A MÁQUINA DE INFINITAS CÓPIAS E O ARGUMENTO FALHO DA INDÚSTRIA

Imagine um dispositivo que consiga fazer cem cópias de uma música por segundo (8,64 milhões de cópias por dia). Esse dispositivo certamente teria um impacto bastante negativo pros negócios da indústria musical.

Bem, não é isso que acredita o inventor de tal aparelhinho, Peter Sunde.

Ele criou o Kopimashin, que tem a capacidade de criar cem cópias da música “Crazy”, de Gnaris Barkley, por segundo. Seis mil por minuto. Trezentas e sessenta mil por hora. Oito milhões, seiscentas e quarenta mil por dia.

O aparelho é bem simples: ele tem um monitor em led, que mostra o número de cópias realizadas e o “prejuízo” que a indústria musical teria com tais cópias.

A base dessa loucura pode se explicada se a gente retornar alguns anos na história.

Em 2012, Sunde estava no topo da lista das pessoas mais procuradas pela Interpol. Seu crime: foi um dos fundadores – e era o porta-voz – do site de torrents The Pirate Bay.

Em 2014, foi preso e condenado na Suécia pelos seus crimes contra a propriedade intelectual. A sentença inicial foi de um ano de cadeia, mais uma multa de algo próximo a cinco milhões de dólares. Ele apelou. Seu tempo na prisão foi reduzido a cinco meses, mas a multa subiu pra inacreditáveis sete milhões de dólares.

O argumento da indústria é que essa grana serviria pra pagar custos do processo e ressarcir os prejuízos causados pelo The Pirate Bay.

Durante os cinco meses na cadeia, Sunde pensou em como era absurda tal condenação – o encarceramento e, principalmente, a multa.

Ao ser solto, em novembro de 2014, ele disse: “meu corpo finalmente se reuniu com a mente e a alma, que foram as minhas únicas partes que não puderam ser encarceradas”. Mente e alma livres, ele pôde bolar muitas ideias, dentre elas o Kopimashin.


Peter Sunde

A ideia absurda do dispositivo é justamente mostrar a loucura do argumento da indústria musical, de simplesmente colocar um preço na criação de alguém: “quero mostrar o quão absurdo é o processo de colocar valor a uma cópia (de música). A máquina é bem clara sobre o fato de que copiar não é um perigo a qualquer indústria”.

Ele quer mostrar que o argumento da indústria é falho. Se cada cópia de “Crazy” custa US$ 1,25 no iTunes (já custa US$ 1,29), então, em um dia, ao realizar mais de oito milhões e meio de cópias, o Kopimashin teria dado um prejuízo à indústria de US$ 10.800.000,00 (quase onze milhões de dólares). Em um mês, seriam US$ 324.000.000,00 (trezentos e vinte e quatro milhões de dólares). Em um ano, a indústria musical teria que declarar falência. Mas sabemos que não é o que acontecerá.

“O objetivo da Kopimashin é fazer a música mais copiada do mundo enquanto leva à falência a indústria musical”, brinca o site oficial.

A suposta infantilidade do argumento de Sunde expôs uma lógica incômoda: essas cópias que as pessoas produzem e trocam em seus computadores não são prejuízo (tanto quanto não eram as fitas cassete nos anos 1980) simplesmente porque não são cópias que foram produzidas e então “roubadas” de uma prateleira de supermercado. Elas são, no máximo, “compartilhadas”. Mas sendo essa lógica também discutível, o mais importante é mostrar que US$ 1,25 (ou qualquer valor) é um preço “de marcado” e não “real”.

“Quero mostrar o absurdo do processo de dar valor a uma cópia de algo. Se seguirmos a retórica deles, isto poderia levá-los à falência, mas este dispositivo mostra claramente que não é uma ameaça à indústria. Antes mostra, através de um exemplo físico, que colocar um preço numa cópia é algo fútil e inútil”, disse em entrevista a um site sueco.

Por esse argumento, então, como a indústria chegou à soma de sete milhões de dólares de multa como “ressarcimento” e não como “indenização” (por danos, vai lá, “morais”)? Não poderiam ser trezentos milhões de dólares? Ou mesmo apenas dez dólares?

O argumento da indústria não é de “proteger a propriedade intelectual” – essa prerrogativa é dos artistas. Ela quer proteger seu “direito comercial” – e isso é bem variável de país pra país e até mesmo de pessoa pra pessoa.

Sunde diz que a Kopimashin realmente realiza o que promete: faz as milhões de cópias diárias, ininterruptamente, mas os arquivos não são guardados, eles são temporários, de modo que duram apenas um pequeno espaço de tempo dentro da própria máquina e então são apagados. Mesmo assim, pelos olhos da indústria, nesse pequeno espaço de tempo, cometeu-se um crime e ela teve “prejuízo”.

O seu caso jurídico, ele crê, é exemplar. Ele foi preso junto com outras três pessoas (Gottfrid Svartholm Warg, outro co-fundador do The Pirate Bay, foi sentenciado a três anos e meio de prisão) e apesar de quase ninguém até hoje preso por “piratear música” pegar mais do que alguns meses de prisão (seja na Alemanha, nos Esteites, na Inglaterra ou na Suécia), as multas são exorbitantes. O intuito é justamente assustar as pessoas, pegá-las tremendo pelo bolso.

Sunde não pretende fabricar muitas Kopimashin. Só treze. Quer exibir as máquinas em galerias de arte em tecnologia e, quem sabe, vender uma ou outra pra levantar fundos pra multa que ainda deve.

Ele pode argumentar como for, mas a indústria parece estar vencendo de lavada essa batalha.

Tanto que o Soundcloud, outro grande site de compartilhamento, anunciou na quinta-feira, 14 de janeiro de 2016, um mega acordo com a Universal Music Group, a maior das grandes corporações musicais, pra liberar músicas de seu elenco pro site. O Soundcloud pagou uma grana à Universal, e ainda vai dividir receitas de publicidade (são 175 milhões de usuários mensais na plataforma free – ou seja, com exibição de anúncios). Na prática, a Universal, que retirou da Justiça o processo bilionário contra a plataforma, virou “sócia” do Soundcloud. Das três grandes, só a Sony ainda mantém processo e não assinou nenhuma acordo com o site.

Com tentáculos no Soundcloud, no YouTube (a Vevo, por exemplo, é da Universal), na Amazon, nos serviços de streaming, no Shazaam e no iTunes, a indústria mostra que apanhou, sucumbiu numa batalha ou outra, mas não perdeu a guerra. Está pronta pro que der e vier. Até mesmo pra enfrentar de ombros um geniozinho como Sunde, que mostrou que os argumentos da indústria são falhos.

E daí?

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