CÁSSIO FIGUEIREDO – EXPURGO

“Expurgo tem a ver com depuração, catarse; acho que é um aspecto que circunda minha ideia de criação desde o começo, mas nesse (disco) em específico eu quis resgatar algumas memórias (não aleatoriamente, mas também não de uma forma linear) e transfigurá-las, nomeá-las e tentar me aproximar, no exercício contínuo de produção (composição, reaudição) de alguma espécie de expurgo de mim mesmo, e de ressignificação dessas memórias”.

Cássio Figueiredo lança “Expurgo” seis meses depois de “Presença” (leia e ouça aqui). É um trabalho de continuação, de reajuste das memórias. Enquanto em “Presença” o autor era um espectro a observar o redor, alguém coadjuvante, aqui são as memórias e os resquícios dele mesmo que assumem o protagonismo. É mais errático e denso.

“‘Expurgo’ assume, na minha visão, um caráter menos contido e sutil que o que tem o ‘Presença’. No texto que divulguei assim que o álbum saiu, recomendo a audição em volume alto, em contraposição ao que imaginei pra audição do ‘Presença’. Acho que existe uma densidade maior tanto sonora quanto simbólica”, diz.

Cássio organizou fragmentos de peças esquecidos na memória do computador. Pra quem produz com certa frequência, desde 2014 – “Expurgo” é o quinto disco -, muitos resquícios devem ter ficado pelo caminho. A tarefa de dar um sentido a tudo e criar uma identidade não foi fácil. Foi uma busca pra entender a própria essência da criação: “a dificuldade ficou em onde escolher parar de trabalhar com os sons, quando decidir deixar como está. Gravei, como de costume, tudo em casa. A matéria-bruta dos sons eu vinha gravando desde novembro de 2015. Acho que eu nunca soube onde queria chegar com isso. Pra mim é impossível saber ou mesmo projetar um resultado final enquanto se produz ou compõe. Prova disso foi a escolha do J-p Caron (músico e homem do Seminal Records, selo que lança ‘Expurgo’) de agregar a tag “sadcore abstrato” num álbum que, no início de tudo, eu imaginava que seriam bem mais visíveis elementos de HNW (harsh noise wall), e que acabou não apresentando quase nenhum. Eu vejo o processo de criação como uma lida entre quem cria e as forças envolvidas que fogem do controle de quem cria. Um projeto minuciosamente arquitetado onde não há contingência nenhuma pra mim não é muito interessante”.

Esse é o primeiro trabalho de Figueiredo que sai pela Seminal Records (conheça tudo aqui), um dos mais importantes selos do país, empenhado na documentação e lançamento da MTB. O lançamento é de 6 de julho de 2016.

Ouça na íntegra:

Não é um trabalho de fácil acesso. Cássio já está escolado em como sua obra é percebida pelo receptor: “eu não sei se gostaria de alguma reação específica (quando alguém ouve o disco). Normalmente a reação que se espera em relação a aproximação emocional é algum tipo de identificação. Esse aspecto, pelo menos no que eu entendi do álbum até agora, tem vários obstáculos pra existir nele com outras pessoas. Mas a recepção foge bastante de controle, e as diferenças que brotam são a parte interessante dela”.

“Repetindo, Repetindo…” é uma música-símbolo do disco. Nela, Cássio se utiliza mais do recurso de loop, como uma música de um som só, que dá uma certa vertigem, o resultado de todas as memórias que voltam, como remetendo a um “túnel do tempo”… “Os Cheiros Das Épocas E Os Lençóis Que Me Cobriam Eu Chamava De Atmosfera” causa o mesmo efeito.

Em outras, é a guitarra que assume a linha de frente. Temas como “Entortando, Entortando…” e “Ainda Não Me Veio Nada Em Mente” chegam a acariciar o caminho percorrido pelo espectro do My Bloody Valentine – não é shoegaze, mas algo como harshgaze. Mas não só: que há uma certa variedade aqui, mais do que em outros discos.

Cássio ainda tem muita história pra contar: “as memórias, elas sempre vão haver. A revisitação delas e a produção de outras são processos que ocorrem ao mesmo tempo, misturados e às vezes sem dar a possibilidade de distinguir um do outro. Na minha visão, de alguma forma isso sempre se agarra na criação sonora (e talvez na de qualquer espécie), tematizada na obra ou não”.

“Expurgo” é só um acontecimento no caminho – ele também produziu memórias. O que Cássio fará com isso é pra se aguardar.

01. Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 Dia 5 Dia 23 Dia 27 Dia 29 E Nenhum Deles Significa Nada
02. Ilha De Paquetá
03. Vou Gravar Um cover Do Codeine
04. Entortando, Entortando, Entortando, Maquiando O Composto, Desviando Da Ilha
05. Rua São João De Frente Pro Terminal
06. Os Cheiros Das Épocas E Os Lençóis Que Me Cobriam Eu Chamava De Atmosfera
07. Repetindo Repetindo Repetindo Repetindo Um Novo Começo Um Novo Conflito Um Novo Fim Sem Números
08. Ainda Não Me Veio Nada Em Mente
09. Responsável Pelo Tremor, O Corpo Desiste
10. Tem Sempre Uma Praia Perto De Uma Montanha E Eu Não Conheço Ninguém; Os Cômodos E Os Andares Escondem Coisas Que Me Dão Tremores

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.