HEROD – HEROD PLAYS KRAFTWERK

É esclarecedor que a Herod (ex-Herod Layne) lance nesse dia 1º de setembro de 2017 o seu disco-homenagem ao Kraftwerk, “Herod Plays Kraftwerk”. O trabalho chega poucos dias depois de “Deixa Quieto” a homenagem-não-homenagem do Macaco Bong ao Nirvana, ao recriar o clássico absoluto “Nevermind”, de cabo a rabo (ouça aqui na íntegra e leia uma breve análise).

Esclarecedor porque é dada ao ouvinte a possibilidade da mais simples comparação não só entre as homenagens e as obras originais, mas também entre as formas de abordar cada obra original. Enquanto o Macaco Bong desconstrói o Nirvana buscando outra identidade àquelas canções, alterando andamento, timbres, forma, títulos, tirando vocais, peso e urgência, a Herod é mais quadrada na sua abordagem, mas de maneira alguma se afasta do que pode ser considerado um risco.

Ambas as bandas foram ousadas em encarar seus projetos, mas se o Macaco Bong entrega algo aproximado a uma heresia, muito por conta da baixa inspiração das releituras, a Herod consegue o contrário, a proeza de transformar a serenidade robótica ora divertida ora melancólica do Kraftwerk em músicas vigorosas, graças a uma gravação que destaca o baixo e a bateria (“Antenna” é de uma felicidade ímpar), enquanto três guitarras tentam aproximar a eletrônica dos alemães ao post-rock e ao math-rock.

O Kraftwerk tem a doçura de melodias implacáveis, que imprimem-se na memória das pessoas com tamanha facilidade quanto um momento qualquer de felicidade fugaz pode fazer – um beijo, um abraço, uma cerveja com os amigos. Os alemães deram humanidade à música eletrônica e fizeram dela algo palatável e popular. A despeito disso, eles também buscaram se afastar pessoalmente dessa humanidade, evitando entrevistas, contato constante com o publico e se escondendo atrás de personagens robóticos que viraram suas marcas nos palcos do mundo.

A Herod, então, pegou a ideia daí e a desenvolveu. As três guitarras mais baixo e bateria, além dos vocais apaixonados (permita-se apreciar “Radioactivity” de olhos fechados e embalando o corpo), trazem uma carga de emoção que não se via na obra original. Mas não só: “The Model” é uma versão barulhenta como poucas versões (e olhe que a canção é uma das mais coverizadas do Kraftwerk – vale ouvir a do Ride, pra termos de comparação), sem desvirtuar exatamente a do Kraftwerk.

Mais do que isso, a banda perecia saber do risco e escolheu canções que fugissem do lugar-comum. Pois que temos aqui mais um dilema pra além do “fazer ou não fazer”: ao apoiar-se em canções mais conhecidas, o risco diminui ou aumenta, já que a comparação será mais imediata e feroz? Ao apoiar-se em canções menos conhecidas do grande público, isso se dá por uma certa “covardia” ou por ousadia?

“The Model” e “The Hall Of Mirrors” estão entre as mais conhecidas dos alemães. Mas, pro público médio, o mesmo não se pode dizer da dupla “Kometenmelodie”, de “Antenna” e até mesmo da originalmente gigantesca “Autobahn”. Há um equilíbrio, de modo que não há “acusação” a fazer à Herod nesse sentido, embora de todas seja justamente “The Hall Of Mirrors” a menos inspirada, virando algo como se o Pink Floyd tivesse resolvido reler o Kraftwerk, o que mesmo assim não deixa de ser curioso.

Entretanto, a Herod mesmo quando parece escorregar consegue ser feliz no seu intento de reler o Kraftwerk de um jeito rock’n’roll, humanizando as execuções e distante da metalização das músicas homenageadas. Dentro da teoria defendida – “há melodias incríveis ali, então elas podem ser executadas em qualquer estilo” -, a Herod foi satisfatória ao executá-las do seu jeito de fazer música.

“Autobahn”, com seus dezessete minutos (a original tem quase vinte e três), é uma amostra perfeita de como a Herod transformou o Kraftwerk sem bulir no principal, a melodia: há peso, viagem, texturas, organização e precisão, sem mexer na linha da música.

Enquanto o Macaco Bong instiga o ouvinte a buscar o “Nevermind” original, o disco da Herod faz o ouvinte torcer por um volume dois dessa homenagem. Que venha logo o “Herod Plays Kraftwerk” volume 2.

Ouça na íntegra:

A banda aqui é Daniel Ribeiro (guitarra e vocal em “Antenna”, “Radioactivity” e “Autobahn”), Lucas Lippaus (guitarra), Sacha Ferreira (guitarra e vocal em “The Model” e “The Hall Of Mirrors”), Elson Barbosa (baixo) e Bruno Duarte (bateria). Luciano Sallun toca citar em “The Hall O fMirrors”.

O disco foi gravado no RFamily Mob Studios, na capital paulista durante o primeiro semestre de 2017, por Hugo Silva, com mixagem e masterização de Samuel Braga no Estúdio Abacateiro.

O lançamento, via Sinewave, por questões de direitos autorais, é especificamente pra streaming (em todas plataformas), sem cópias físicas ou download oficial.

1. Kometenmelodie I
2. Kometenmelodie II
3. Antenna
4. Radioactivity
5. The Model
6. The Hall Of Mirrors
7. Autobahn

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