VIAGENS ORIENTAIS #5: FUSHITSUSHA – FUSHITSUSHA LIVE (1989)

Keiji Haino é uma das figuras mais emblemáticas no underground japonês, talvez dividindo esse posto com Takashi Mizutani, guitarrista e vocalista da lendária Les Rallizes Dénudés. Mas enquanto Mizutani teve uma carreira focada no noise rock e na psicodelia, Haino sempre foi um artista que experimentou com vários gêneros, em vários projetos e em sua carreira solo. Já foi do jazz de vanguarda e improviso do Lost Aaraaff nos anos 70, passando pelo dark ambient e drone em sua carreira solo, até o lançamento de discos a cappella. Mas é no Fushitsusha que Haino foca toda sua energia no rock.

A banda surgiu no final dos anos 70, inicialmente com uma formação que incluía apenas Haino nas guitarras e vocais e Tamio Shiraishi nos sintetizadores. Mas logo depois se estabeleceu como um power trio, após a entrada de Jun Hamano no baixo e Shuhei Takashia na bateria, acompanhando Haino. Apesar de se apresentarem ao vivo desde o final dos anos 70, o primeiro disco da banda saiu apenas em 1989: “Live”, um LP duplo lançado pela lendária P.S.F. Records.

Comparado ao muitos lançamentos do Fushitsusha, ao longo de mais de 30 anos de estrada (20 anos lançando discos, apenas), “Live” é surpreendentemente um dos mais acessíveis trabalhos do trio. Apesar da longa duração do disco, as longas jams aqui encontradas têm base muito forte no rock psicodélico britânico e menos do freakout característico de outros projetos de Haino. O que diferencia o Fushitsusha do tradicional rock psicodélico é justamente a maneira como Haino conduz sua banda, como um maestro. A naturalidade de sua crueza é surpreendente, invocando influências como a no wave (antes dela acontecer), com dissonância, gritos e espasmos, e também a continuidade e o caráter hipnótico e experimental do krautrock alemão.

O lado A do disco contém dois tradicionais e arrastados números de rock psicodélico, sem grandes surpresas pro ouvinte, tirando talvez o quão arrastado eles são, como se Haino e seus colegas de banda estivessem alheios ao tempo e ao espaço. A primeira surpresa aparece já no lado B, com a quase-ambient, quase-postrock, “????????” (“Suki Ni Sureba Ii”), onde a percussão se ausenta quase totalmente, nos deixando com as fantasmagóricas linhas de guitarra (e voz) de Haino e o baixo de Yasushi Ozawa, falecido em 2008. O lado B se encerra com o esquisito e tortuoso crescendo de “????” (“Todokanai”), onde pela primeira vez não é Haino que leva a música nas costas, mas sim a dupla de percussão e baixo.

Ouça “Acchi”:

Ouça “Suki Ni Sureba Ii”:

Ouça “Todokanai”:

No segundo disco, o lado C volta ao que ouvimos na primeira parte do disco, mais do tradicional rock psicodélico na primeira faixa, e surpreende novamente na segunda faixa, na – mais uma vez – quebradiça e seguindo a velha fórmula do silêncio-barulho, talvez a música que mais mereça o rótulo de rock experimental em “Live”: “????????” (“Nattan Janai”).

E, como de praxe em muitos trabalhos que envolvem esses titãs do underground japonês, o melhor fica por último. O lado D encerra com uma faixa única de mais de vinte e cinco minutos, intitulada “??” (“Koko”), uma montanha-russa rítmica, vezes prevendo o post-metal, outras prevendo o slowcore e o post-rock, mostrando que a falta de limites na criatividade de Haino empunhando uma guitarra é seu grande ponto forte, mesmo que às vezes pareça cômico a maneira como ele trabalha.

“Live” é um testamento importantíssimo pro rock japonês, aliás, pro rock no mundo todo. Aqui encontramos a psicodelia ocidental amadurecida e levada a extremos ainda desconhecidos, e também encontramos prematuros experimentos que viriam a se tornar gêneros no futuro. E o mais impressionante aqui é que tudo aconteceu ao vivo, sem truques de estúdio, sem takes diferentes, apenas a paixão pela música que move Haino – e também seu Fushitsusha – e que já fazem mais de trinta anos.

Ouça “Nattan Janai”:

Ouça “Koko”:

Lado A
1. ??? (Acchi) (12:32)
2. ?? (Ang?) (10:21)

Lado B
1. ???????? (Suki Ni Sureba Ii) (11:38)
2. ???? (Todokanai) (10:27)

Lado C
1. ???? (Fuwafuwa) (8:04)
2. ???????? (Nattanjanai) (7:46)
3. ?? (Maigo) (10:03)

Lado D
1. ?? (Koko) (26:06)

Keiji Haino – guitarra e vocal
Yasushi Ozawa – baixo
Jun Kosugi – bateria
Seijiro Murayama – bateria

Gravado ao vivo no Studio J.
Lançamento – 24 de julho de 1989
Selo – P.S.F. records
Produção – Hideo Ikeezumi
Capa – Yasunori Arai

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