros 93,5%, em diferentes graus de irritação, amaldiçoaram o tal presente e partiram atrás de tutoriais e aplicativos que ajudem a deletar aquilo dos seus aparelhos. Virou um estorvo.

A banda pode argumentar que vale a pena trocar a sua arte por essa experiência. Pode dizer que só um artista da envergadura do U2 pode tentar algo desse tipo e criar o barulho que criou. Pode argumentar com o bolso cheio de grana, já que, diz-se, a Apple pagou cem milhões de dólares em marketing e distribuição e mais (pelo menos) um terço disso só pra banda entrar nessa.

Quanto o U2 precisaria vender de CDs, LPs e arquivos digitais pra chegar a esse valor? Qual disco na história já vendeu 500 milhões de cópias?

Pra se ter uma ideia, “Thriller”, do Michael Jackson, de 1983, vendeu até hoje algo em torno de 65 milhões de cópias. “The Dark Side Of The Moon”, do Pink Floyd, de 1973, chegou a 45 milhões de cópias. O U2, sem fazer esforço algum, chegou a 500 milhões de cópias.

Sem fazer esforço algum, atingiu 33 milhões de ouvintes – é esse o número assombroso que representa os “apenas pouco mais de 6,5%” citados acima.

Entretanto os números escondem o principal. O U2 ficou com a imagem arranhada. Se vendeu por um dinheiro que aparentemente não precisa. Vendeu sua arte, aquela mesma que acreditamos tenha sido feita com coração, pureza e todo o blablablá que as entrevistas reverberam. Acabou, pra mais de 90% dos que receberam a obra, oferecendo um disco que foi percebido como um boné promocional, uma caneta, um calendário de mesa. É um brinde que uma grande corporação resolveu dar aos seus clientes. Algo que você pode deixar de lado porque não tem valor nenhum.

Talvez o U2 e a Apple tenham intenções mais lucrativas com essa iniciativa. Ninguém fica bilionário à toa fazendo besteira (vale lembrar: ao final de 2013, a empresa fechava com US$ 150 bilhões em caixa). Ela acabou com o iPod, oras, um ícone dessa geração, como foi o walkman pra algumas gerações passadas. A Apple não tropeça em incertezas. O U2 talvez ache que também tem esse poder.

Com o iTunes, a Apple já tratava música como partes vendáveis de álbuns. Eram arquivos isolados. Pra Apple, álbuns não fazem mais sentido. Eles são um punhado de arquivos que podem ser comprados separadamente. Arquivos que valem pouco mais de um dólar. É mais barato que um boné.

Por outro lado, é como o empresário que fica milionário vendendo palito de dentes. Um palito de dentes não vale nada sozinho. Uma caixa de palitos de dentes igualmente não vale quase nada. Mas todo mundo compra e compra muito, justamente por precisar do produto e por ser um produto muito barato. O ganho é no volume.

Pra Apple, as músicas são palitos de dentes, isoladamente valem pouco, mas é um produto que muitos querem, é barato e o ganho acaba sendo no volume. E nem é o seu produto principal.

Sendo assim, estrategicamente pra marca, faz todo sentido dar um disco de brinde pra seus clientes. Discos não valem nada.

E o U2 só tomou um atalho. Ao invés de ter que prensar o disco nos formatos físicos (a Island Records, claro, vai fazer o lançamento físico), trabalhar as músicas e torcer pra algumas delas virarem sucesso suficiente que impulsione as vendas, foi lá e vendeu o pacote inteiro, meteu a grana no bolso e sentou-se pra esperar os contratos pra turnê (que vai render outros tantos milhões).

Os fãs adoraram (os outros discos da banda voltaram a vender bem por conta da ação de “Songs Of Innocence”). Mas os fãs não são quinhentos milhões. Pros que não são, o arquivo U2-Songs-Of-Innoncence parece um cavalo de tróia pronto pra espionar dentro do celular seus gostos e manias.

Nisso tudo, esqueceram da música. A do U2, tirando aos fãs, o que é compreensível, andava pra muita gente bastante irrelevante. Não é mais uma banda, e já vai tempo. É uma empresa buscando formas de ganhar mais e mais dinheiro. A música é só uma ferramente de trabalho pra gerar negócios.

Mas tem a música e a música de “Songs Of Innocence” é boa, se você for fã do U2. Certamente não está decepcionado, ok, fique feliz. Porém, pra quem não é fã, a música deixou de ser o principal. É irrelevante.

É que as canções de Bono, The Edge e companhia podem ser sobre inocência, mas está claro que, quando se trata de negócios, eles não têm nada de inocentes.

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Comentários

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7 comentários

  1. Eu enxergo de outra maneira. Como vc disse a música não vale nada, não é só pq para a Apple é um palito de dente, a pirataria fez isso bem antes. Apple está dizendo que todos que escutam música tem iTunes e não é verdade. Eu acho que U2 quis mostrar quem deve realmente pagar pelas músicas é quem distribui, pq afinal a pirataria já foi responsável por desonerar o consumidor final. Eu acho que é o mesmo conceito por trás de Invisible. Bono em suas causas humanitárias nunca pediu que seus fãs doassem pessoalmente, ele sempre pediu o apoio, lembra de 2004? We’re not looking for your money we are looking for your voice. Ou da marca (RED) na qual empresas interessadas no marketing humanitário doavam quantias a ONGs referentes à venda do material com o selo (RED). É opção do consumidor aderir ao programa ou não. No lançamento de invisible, através da Apple tb a música ficou de graça para os ouvintes e com parceira do Bank of America para cada download o banco doou um dólar para o combate a AIDS e malária na África (foram 3 milhoes de downloads em 48h, eu acho) Isso foi o ensaio para o laçamento de songs of Innocene. U2 fez o correto, não cobrou de seus fãs e sim de quem mais lucra com seu trabalho, como vc mesmo disse a Apple tem 150 bilhoes em caixa e U2 tem 17 álbuns na lista dos 100 mais vendidos.
    Isso desagradou muita gente pq o universo de pessoas atingidas foi monstruoso. Não tem como agradar a todos, quem não quiser, deleta (Alías eu li que precisava clicar em baixar pra q o disco fosse baixado, quem está deletando é pq quis ouvir primeiro. O disco não vai ficar free eternamente, a partir de 13/10 será cobrado) Mas o número de pessoas que baixou foi 33 milhoes, dados seus, isso não estão inclusos os que não tem conta no iTunes, como eu aqui.

  2. Não acho que tenha sido ruim, afinal se ensina em faculdade de marketing que até má publicidade é publicidade. Muita gente que não conhecia a banda passou a fazê-lo, com os downloads dos outros CDs, que quase todos os fãs já tinham.

    O fato de 93,5 não terem baixado o CD AINDA, não significa não o farão, nos dias a seguir. Podem apenas não ser tão fãs quanto os outros, que baixaram na primeira semana. Nem todo fã compra um disco logo que ele sai.

    O texto é interessante, com boas análises e muitos exageros e conclusões um pouco precipitadas, a meu ver. Mas valeu a pena ter lido. =)

  3. Ri demais do seu texto.Quando que a Apple e o U2 acharam que iam ser baixados 500 milhões de álbuns?Quando que quando um álbum é posto de graça no Itunes é baixado por todos?Você queria que o álbum em uma semana tivesse sido baixado por 200, 300,400 milhões?Você acha que 93% que não baixaram ainda odiaram a ideia e odeiam U2?A manifestação surgiu de usuários querendo fazer graça.Nas redes sociais, você lê pelos comentários que uma pequena parcela ficou realmente irritada.Beyoncé e Radiohead fez o mesmo, e não conseguiram grandes marcas de venda.Se você alegar que o álbum entrou nos Ipods das pessoas, baixa quem quiser.E quem não consegue ver a imagem do U2 em seu ipod, é porque aquilo que seroa só um não gostar passou a ser uma inveja grande.

  4. Luiza, adorei essa passagem: “Eu acho que U2 quis mostrar quem deve realmente pagar pelas músicas é quem distribui”. É um bom e interessante ponto, embora reforce a ideia desalentadora de que a música não vale mais nada como negócio. Valeu pelo comentário.

  5. Valeu, Patricia. “Conclusões um pouco precipitadas” é algo que tenho que concordar com você. Ainda não se sabe exatamente quais são os rumos dessa ação em termos de mercado. Quanto aos números, eu acho que até exaltei os 6,5%, leia com atenção. E valeu pelo comentário.

  6. Eu acho que a música não vale como negócio devido as novas tecnologias, com isso quero dizer, após napster, iPod e afins e não porque U2 colocou seu produto de graça no iTunes. A verdade é que a música virou produto acessório. U2 mudou a indústria fonográfica, as empresas podem patrocinar bandas e não somente os shows. Ex: Uma cervejaria poderia pagar pelas músicas de artistas e liberá-las mediante a compra do bem, sei lá. Vc percebe como as possibilidades são muitas? Pensa bem, U2 ganhou 100 milhoes com música gratuita??? GÊNIO!!! E ainda vai vender uns 5 milhões de cd’s quando este for lançado, pq eles têm um público fiel de longa data. Eu não vou reclamar de receber uma música de um artista que gosto de graça, sem tem que ouvir aquele blábláblá de não valorizar o artista..

  7. Luiza,
    Não tem nada de gênio no negócio do U2. Eles apenas colhem o fruto de ser uma banda com alta popularidade. Eles apenas aproveitam boa fatia do mercado musical, e só.

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