JAIR NAVES NO AUDITÓRIO IBIRAPUERA – COMO FOI

Jair Naves é um contador de histórias. Em cima do palco, essa é uma das suas melhores características. Tímido, talvez use essa ferramenta pra se aproximar do público e não sentir tanto a responsabilidade.

Costuma funcionar. Jair é divertido, um boa-praça daqueles que você gostaria sempre de ter à mesa de chope pra umas risadas. No palco, ele fala, ele canta, ele interpreta, ele se esforça. Alto, magro, sorriso tímido, conta causos da sua vida, tira sarros inocentes de seus amigos, revela histórias de sua vida. Parece difícil, soa como um martírio. Entretanto, Jair escolheu essa profissão, precisa passar por isso, e mostrou-se bastante talentoso no enfrentamento dessa barreira.

Na sexta-feira, dia 27 de fevereiro de 2015, lá estava ele mais uma vez pra encarar a plateia. Mas não era um dia como outro qualquer, desses que a experiência trata de calejar. Era o lançamento do seu segundo disco solo, “Trovões A Me Atingir”, de 2015 (leia resenha aqui). E era num lugar especialíssimo, o belo Auditório Ibirapuera, altar pra poucos privilegiados.

A responsabilidade era grande, na mesma medida que o clima era de festa.

O disco tem músicas deliciosas. Indie pop bacana, acessível, compreensível. O público estava ganho de antemão: familiares, amigos, imprensa, colaboradores do financiamento coletivo que deu suporte ao nascimento da obra. Juntos, amigos que participaram do disco, como Bárbara Eugênia, Guizado, os percussionistas Igor e Caio Bologna, Raphael Evangelista e seu violoncelo e Hélio Flanders, do Vaguart, que não participa do álbum, mas estava lá.

É certo que quase todas as cerca de quinhentas pessoas que estiveram ali saíram satisfeitas: Jair lhes entregou o que se esperava. Mas quem acompanha um pouco que seja a carreira do artista percebeu alguns deslizes que fazem esse show não figurar entre os melhores dele.

A começar, o roteiro. Boa-praça, carismático e bom contador de histórias que é, Jair diverte a plateia com seu jeito tímido de contar causos inocentes dele mesmo e de cada um dos músicos que o acompanha. Serve pra quebrar o gelo, serve pra aplacar a timidez. Mas com tanta gente no palco, com tantos convidados, essa ferramenta truncou a apresentação, que já teria por si só muitas trocas de instrumento, paradas, entra e sai de gente – e muitas historinhas e causos. Foram quase duas horas de um ritmo que parecia não engrenar, um certo tumulto visual.

As idas e vindas dos convidados não fluíram com leveza. Jair subiu a um patamar de aceitação da mídia/público que requer atenção a isso. E há por onde resolver. Tanto que o ápice do show, na sequência que incluiu Guizado e Bárbara Eugênia, naquela que é também a melhor sequência do disco, foi uma explosão de emoções: Guizado deu um toque de classe em “Deixe/Force” e continuou pra melhor canção de “Trovões A Me Atingir”, “B.”, protagonizada por Bárbara Eugênia, que seguiu no palco pra bela “Prece Atendida”, com a participação de Evangelista.

“B.” teve um final apoteótico que faz imaginar como a música funcionaria fechando o show. Queixos rolaram pelo chão com a interpretação, aqui mais viril do que se ouve em disco. Temo dizer que só as três músicas citadas já valeriam o ingresso, mas a força de “B.” ficou ali no meio do roteiro confuso, sendo sucedida por uma emocionante “A Meu Ver”, em homenagem a um amigo recentemente morto de Jair. Emocionante, mas tal e qual um anticlímax.

As músicas novas também ainda estão, com exceção das citadas, um tanto abaixo das antigas, que já carregam as feridas dos erros e acertos de quase dois anos de apresentações ao vivo. Jair tocou “Trovões A Me Atingir” na íntegra, exalando frescor das nove novas composições. Entretanto, “Carmen, Todos Falam Por Você”, a sempre sensacional “Maria Lúcia, Santa Cecília E Eu” e “Pronto Pra Morrer”, com a desenvoltura natural dos filhos mais velhos, souberam se destacar, fazendo alguns da plateia se exaltarem nas cadeiras confortáveis do Auditório Ibirapuera, procurando uma dança qualquer (esse é um show que não deveria acorrentar as pessoas nas cadeiras).

São ajustes que o tempo resolverá, é claro. Mas o tombo com “Silenciosa”, interpretada por Hélio Flanders ao piano, não se ajusta. O dueto de voz e teclas dos dois pareceu uma daquelas frustrantes apresentações de canções concorrentes ao Oscar. Não funcionou.

Isso quer dizer que Jair tem um produto temível em mãos? Óbvio que não. Ele tem é o desafio de fazer esse belo disco funcionar no palco, apenas com sua banda, sem convidados. Como fazer as vozes femininas? Como dar a classe que Guizado conseguiu com seu trompete? Como equilibrar as teclas de Felipe Faraco pra que elas não se sobressaiam incomodamente? O talento de Jair Naves e sua banda vai resolver e responder isso no futuro. E eu, se fosse você, estaria lá pra comprovar: Jair ainda tem muita história pra contar.

01. Resvala
02. 5/4 (Trovões Vêm Me Atingir)
03. Incêndios (O Clarão De Bombas A Explodir)
04. Carmem, Todos Falam Por Você
05. Um Trem Descarrilhado
06. Maria Lúcia, Santa Cecília E Eu
07. Em Concreto
08. Deixe/Force
09. B.
10. Prece Atendida
11. A Meu Ver
12. No Meu Encalço
13. Pronto Pra Morrer

BIS
14. No Fim Da Ladeira, Entre Vielas Tortuosas
15. Silenciosa
16. Um passo Por Vez

Veja a banda executando “5/4 (Trovões Vêm Me Atingir)”:

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