ENGRENAGEM #15: DAVID LYNCH & ALAN R. SPLET – ERASERHEAD ORIGINAL SOUNDTRACK

No dia 7 de agosto de 2012, foi relançado pelo selo nova-iorquino Sacred Bones, em edição luxuosa, a trilha sonora desse clássico cult das sessões midnight movie do final dos anos 70. Pra grande maioria que conheço, “Eraserhead” é um saco. Mas eu gosto muito, e a reação normal desse pessoal, pela falta de bons argumentos, é se defender dizendo que eu sou do contra, mas, enfim…

O filme tem uma atmosfera sufocante que me marcou, acho um verdadeiro clássico do cinema, tanto quanto “Texas Chainsaw Massacre” (o de 74, não as continuações e as bobeiras mais atuais), que recordei aqui por ser outro a ter uma atmosfera sufocante, bela direção e trilha sonora absurda! Só que enquanto “Texas Chainsaw Massacre” é desesperador, urgente e te faz roer unhas. “Eraserhead” trabalha de forma oposta, construindo os climas lentamente do inicio ao fim, de forma minuciosa. Por motivos variados, que devem incluir dinheiro e a minuciosidade em questão, o filme demorou cerca de cinco anos pra ficar pronto.

Como essa coluna não é sobre cinema, vou retomar o foco.

Um dos pontos mais marcantes nesse filme (e em quase todos os filmes que gosto) é o que torna possível ser absorvido por ele, a trilha sonora. O próprio David Lynch desenvolveu a de “Eraserhead” junto com o sound designer Alan R. Splet, e o resultado é espetacular.

Diversos samplers de Fats Weller tocando orgão são imersos em inúmeras experimentações sonoras que visam criar o clima do “mundo industrial” habitado pelo personagem do filme. A gravação antiga do orgão traz aquela atmosfera particular, que acaba transformando a alegria com que o instrumento é tocado em algo fantasmagórico e nostálgico, como fotos antigas de halloween – essa parece ser a intensão do brilhante James Kirby em projetos como o Caretaker. O caminho tomado pela trilha é o de explicitar ainda mais esse caráter, construindo um mundo de sons pra que tanto o órgão quantos os personagens habitem uma estranha comunhão. A inclusão de falas e diálogos do filme em meio as músicas torna ainda mais rica a viagem perceptiva.

Os samplers de Fats Weller não são uma constante. Eles aparecem em momentos-chave da trilha, às vezes mais ao fundo que outras. Os barulhos e ambiências, todos alcançados de forma rudimentar pelo que li em entrevistas com o Lynch e Splet (essa com splet é bem bacana) são o prato principal, e as timbragens alcançadas não perdem em nada pra sonoridade tirada por grupos e artistas que produzem drone e ambient atualmente. A edição também é um destaque. Splet, em entrevista, afirma que não há sintetizadores ali, só samplers e sons produzidos por eles, processados e editados.

Lynch fala numa entrevista recente ao Pitchfork sobre uma das formas em que ele e Splet desenvolveram pra criar algo próximo a uma unidade de reverb com o que tinham em mãos, pois, na época, não tinham acesso ao equipamento apropriado – Splet conta a mesma história na entrevista citada acima. Eles gravaram um assobio através de um duto de alumínio, e foram regravando o resultado diversas vezes até conseguir o reverb grandioso que precisavam. Outra história interessante na entrevista com Lynch é sobre os sons produzidos com a combinação de uma banheira cheia e um galão de água com um microfone dentro.

A trilha sonora ficou mais conhecida por um momento, que digamos ser uma epifania. O momento cantado na faixa “In Heaven (The Girl Of The Radiator)”, que já ganhou inúmeros coveres de gente como Bauhaus, Devo, Faith No More etc. Na nova edição deluxe, o trecho veio como uma faixa numa versão retirada das fitas originais de gravação num 7″ dedicado à Peter Ivers, cantor e compositor da canção que contém a letra simples e singela de Lynch. O 7″ ainda vem com ums faixa bônus inédita gravada durante as seções de gravação de Ivers para a trilha.

Além de ainda permanecer atual até os dias de hoje é mais do que correto atribuir a esse disco o status de clássico do early-industrial e do drone. É um disco que com certeza foi muito influente, assim como o próprio filme pra visão pós-apocaliptica e revolucionária em diversos âmbitos da arte. Feito com todas as dificuldades da época e ainda assim muitíssimo bem elaborado, esse é um daqueles grandes registros pra se deixar levar numa madrugada silenciosa, e tem impacto tanto dentro como fora do filme.

Ouça na íntegra:

Um pouco mais:

1 – Bem, como citei “Texas Chainsaw Massacre” no texto e nunca foi lançado um registro oficial de sua trilha sonora por motivos que você pode conferir aqui, vale a pena ouvir o que você conseguir achar pela Internet. Mais uma trilha com ambiências compostas e executadas pelo próprio realizador do filme, Tobe Hopper, que junto a Wayne Bell, utiliza dos mais diversos instrumentos de percussão e sintetizadores pra te levar ainda mais fundo na atmosfera inquietante do filme. A trilha ainda intercala músicas folk/country de alguns texanos desconhecidos na época, como a ótima “Fool For A Blond”, do Roger Bartlett And Friends. É uma pena não ser possivel aparecer um CD oficial disso.

2 – Vale a pena uma lida na entrevista com o David Lynch sobre a trilha no Pitchfork.

1. Exerpts From: Digah’s Stomp/Lenox Avenue Blues/Stompin’ the Bug/Messin’ (19’29”)
2. In Heaven (Lady In The Radiator Song) (18’18”)

Data de lançamento (filme): 19 de março de 1977
Data de lançamento (trilha): 30 de abril de 1982
Gravadora: I.R.S. Records
Produtor: David Lynch e Alan R. Splet
Tempo total: 37 minutos e 47 segundos

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