OS DISCOS DA VIDA: TOM LEAO

Falar sobre Tom Leão pode levar algumas boas horas, tal seu histórico pro jornalismo cultural, então fiquei satisfeito quando ele mesmo resumiu seu perfil: “comentarista de cultura do programa Estúdio i / Globonews; editor do extinto Rio Fanzine, de O Globo; DJ antes da moda; e sempre atento”.

É claro que Tom Leão é bem mais do que isso, pra quem se acostumou, principalmente, a ler O Globo. Hoje, é possível vê-lo no programa da Globonews, Estúdio i, comandado por Maria Beltrão, falando sobre cultura pop, especialmente sobre música, cuja participação ilumina um tanto o sisudo canal a cabo (a ponto de vez por outra seus companheiros de programa simplesmente não entenderem do assunto em questão).

Que o acompanha no Twitter, vê o quão amplo é o seu farol de visão da cultura, falando de cinema, tevê, música… E ainda tem seu blogue, o Na Cova do Leão, atualizado na medida do possível.

A relevância dele pro jornalismo cultural está não só na folha corrida de serviços prestados há mais de duas décadas, mas na serenidade com que trata os assuntos, numa época em que blogues querem garimpar importância com suas opiniões febris, apaixonadas e partidárias. Ele escreveu pra Bizz e colaborou pra tantos veículos quanto foi possível – e eu sempre esbarrava com um texto seu.

Com tanta serenidade, não foram poucas as vezes que me questionei sobre o que ele ouvia em casa. Dava pra ter uma mísera ideia. Hoje, com essa edição de “Os Discos da Vida”, dá pra saber o que formou musicalmente Tom Leão. Seus dez “discos da vida” estão aí.

Fico feliz em saber que muitos deles poderiam estar numa lista minha também. A admiração aumentou. Tom, o crítico, já nasceu um leão de bom gosto.

TOM LEÃO

“Nos tempos sem Internet e acesso imediato a qualquer novo lançamento, como há nos dias atuais, o que me chamava atenção pra um disco era, além do som, claro, a capa na vitrine das lojas, algo que se perdeu hoje. Por isso, nesta lista, existem alguns discos que me chegaram assim, primeiro, pelo atrativo visual. Felizmente, eles me conquistaram também pelo som, foram importantes em minha formação musical e se tornaram clássicos, embora eu não tenha chegado até eles por qualquer tipo de influência externa, como crítica musical, por exemplo. Eles, por si só, me encantaram. Por isso, nem gostaria de listá-los em ordem de importância, mas vou seguir uma cronologia de como eles entraram em minha vida, do momento em que passei a comprar os meus próprios discos com meu próprio dinheiro (porque, lá em casa, com mãe beatlemaníaca e fã de rock britânico, eu já tinha todo o resto por osmose, até Black Sabbath), ok?”.

Kraftwerk – “The Man-Machine” (1978)
Este me chegou assim, sem aviso, ao dobrar a esquina. Simplesmente avistei a capa na vitrine da loja e logo fiquei curioso. Já ouvira falar em Kraftwerk, mas eu tomava por uma banda prog, som que nao curtia, pois era a música da galera mais velha. Aquela capa vermelha com aqueles tipos esquisitos enfileirados logo me conquistou. Ainda que fosse possível ouvir discos nas lojas, eu comprei sem hesitar, até pelos nomes das musicas (“Metropolis”, “The Robots”, “Spacelab”…), como fã de sci-fi desde sempre, não poderia ignorar aquilo. E, ao ouvir em casa, foi pura viagem. A partir daí, fui adquirindo os discos anteriores dos alemães e jamais fiz a distinção entre rock e música eletrônica. Agradeço isso a eles (que voltariam a mim, em loop, via Chemical Brothers).

Ouça “The Robots”:

Ramones – “It’s Alive!” (1979)
O primeiro disco do Clash (“The Clash”, 1977) me sacudiu bem mais do que o dos Sex Pistols, mas o primeirao disco de punk rock que ouvi, enquanto andava de skate na pista de Campo Grande (RJ), foi este dos Ramones. Era dia e noite, noite e dia, em fita cassete. o disco rodou na turma toda (era duplo import) e gerou umas cem cópias, como se fosse um P2P de hoje em dia (risos). a gente andava pelas ruas gritando “hey, ho, lets go!” que nem loucos. Pra mim, até afetivamente, é o live mais importante. Até porque, só fui ver Ramones ao vivo uns dez anos depois, em São Paulo. Um disco que fez pendant com este foi o “Plastic Sugery Disasters”, do Dead Kennedys (1982). Os skatistas do Rio ouviam mais bandas de punk rock americanas do que inglesas, naturalmente.

Ouça “Blitzkrieg Bop”:

Devo – “Q: Are We Not Men? A: We Are Devo” (1978)
Este foi outro disco que me ganhou pela capa, embora o Devo já fosse hype entre a turma de skatistas que eu frequentava, mesmo antes do disco chegar por aqui. Eles me lembraram o Kraftwerk, de certa forma, só que sob um aspecto punk. Foi um dos discos mais estranhos que já ouvira, aqueles arranjos tronchos, aquela versão suprema pra “Satisfaction”, dos Stones, aquela demência vocal, o nome do Brian Eno na produção… Era inevitável não gostar. Hoje, tenho toda a discografia do Devo original – discos comprados à medida em que foram saindo, importados -, pois os álbuns sempre vinham com altos encartes, e isso sempre me cativou. E cheguei a comprar o VHS do filme “The Men Who Make The Music”, mesmo antes de sequer ter um aparelho para tocá-lo!

Ouça “(I Can’t Get No) Satisfaction”:

The B-52’s – “The B-52’s” (1979)
Muito antes de a bandinha da Georgia (EUA) virar sinonimo de new wave por aqui, este era o disco mais tocado nas festinhas caseiras que eu frequentava ou atuava como DJ de improviso. Outra vez, o toque meio sci-fi me chamou a atenção (“Planet Claire”), além dos vocais dementes das meninas e da guitarra sensacional de Ricky Wilson. Ouvia esse disco back-to-back com o seguinte, “Wild Planet” (1980, olha o sci-fi B ai, de novo, “53 Miles West Of Venus”!), que chegaram quase que ao mesmo tempo por aqui. Tanto que, até hoje, sei onde estão os estalos e chiados de cada disco, de tanto que os ouvi e toquei, e ainda tenho a sequência deles na cabeça. Foi esse disco que me deu vontade de montar uma banda ou tocar guitarra. E fui sócio do fã-clube de Nova Iroque, ainda tenho a carteirinha.

Ouça “Planet Claire”:

The Cure – “Seventeen Seconds” (1980) e “Faith” (1981)
Vou computar estes dois discos como um só, pois foi assim que eles me chegaram, a partir de uma edição americana que botou os dois numa mesma capa, como se fosse um álbum duplo. E funcionou perfeitamente pra mim assim. E me levou pro que viria a ser o universo pós-punk, gótico, abrindo caminho para Siouxsie & The Banshees, Bauhaus e todo o resto. Meus dias e noites de depressão juvenil tiveram estes discos como trilha sonora. ouvia-os sozinho, no escuro, acompanhando as letras num libreto do Cure que havia comprado numa edição portuguesa. Tudo fazia sentido naquele momento e a voz e o look de Robert Smith eram perfeitos. Tanto que inspirou o visual repaginado do Sandman, de Neil Gaiman.

Ouça “Play For Today”:

Ouça “Primary”:

New Order – “1981-1982 EP” (1982)
Embora “Movement” tenha vindo antes, e sido aguardado com grande expectativa, por ser o primeiro disco do ex-Joy Division como New Order (mas que era puro JD), e o clássico “Power, Corruption & Lies” o tenha sucedido, foi este EP de cinco faixas, reunindo singles lançados no hiato entre um álbum e outro, que me fizeram companhia nas pistas de dança escuras do eixo Rio-SP, como frequentador ou como DJ, em clubes como Crepúsculo de Cubatão e Madame Satã. Era um tipo de eletrônica ainda meio tosca, até para os padrões dos antigos discos do kraftwerk, mas que indicava que o New Order que ia florescer nas pistas pouco depois com “Blue Monday”. É um de meus discos mais preciosos. Tanto que tenho duas cópias.

Ouça “Temptation” (N.E.: essa é a primeira versão da música, que é diferente da que saiu em “Substance”):

Legião Urbana – “Dois” (1986)
Ponte entre a fúria punk e a deprê gotica, este foi, talvez, o único álbum de uma banda nacional que ouvi com a mesma intensidade com que ouvia as bandas gringas (embora o EP “O Concreto Já Rachou”, da Plebe, também tenha batido forte nas rodas de pogo); as letras, o clima, os shows, o momento, tudo se encaixava no que eu estava vivenciando naquela época, sem mencionar que eu fazia parte da entourage carioca da Legião, estava em todos os shows, e vi aquele álbum se materializar mesmo antes de ser gravado, tendo até mesmo presenciado momentos que influenciariam algumas de suas letras. Renato Russo e a Legião foram as vozes de minha geração no rock brasileiro, com ou sem o envolvimento pessoal.

Ouça: “Daniel Na Cova Dos Leões”:

Pixies – “Surfer Rosa” (1988)
Por mais que eu ame o “Nevermind”, do Nirvana, e o “Siamese Dream”, do Smashing Pumpkins, eles não teriam existido – ou não seriam daquele jeito – sem este trabalho seminal do Pixies, com Steve Albini. Violento, louco, pesado, cru, com letras surreais, o contraponto vocal entre Frank Black e Kim Deal me lembrando um B-52’s demente, assustador. Ouvia que nem quem faz panqueca: pegava a bolacha e virava um lado e o outro, on and on, até furar, como se dizia no tempo das agulhas nos sulcos. Foi o disco que me trouxe de volta ao rock/punk visceral, depois de muitos anos nas trevas goth. O curioso é que comprei, primeiro, porque era da 4AD. Naqueles tempos, até a gravadora influenciava na compra de um disco.

Ouça “Where Is My Mind”:

Chemical Brothers – “Exit Planet Dust” (1995)
Alguma coisa havia mudado no mundo. Kurt morreu, o rock ficou corporate, o goth já era, o punk virou história. Mas, por alguma razão, aquele casal hippie (e eu abominava hippies) na capa do disco de ar retrô me chamou a atenção. Eu já conhecia a dupla Tom & Ed Chemical como Dust Brothers, tocava umas faixas deles em meus DJ sets. Mas, ali, naquele álbum, tudo fez sentido. Foi o cruzamento da geração rave com a psicodelia dos anos 60 (que eu nao vivi), um jeito bacana de ficar doido numa festa, sem bad trip. E eles tinham aquilo que o Kraftwerk me ensinou: a pegada rock, mesmo sem guitarras. Além do mais, o som do disco é sensacional. O Prodigy já existia, mas ainda não havia lançado seu álbum definitivo, “Fat Of The Land”. Já os manos químicos lançaram uma série de bons discos e singles. E continuam.

Ouça “Life Is Sweet”:

Arcade Fire – “Funeral” (2004)
O rock meio que morreu pra mim quando o grunge acabou, no rastro do suicidio de Cobain. E o emo foi a prova disso. Então, mergulhei com tudo na eletrônica e fiquei nessa uns bons dez anos (Moby, Underworld, Daft Punk, Chem Bros etc), eventualmente, prestando atenção em discos inevitáveis de bons do britrock – como “Parklife”, do Blur, “Vanishing Point”, do Primal Scream, e o magnífico “Different Class”, do Pulp (que bem poderiam constar dessa lista em parágrafos à parte, porque são essenciais, mas estão no meu top ten dos 90s). Mas foram os texanos do Canadá que me fizeram, mais recentemente, ter o prazer renovado de ler todas as letras de um disco e imaginar uma história na cabeça e cantar junto, como antes. Porque eles surgiram num momento em que eu já não dava mais nada por nada. E reacenderam a centelha. Desde então, estou esperando este momento se repetir… De todos os citados aqui, este foi o único que me chegou primeiro por download, e depois comprei o CD original. Os demais, foram todos vinis originais, comprados na época.

Ouça “Rebellion (Lies)”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: The Cleaners”.

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Comentários

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4 comentários

  1. Assisto frequentemente ao programa Estúdio i da Globo News e acho muito interessante os comentários do jornalista Tom Leão – ao que se refere ao que acontece no mundo musical no Brasil e no exterior.
    Grande abraço,
    Alberto Dias
    Estúdio RDP-100% Sucesso
    Brasília-DF

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