DEPECHE MODE EM SÃO PAULO – COMO FOI

No país que caminha a passos largos pro atraso, com grupelhos fascistas fazendo barulho e preocupando quem tem mínimo apreço pela democracia, ver o Depeche Mode ao vivo é um momento de perceber que, às vezes, o olhar pro passado não é um negócio ruim, basicamente porque o passado nos faz aprender e precaver erros do presente.

O Depeche Mode é uma banda “do passado”, com muitos sucessos que ainda estão guardados na mente de quem tem quarenta, cinquenta anos hoje, e também é uma bandaça do presente, com discos relevantes, como o mais recente, “Spirit”, de 2017 (leia aqui), que dá nome à turnê que chegou ao Brasil, ao Allianz Parque, em São Paulo, nesse 27 de março de 2018. É uma banda de ontem e de hoje. Uma banda que olha pro passado sem nostalgia – olha pra se renovar.

As duas horas de espetáculo em São Paulo, com vinte músicas apresentadas, tiveram um equilíbrio entre esse passado e presente. Cinco músicas são de discos lançados no atual século: “Going Backwards”, “Cover Me” e “Where’s The Revolution” (do “Spirit”); e “A Pain That I’m Used To” e “Precious” (do “Playing The Angel”, de 2005). Dez vieram dos anos 1990, sendo cinco do “Ultra”, de 1997. E outras cinco, dos anos 1980.

Mais do que isso, Dave Grahan, o vocalista incansável, que sua litros e precisa realmente de uma boa quantidade de toalhas brancas, deve olhar pro passado com certo orgulho de ter ultrapassado uma fase bem complicada. Há vinte e quatro anos, em 1994, quando o Depeche Mode fez sua única visita ao Brasil, Grahan estava atolado no vício de heroína e não era nem uma unha do atlético showman de hoje.

Grahan agora é um cara que não para um só minuto. Ele rebola, pula, canta, grita, gira, dança, corre e raramente descansa. Nesses raros momentos, quem assume é Martin Gore, que impressiona cantando em “Insight” e na versão só ao piano de “Strangelove”.

O Depeche Mode, por sua vez, se mostra mais vigoroso. A banda é “pesada” (esse termo é cruel, eu sei), negando qualquer possibilidade de fragilidade que o synthpop ameaça ao vivo. E talvez essa seja a palavra que define o show dessa noite: vigoroso. Baixo, guitarra, teclas e uma bateria trucidante elevam o Depeche Mode ao ápice das megabandas ao vivo, com seu megapalco e seus megatelões e megahits.

Visualmente, o show é simples: luzes e vídeos dão cor e sincronia. O som é perfeito e quando a plateia inteira canta “Enjoy The Silence”, isso poderia ser feito sem banda alguma, com os integrantes todos numa poltrona observando aquela gente dar vida à sua criação (tirada do “Violator”, talvez o mais perfeito álbum do Depeche Mode), ecoando numa caixa acústica que cristaliza o momento. Estávamos na parte final do show, mas havia a sensação que se o grupo tocasse mais duas horas ninguém se incomodaria – e havia repertório pra isso.

O que se viu foi uma perfeita ilusão. Ilusão de que não vivemos mais num mundo em que o passado nos assombra, nos empurrando pra um futuro sinistro, onde manipulações de dados, direitos, estilos de vida pelos donos do dinheiro (1% da população mundial se acha nesse direito) são a regra e que há um batalhão de pessoas que estão longe de pertencer a esse 1% ecoa o discurso da estupidez retrógrada.

Nessa ilusão, aquela banda que nasceu nos conturbados anos 1980, com teclados cintilando como o “futuro da música pop”, deu lugar a uma banda reinventada, com força, peso e nenhuma pretensão a não ser a de se manter ativa e relevante. Ela olha pro passado buscando o futuro, a atualidade (atualização), enquanto por aqui, após acesas as luzes, encaramos o futuro buscando o atraso. Só cabe a nós não permitir.

O ponto negativo foi a irresponsável configuração do palco, ocupando apenas metade do gramado do Allianz Parque. Segundo a produção, vinte e cinco mil pessoas estiveram na plateia (ingressos todos vendidos), mas só as das arquibancadas não foram maltratadas por essa insanidade. Porque na pista, o aperto era descabido, com muita gente passando mal (não só por bebidas, mas pela mistura de calor, chuva e falta de ar).

Deve haver uma explicação técnica pra essa configuração. Só isso pra amenizar a total falta de conforto oferecida a quem pagou caro por um ingresso (de R$ 240,00 a R$ 460,00).

01. Going Backwards
02. It’s No Good
03. Barrel Of A Gun
04. A Pain That I’m Used To
05. Useless
06. Precious
07. World In My Eyes
08. Cover Me
09. Insight (acústica)
10. Home
11. In Your Room
12. Where’s The Revolution
13. Everything Counts
14. Stripped
15. Enjoy The Silence
16. Never Let Me Down Again

BIS
17. Strangelove (ao teclado)
18. Walking In My Shoes
19. A Question Of Time 5
20. Personal Jesus

Foto que abre o artigo: Flavio Moraes/UOL

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