ENTREVISTA: MALCONTENT – FALANDO A MESMA LÍNGUA

Teve porrada e repressão sangrenta, com a assinatura da ditadura salazarista (1933-1974), antes do estouro do rock em Portugal, no final dos 70. Algo parecido com o que aconteceu também no Brasil, quando a música jovem ganhou força nos estertores do regime militar, no início dos 80. Mas além da repressão e do idioma, a careta pra quem escolheu o inglês e referências inglesas e americanas também une os dois cenários. A análise vem de um português natural do Porto, guitarra e voz do trio MALCONTENT, que já provou o sabor das críticas que cutucam gente como ele. Que preferiu os toques dos irmãos Reid, do Jesus & Mary Chain, à arte dos conterrâneos Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Ornatos Violeta e semelhantes.

Mas Sérgio Costa não é nenhum garoto (além dele, a banda tem Filipe Pereira na bateria e o recém-empossado Jorge Oliveira no baixo). Os cabelos já ganham tons de prata, e ele, voz e guitarra do trio, aprendeu bem ao longo do tempo que a defesa do idioma e da cultura locais não se dão exclusivamente na música cantada em português e (no caso deles, portugueses) com citações do fado e outras tradições lusas. “Há uma valorização excessiva do rock que adiciona elementos da música tradicional portuguesa e cantado em português”, reclama, em conversa com o Floga-se.

O primeiro álbum, “Love The Gun” (2009), independente, foi lá no “Honey’s Dead”, do JAMC, um dos grandes álbuns dos anos 90. E definiu quem é o Malcontent: guitarras motosserra, tremolos e vozes sonolentas – em inglês. Próximo de lançar o segundo full lengh (um EP, “Erased”, saiu em 2012), Sérgio derruba o discurso de quem, assim como acontece no Brasil, condena portugueses cantando em outro idioma. “Não é pelo simples facto de cantar em inglês que vou contribuir pra destruição do português. A língua valoriza-se no incremento das relações culturais e até comerciais entre países que partilham o mesmo idioma”, filosofa, antes de emendar numa reclamação sobre a dificuldade de comprar livros de autores brasileiros em livrarias portuguesas, o que prova que não há, de fato, relação cultural entre os países. “Isso é defender a língua? Esta entrevista faz mais por isso do que qualquer governo ou qualquer acordo ortográfico sem sentido”.

Floga-se: Fale um pouco sobre o seu primeiro contato com música. Você se lembra dos primeiros discos que ouviu, ainda na infância ou adolescência, e qual sua reação diante do que ouviu?

Sergio Costa: Os anos 80 em Portugal foram momentos de grande fervor, de experimentação de liberdades. O país havia saído de uma ditadura de mais de 40 anos com liberdades restringidas onde nada chegava a Portugal. Por isso, no final dos anos 70 e na década de 80, muita coisa era novidade e o que chegava do exterior era encarado como algo fantástico. A meio da década de 80, quando comecei verdadeiramente a “consumir” música, havia dois grupos distintos: os que ouviam o pop comercial, pras massas, e os adeptos da então chamada música alternativa. Sempre estive incluído no segundo grupo e o disco que mais me marcou (e continua a ser a minha grande referência) foi o “Psychocandy”, do Jesus & Mary Chain. É um disco único, inigualável. Era sem dúvida a banda sonora ideal para adolescentes que pretendiam marcar a diferença, que não se reviam numa cultura imposta. Assinalo igualmente o “Honey’s Dead”, do JAMC, que é talvez o trabalho mais elaborado dos irmãos Reid. Discos como “Unknown Pleasures”, do Joy Division; “Isn’t Anything”, do MBV – e mais tarde o “Loveless”, fundamental; “Going Blank Again”, do Ride; “Surfer Rosa”, dos Pixies; “Sister”, do Sonic Youth; “The Velvet Underground And Nico” e outros mais obscuros, como “Tanz Debil”, do Einsturzende Neubauten, foram muito importantes. Não posso falar de todos… nunca mais saía daqui.

F-se: O auge do rock no Brasil aconteceu durante os anos 80. Em Portugal, me parece que também aconteceu nos anos 80, talvez um pouco antes, no fim dos anos 70. Como esse boom do rock feito em Portugal te influenciou e te fez pensar em estar em uma banda?

SC: Devo confessar que a cena internacional teve muito mais influência nos meus gostos e na vontade de formar uma banda do que as bandas portuguesas. Agora, é verdade que o boom do rock português transformou a forma como o público percepciona a música produzida em Portugal.

F-se: Das bandas portuguesas que criaram os fundamentos pro rock feito em Portugal, quais serviram de referências pra você e pro trabalho com o Malcontent? Quais ainda são influências?

SC: Como já referi, foram sobretudo bandas internacionais do universo noise/shoegaze que mais me influenciaram. Contudo gostaria de sublinhar a carreira do Mão Morta. Uma banda portuguesa com som único, muito inspirada em Swans e que tem um culto impressionante em Portugal. Foi talvez a banda mais provocadora no país, quer na mensagem, quer na sonoridade. Influenciou sobretudo pela vontade de romper com o status quo. Foi sempre uma banda à margem, que soube conquistar muito espaço. Pode não ser fácil escutar à primeira… mas fica o convite.

F-se: Antes do Malcontent, vocês estavam em outras bandas? Se sim, como foram as experiências anteriores?

SC: Apenas em projetos menores, sem expressão. Mas eram tempos divertidos e que contribuíram pra ganhar alguma experiência e partir para projetos mais maduros.

F-se: Como é fazer noise rock em Portugal? Imagino que adotar esse tipo de som restrinja de alguma maneira a banda a uma determinada cena, e imagino também que isso não seja necessariamente uma preocupação pra vocês. Mas você acredita ser possível chegar a outros patamares, dentro do cenário do rock português? Acha que o próximo álbum pode ajudar em uma eventual escalada no reconhecimento por parte da crítica e do público?

SC: É difícil responder. O mercado português é pequeno e só um grupo muito restrito de músicos consegue evidenciar-se no que diz respeito a vendas. Naturalmente que ambicionamos chegar a um patamar mais elevado e acredito que o novo álbum pode ser um marco nesse sentido, mas tudo deverá passar por um novo esforço promocional. Se o noise rock restringe? Talvez, mas de fato não nos preocupa. É o que pretendemos fazer, canções recheadas de poeira sônica. Não abdicamos dos nossos gostos, da nossa forma de ser. Deve ser frustrante alguém mudar pra alcançar o reconhecimento. São as pessoas que devem ir ao encontro do nosso som, se assim o desejarem, não somos nós que temos de moldar o som e a estética à vontade e dos gostos da maioria. Esse é o grande erro de muitas bandas. O mesmo se aplica no sentido inverso… Passo a explicar: Somos uma banda de canções sônicas e apesar de apreciar muito a nova onda de psicadelismo, seria um erro começar a construir temas repetitivos de dez minutos e pulverizados de noise incoerente. Não mudamos radicalmente ao som das modas. Experimentamos novos caminhos, é certo, mas o nosso desejo é construir grande canções guarnecidas com muito ruído.

F-se: Que bandas semelhantes ao som dos Malcontent existem em Portugal atualmente?

SC: Sinceramente, não vejo nenhuma semelhante.

Ouça “Gon On” (do “Love The Gun”):

Esta entrevista faz mais pela língua portuguesa do que qualquer governo ou acordo ortográfico

F-se: Nos anos 90, quando muitas bandas brasileiras nasceram cantando em inglês e reproduzindo, primeiramente, o som das bandas inglesas do shoegaze e do noisepop e, depois, das americanas do grunge, parte da crítica questionou o fato dessas mesmas bandas deixarem de lado elementos da música brasileira – o mangue beat do Chico Science trouxe alguns desses elementos brasileiros ao rock. Imagino que algo semelhante deve ter acontecido em Portugal com bandas que, como vocês, olhavam mais para o Jesus & Mary Chain, o MBV e outras do que pros nomes da música portuguesa. Já tiveram de enfrentar esse tipo de crítica?

SC: É recorrente esse tipo de crítica, sobretudo de meios mais conservadores e de certa forma estabelecidos na indústria. Somos completamente imunes a essa crítica. Noto contudo que há uma valorização excessiva do rock que adiciona elementos da música tradicional portuguesa e cantado em português. Não me revejo nesse som. De resto, não consigo compreender essa pretensa defesa da língua portuguesa. Não é pelo simples fato de cantar em inglês que vou contribuir pra destruição do português. A língua valoriza-se no incremento das relações culturais e até comerciais entre países que partilham o mesmo idioma, o que não acontece entre nós. Acredito que há muita música brasileira de qualidade que não chega a Portugal e vice-versa. O mesmo acontece na literatura. Não faz sentido eu pretender adquirir obras de autores brasileiros e ter que recorrer à Internet, contatar livrarias brasileiras e pagar custos adicionais pra receber o livro (já me aconteceu inúmeras vezes). A literatura e música brasileiras não chegam cá e vice-versa. Não existe relação cultural. Isso é defender a língua? Esta entrevista faz mais por isso do que qualquer governo ou qualquer acordo ortográfico sem sentido.

F-se: Peculiar sua visão sobre a verdadeira valorização da língua portuguesa, sobre o incremento das relações culturais e comerciais, o que de fato parece não acontecer. E tentativas como o ano do Brasil em Portugal, no período 2012/2013, parecem que não surtiram o efeito desejado, conforme você pode observar por estar aí. Assim como a versão do ano português no Brasil não nos trouxe mais informações sobre a cultura do país que nos colonizou, e a visão geral que se tem no Brasil sobre Portugal é a mesma que se tem há décadas. Como você imagina ser possível estabelecer essas conexões culturais entre os dois países apesar da distância geográfica? De que modo você imagina que a música independente, com as conexões que cria de maneira espontânea desde a popularização da Internet, pode estabelecer pontes entre os países? Que tipo de comportamento você identifica na cultura portuguesa atual que impede que essa conexão seja como uma via de mão dupla em funcionamento constante, a ponto de impedir, por exemplo, que você consiga encontrar um livro de um autor brasileiro, de mesmo idioma, em uma livraria portuguesa? (O que acontece aqui também – no Brasil, os autores portugueses encontrados nas livrarias são os clássicos: Camões, Fernando Pessoa, Gil Vicente, José Saramago, e raramente a obra de algum autor contemporâneo perdido em alguma livraria especializada). E uma curiosidade: qual o livro de autor brasileiro que você não encontrou aí e teve de recorrer a uma livraria brasileira?

SC: Vários livros tive de encomendar diretamente do Brasil. Desde logo algumas obras de Nelson Rodrigues, como “A Vida Como Ela É”. Independentemente da leitura política que se possa fazer das suas palavras, considero Nelson Rodrigues um dos maiores génios da língua portuguesa do século XX. Um provocador, um génio. Outra obra que só obtive directamente de livrarias brasileiras foi “Inveja”, de Zuenir Ventura, um dos livros mais fascinantes que li nos últimos tempos. Tudo isto pra além de literatura específica sobre o período da ditadura militar brasileira e da luta armada. É surpreendente o fato de muitos portugueses, que viveram em ditadura e não só, desconhecerem os anos de chumbo do Brasil, esse período tão dramático. Esse desconhecimento da realidade brasileira, e vice-versa, resulta justamente de um incompreensível distanciamento político e cultural. A aposta nas relações culturais entre os dois países deveria ser uma prioridade pros governos brasileiro e português. No entanto, as ações desenvolvidas não passam de pequenas gotas do oceano que nos separa. É neste quadro que o contato entre pessoas com interesses comuns assume um papel de grande relevo na defesa da cultura e da própria língua. As novas tecnologias permitem ultrapassar a enorme barreira geográfica com a criação de fóruns – de música independente, por exemplo, e mais uma vez sublinho a importância de entrevistas como esta – potenciando a partilha de conhecimentos, da própria cultura. É possível criar esse movimento que já deveria existir. É também necessário ultrapassar alguns preconceitos que subsistem dos dois lados e acabar com a ideia ridícula de que o Brasil se resume a samba e futebol e que Portugal é só fado.

F-se: Na biografia de vocês, que consta no site, vocês dizem que o álbum de estreia, “Love The Gun”, conseguiu execução em rádios de Portugal. Me parece que há espaço pra esse tipo de som, menos comercial e firmado no barulho das guitarras, nas rádios portuguesas, ao contrário do que acontece no Brasil. Qual o retorno que tiveram a partir da execução do álbum em rádios e qual música mais tocou?

SC: Claro que há espaço. Há muitos apaixonados pelo noise em Portugal e isso não se projeta necessariamente nos tops. No início, ainda antes do lançamento do álbum, o single promocional “Aggressive” foi o mais rodado. Com o lançamento do “Love The Gun”, começaram a rodar sobretudo os temas “Happy Fall” e “Your Love Is An Empty Place”. Apesar do ruído incessante, são canções que não deixam de ter uma essência pop. Modéstia à parte, julgo que são grandes canções, logo não me surpreende terem sido as mais rodadas. Com o EP “Erased”, “One More Second” foi a música em destaque.

Ouça “Your Love Is An Empty Place” (do “Love The Gun”):

Ouça “One More Second”(do EP “Erased”):

F-se: No mesmo texto, vocês dizem que o disco chegou às rádios sem qualquer tipo de apoio promocional. Qual o caminho feito por vocês pra que o disco chegasse a ter execução em rádios?

SC: Foi um trabalho muito persistente, mas que acabou por dar resultado. Eu próprio enviei álbuns e cartas (sim, à maneira antiga) diretamente para inúmeros locutores de rádio. O resultado superou as expectativas. O disco começou a rodar em rádios locais e nacionais e começámos a receber convites pra entrevistas. Todo esse esforço abriu-nos portas à atuação num dos principais festivais do país, o SuperBock Super Rock, um festival talvez equivalente ao Planeta Terra aí no Brasil. Julgo que a aceitação das rádios evidencia a qualidade do nosso som, o que é gratificante, mas pra tudo isso é necessário muito trabalho. Só no dicionário o sucesso chega antes do trabalho.

F-se: Festivais como o Super Bock e o Paredes de Coura, já tradicionais no meio pop português, costumam convocar bandas independentes pra ocupar alguns horários na programação. Qual costuma ser a reação do público? É possível identificar uma maioria mais interessada nos headliners e portanto a resposta acaba sendo fria?

SC: Pelo contrário, a resposta é impressionante. Há casos de bandas mais independentes que explodem em Portugal depois de atuarem nesses festivais. Daí nos surpreender o fato de esse gosto não se projetar de forma ainda mais vincada nos mídia. O caso mais recente ocorreu com a Savages no Primavera Sound de Porto. Atuaram num dos palcos de menor dimensão, o público entrou em delírio com um concerto fulminante e agora é mais um fenômeno no país.

F-se: Olhando à distância, tem-se a impressão de que a cultura do rock é muito mais viva na Europa do que no Brasil. Bandas daqui com potencial pra crescer se veem estacionadas num nicho extremamente subterrâneo, tocando sempre pra um mesmo público. Isso também acontece em Portugal?

SC: Também acontece tocarmos sempre pra um mesmo público, mas aqui, pra além de ser um país pequeno, há por vezes muita resistência em pagar pra ver um concerto de uma banda menos conhecida. É uma falta de curiosidade incompreensível em Portugal… Um certo comodismo que se calhar está muito ligado aos tempos que vivemos. Mais depressa nos tentam conhecer na Internet do que dar três passos pra ver um concerto. Pena aí no Brasil as bandas não conseguirem maior projeção. É sintomático o fato de uma das bandas brasileiras mais conhecidas por cá, Tamborines, estar em Londres.

F-se: O fato de estar na Europa deve ajudá-los a estabelecer excursões por outros países. Já conseguiram rodar por alguns países do continente? Recebem convites pra tocar fora de Portugal?

SC: Fora de Portugal só atuamos em Londres e em Madri. Já tivemos outros convites, mas a falta de tempo ou de meios logísticos são fatores impeditivos. É algo que, espero, possamos trabalhar mais a partir de agora, pois acredito que a nossa música poderá ter muito potencial no exterior. Temos alguns fãs incríveis no estrangeiro.

F-se: Como foi abrir para o A Place To Bury Strangers no fim do ano passado? Vocês receberam o convite do APTBS?

SC: O convite foi endereçado pelo promotor do concerto que considerou Malcontent a única banda do universo português que faria sentido atuar com os APTBS. Foi curioso abrir pra uma banda da qual somos fãs. Uma experiência muito positiva num concerto onde os fãs de APTBS que não nos conheciam aderiram de imediato ao nosso som. Foi muito positiva a reação no concerto e garantiu-nos uma maior exposição. Nos dias seguintes recebemos muitas mensagens de pessoas que ficaram a conhecer-nos e queriam saber mais sobre nós. No concerto foi muito interessante o contato com os APTBS. Percebemos a dinâmica deles, são muito profissionais, excelentes músicos. Estão num patamar elevadíssimo. Transportam o som pra universos que mais ninguém consegue atingir. Ficamos a saber a razão pela qual são uma das mais excitantes bandas da atualidade.

F-se: Que tipo de retorno receberam dos integrantes do APTBS sobre o som de vocês? Alguma possibilidade de realizarem a abertura de um concerto deles nos Estados Unidos?

SC: Infelizmente não se proporcionou esse tipo de intercâmbio. Os APTBS estavam acompanhados apenas de uma road manager. Uma sujeita implicativa que também não angariava grandes simpatias dos próprios APTBS. Como não estavam acompanhados do pessoal da editora ou do management, não foi possível estabelecer esse tipo de contato pra concertos nos EUA. Ainda assim, o simples fato de termos tocado com eles já garantiu alguma exposição e no futuro isso pode valer convites pra atuações.
Quanto ao contato direto com os APTBS, houve mais diálogo com o Oliver (Ackermann, vocalista e guitarrista) que é muito simpático e afirmou ter gostado do nosso som. Ele ficou muito surpreendido por eu ter um pedal construído por ele, o “Total Sonic Annihialation”, que adquiri há alguns anos. Um pedal destruidor que ele apelida de “crazy one”. Foi muito bom o convívio e foi impressionante vê-lo a reconstruir guitarras, pois ele parte em todos os concertos e volta a utilizá-las.

F-se: Como foi assistir a um concerto do Bambara? Em alguns momentos, eles parecem superar o APTBS em barulho e violência, não?

SC: São mais violentos, sem dúvida. Dão um concerto muito enérgico. Ninguém consegue estar parado. São rapazes fantásticos, apesar de algo reservados.

F-se: Fale um pouco sobre as gravações do próximo álbum. Vocês foram ao estúdio com todas as músicas já prontas? Preferiram compor tudo no estúdio? Qual a diferença da gravação deste disco pro primeiro? E quanto às composições, há muitas diferenças entre o que estão a gravar agora e o que já lançaram no primeiro disco e nos EPs?

SC: Seguimos pra estúdio apenas com a estrutura base das músicas. Algumas estavam mesmo incompletas. Os arranjos sonoros surgiram todos em estúdio e com o avanço das gravações foi possível começar explorar sonoridades e criar atmosferas intensas. Julgo que o trabalho final vai ficar muito bom. Conseguimos criar uma sonoridade muito densa, com várias camadas de guitarras sobrepostas, mas desta vez o noise não é tão descomprometido. Está mais estruturado, eventualmente mais criativo. Julgo que conseguimos melhorar o som da bateria. Tudo isto com o apoio do Álvaro Ramos, o técnico de som que nos ajudou a produzir o disco. Em algumas músicas a composição diverge um pouco dos discos anteriores. É um trabalho diferente, mas na essência, é um álbum de canções. Veremos no futuro a aceitação.

F-se: A experiência com o financiamento coletivo pro álbum foi positiva até o momento? A expectativa de vocês é conseguir financiamento total pro disco? Que lições tiraram da experiência? Pensam em repeti-la no futuro?

SC: Muito positiva. Conseguimos ultrapassar o montante solicitado e o prazo ainda não terminou (a entrevista foi feita uma semana antes de encerrado o prazo). O valor pedido não é suficiente pra financiar o disco na totalidade mas é uma ajuda muito significativa. Surpreendeu-nos o interesse, pois não podemos esquecer que Portugal é um país em crise, sob resgate financeiro onde as pessoas vivem diariamente com cortes no seu rendimento. O simples fato de conseguirmos exceder as expectativas é motivo de grande orgulho, pois é sinônimo do interesse que muitos têm relativamente ao novo álbum. É mais um sinal que o noise rock tem saída…. Basta apostar. Desde sempre dissemos que este disco seria nosso e dos fãs, e assim será. Ainda não pensamos se um dia poderemos repetir a estratégia.

A banda em ação ao vivo, mostrando a música nova, “Riot Sound Effect”:

F-se: Há uma discussão no Brasil quanto à viabilidade da cena independente, ou pelo menos de artistas independentes se tornarem autossustentáveis. Isso é uma possibilidade em Portugal? Diante da crise que a Europa enfrenta desde 2008, é possível se estabelecer como uma banda independente sem precisar de recusos de um emprego formal?

SC: É impossível, ou pelo menos muito raro, viver apenas da música. Muito menos sem o suporte de uma estrutura consolidada, de uma máquina promocional. Neste momento Portugal está numa situação difícil, em crise, e um dos primeiros setores a sofrer é o da cultura.

F-se: Outra discussão que circula entre os artistas independentes no Brasil é a utilização de recursos públicos, destinados pelo governo a manifestações culturais, pra subsidiar, na música, a produção de discos, DVDs ou festivais (o dinheiro é destinado via editais: por meio deles, empresas oferecem apoio financeiro pra artistas e projetos culturais que vão da gravação de um álbum, ou a produção de um livro, até a criação de festivais ou filmes, em troca de benefícios fiscais). O problema é que, muitas vezes, parte desses recursos são encaminhados a artistas já estabelecidos. Acontece algo parecido em Portugal?

SC: Em Portugal já não há dinheiro público pra nada. Os únicos movimentos partem da iniciativa privada, é neste momento a única solução. Dou o exemplo da cidade do Porto que em plena crise e à custa da iniciativa privada conseguiu reinventar-se e tornar-se um dos pontos mais atrativos da Europa. Falta agora transportar esta energia pra cultura. Começam a surgir os primeiros sinais e acredito que o futuro próximo será muito positivo. Seria interessante criar um movimento idêntico ao que se verifica neste momento em Austin, Texas, ou como o que surgiu em Manchester nos ano 80. Vamos acreditar.

F-se: Assim que o disco estiver pronto, qual a expectativa dos Malcontent pra 2014? Você acredita que, agora que o vinil voltou a ser destaque entre os consumidores que de fato amam música e gostam de ter em mãos algo físico das bandas que curtem, o LP pode levar vocês a alcançar um outro público, ainda não abordado pela banda?

SC: A memória é o melhor negócio e acredito que a aposta no vinil é também acertada nesse sentido. Há muitos melômanos, colecionadores que preferem o vinil e rejeitam o CD, que já não vende. Não sei se terá muita saída nas lojas, o futuro o dirá. Acredito que vamos conseguir vender vinis em concertos, não só pelo formato mas também pelo nosso som.

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