LOLLAPALOOZA: RISCO ZERO

Antes de tudo, alerto: não fui ao Lollapalooza 2015. Por isso mesmo, esse texto não é uma análise crítica do que de artístico foi apresentado no festival. Ver pela televisão até te dá uma ideia do que aconteceu, mas é uma visão bem diferente de estar presente, no meio da multidão, do frio, do calor, da chuva, do cansaço, da sujeira… da emoção.

Não tenho problemas com quem faz análises do sofá. Resenhas pela televisão garantem uma série de detalhes imperceptíveis pra quem está lá no local, graças à cada vez mais detalhada transmissão.

Minha questão com o Lollapalooza é outra.

Quem me acompanha por aqui sabe o quanto questiono a necessidade de eventos gigantescos como esse (veja aqui e aqui). Pra quê gigantismo? Você não vai ver nem metade do que é oferecido, é algo impossível, e mesmo assim os promotores enxergam que há a necessidade de ser um evento cada vez maior, vide Rock In Rio, senão não gera interesse.

É como admitir que a música em si não basta, é preciso oferecer algo gigantesco que faça você querer participar daquilo, só pra dizer que participou, só pra dizer que fez parte daquela multidão. Porque se existe uma necessidade nessas gerações atuais é a necessidade de pertencimento (agradeça ao imediatismo das redes sociais).

Como a música em si não basta, ela também não banca eventos desse porte, não garante retorno financeiro. É preciso buscar patrocinadores. Muitos. E esses patrocinadores querem retorno, obviamente, de modo que é um festival de exposição de marcas e quanto mais popular ele se torna, mais gente atrai, mas elas se expõem e a conta deveria fechar.

Entretanto, ela pode não fechar, como aconteceu na primeira edição.

Nesse cenário, alguém consegue imaginar que se deseje correr riscos? É claro que o investimento em si já é um risco, embora seja do jogo do empresariado – você investe, coloca uma grana e tenta colher os frutos mais pra frente, como em qualquer negócio. Diminuir os riscos pra fazer o produto atrair mais consumidores é crucial.

É isso que o Lollapalooza faz. Por ser um festival que, ao contrário do Rock In Rio, ainda aposta no novo, vale a torcida pelo sucesso da empreitada. Bandas novas, representadas em 2015 por Far From Alaska, O Terno, e até os gringos do Alt-J, não teriam espaço no Rock In Rio, e certamente jamais teriam o alcance de visibilidade em palcos menores e exclusivos. Mas são apostas calculadas, procurando minimizar os riscos.

A ideia não é apresentar o novo como aposta artística, como base de credibilidade, mas montar um universo que atraia o máximo possível do público-alvo das marcas patrocinadoras. O risco precisa ser calculado. Por isso, Banda do Mar. Por isso, Far From Alaska. Por isso, O Terno. Por isso, Pitty. Por isso, Calvin Harris. Por isso, Alt-J. Por isso, Pharrell Williams. É novo, mas já há base consolidada, a imprensa modernex já babou ovo suficiente, já há muito ou pelo menos um pouco de buzz por trás.

Mais do que isso, é importante apresentar bandas, novas ou não, que não atentem ao status consolidado: nenhuma chance de um Nirvana que cuspa nas câmeras de tevê; de um artista que toque pelado; de algum artista que mostre a bunda; de alguém que faça discursos políticos inflamados; de alguém que mande a plateia invadir a área de bebidas e pegar o que quiser, ou quebrar banheiros… Nada disso é possível nesse Lollapalooza que precisa dirimir riscos pra pagar as contas.

Num mundo onde temos Estado Islâmico, racismo, machismo, terrorismo, preconceito contra nordestinos, falta de água na maior cidade da América do Sul, uma polícia militar assassina, políticos abomináveis, e trocentos e inomináveis outros males, não há um só artista que ao menos pense em se insurgir contra algo.

Nada pode afrontar a moral, nada pode ser ofensivo, de “mau gosto” ou socialmente inaceitável. Não há rupturas nem mesmo musicais – e pra quem oferece espaço ao novo, não seria o esperado? Até em novela Global há mais tentativas de rupturas do que aqui.

É uma escolha. Sem esse risco, mais adolescentes cheirosos e bem nascidos terão disposição de sacar suas carteirinhas de estudante e pagar os acharcantes valores cobrados pela produção (aqui, em 2015, 340 reais por dia, 170 na meia entrada).

Como disse Pablo Miyazawa, em seu blogue no UOL, “muita gente do Brasil inteiro adoraria comparecer ao Lollapalooza, mas a maioria dos consumidores potenciais (que não possuem carteirinha de estudante) precisaria de um ótimo motivo para gastar quase um salário mínimo em um único fim de semana (os ingressos para os dois dias saem por R$ 660)”.

Só com esse público, é possível cobrar dez reais numa cerveja e sabe-se lá quanto num sanduíche. E não se atrai essa gente com artistas que tenham ou possam vir a ter atitudes conflitantes com a moral estabelecida.

Por que, então, ousar na escalação e correr o risco de atrair gente sem grana pra consumir ou que tenha senso crítico extremado? Vai ousar e correr o risco de um artista maluco urinar ao vivo na marca que patrocina o festival? Vai ousar e correr o risco de alguma banda mandar um foda-se ao vivo pra emissora que tá transmitindo? Vai ousar e atrair uma maioria que possa falar mal das marcas, da estrutura, ou do próprio evento?

Nada disso vai acontecer no Lollapalooza, ou no Rock In Rio. Não se depender da curadoria.

Você poderá se perguntar se há algo de errado com tudo isso, afinal houve bons shows: Jack White, Interpol, Pitty, Kasabian, St. Vincent, Robert Plant, Smashing Pumpkins. Embora todos muito bons, divertidos e tals, se portaram dentro de uma ordem desejada, nem pensaram em ofender quem estava lá – vale sempre lembrar: arte é pra chocar, tirar o espectador da zona de conforto.

Mas o que há de errado mesmo é que festivais gigantes influenciam negativamente no equilíbrio do mercado. Com a grana que eles têm pra investir fica difícil o surgimento de festivais menores, pra cinco mil pessoas, por exemplo, com mais ousadia. “É justamente a overdose desses festivais gigantes pelo mundo que estão matando as cenas locais e fechando clubes pequenos – os únicos lugares que realmente fomentam cenas musicais”, teoriza André Barcisnki, num dos mais divertidos textos sobre o Lollapalooza 2015.

Deveria haver espaço pra todos no mercado, do festival mais ousado e arriscado ao mais popular (como legitimamente pretende ser o Lolla). Mas parece não haver espaço nem interesse de investidores em formular algo mais focado e enxuto, algo que eficientemente coloque interesses artísticos lado a lado com os mercadológicos, trabalhando juntos. Grana só há pra gigantismos.

Daí que pra fechar a conta de festivais mastodônticos, ficaremos sempre à mercê da necessidade de atrair uma enorme massa de público que se comporte e pense de maneira idêntica, diminuindo os riscos com artistas que ousam menos, que já estejam consolidados ou que ofereçam pouca chance de surpreender ao vivo. Quanto menos colhão, melhor. Quanto mais basal, melhor.

Nesse negócio, quanto mais padronizadas as coisas forem, menor a surpresa no balanço final. Eu, você e os artistas não podemos experimentar sair um centímetro do programado pra que tudo possa dar certo pros organizadores e patrocinadores. Somos parte da estrutura, enfim, como é o palco, as lixeiras, os caixas, os bares, os hambúrgueres.

Não é horrível pensar que somos apenas isso?

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6 comentários

  1. Eu arrependi em partes de ter ido no Lolla 2015, as atrações do ano passado eram bem melhores e atrativas, ficou meio Rock in Rio o festival desse ano, na parte de alimentação eu gostei bastante salvo os preços abusivos, nunca vou esquecer que paguei 7,50 na água de copo, e também não esquecerei dos fãs babacas de Foster me esmagando na grade e xingando todo mundo, tive que gritar socorro feito uma louca para eles pararem, muitos poser esse ano, mas muitos mesmo, só volto no Lollapalooza novamente se tiver atrações de peso, pois haja dinheiro pra pagar inteira, passagem, hotel e alimentação. Adorei o show do Fitz And The Tantrums, Interpol e Jack White, o show do Kasabian foi legal mas eu esperava mais, não consegui assistir o show do Smashing Pumpkins, estava sentindo muita dor, como eu sai um pouco mais cedo nos 2 dias consegui pegar ônibus rapidão, enfim foi legal mas não valeu a grana que eu desembolsei não, em 2014 eu saí do Lolla maravilhada, em 2015 cansada, dolorida e um pouco decepcionada

  2. Para não correr o risco de me sentir parte de um grande esquema mercadológico, eu simplesmente não topo mais participar disso.

  3. Não fui no Lolla mas assisti da TV e acho que poderia ter mais bandas intermediárias (nem megabandas, nem minusculas) e tem várias. Concordo quando falam que as atrações dos outros anos foram melhores, também entendo o ponto de vista que foi publicado em torno dos patrocinadores.

  4. vale sempre lembrar: arte é pra chocar, tirar o espectador da zona de conforto: achei um pouco cagação de regra, mas de resto concordo com td, é meio triste se ver preso a somente essas opções de festivais gigantes com um monte de gente consolidada, enquanto mta gente boa q tem algo diferente a oferecer vai literalmente morrer tentando, cheguei a cogitar ir ao rir pq depois do line up meio desastroso do lolla, só sobraria esse evento p eu ver algumas bandas estrangeiras p variar um pouco, e ter a experiência de um encontro desses, gloria deus anunciaram a volta do sonar são Paulo esse ano, e ainda tem o meca e o popload, pra quem ta fora do eixo RJ e SP tá muito foda.

  5. Sobre o post, concordo em parte, pois qual a banda, movimento ou o artista que contesta algo hoje em dia? Vejo no Rap uma das poucas exceções…e festivais de Rip Hop são também segmentados (por razões diferentes das expostas sobre o Lolla).

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