RESENHA: JUÇARA MARÇAL & CADU TENÓRIO NO CENTRO CULTURAL SP – COMO FOI

Tempos atrás, numa das edições de O Resto É Ruído, eu e Cadu Tenório, logo após um show do seu VICTIM!, nos digladiamos num fervoroso embate sobre o papel da música ao vivo. Ele defendia com ênfase a não necessidade do artista interpretar sua obra ao vivo tal e qual a criada em estúdio.

A lógica, no caso dele e da música não-comercial, faz sentido. O artista não está ali pra agradar os anseios daquele consumidor. Está ali pra ampliar sua expressão artística. Ele é livre de amarras, em forma e conteúdo. É o que se espera dele: a surpresa, a desconstrução, o improvável. Cobrar outra forma é cobrar da pessoa errada.

Sobre esse assunto (ou nessa linha), temos um bom texto aqui, bem mais completo.

Quem conhece a carreira de Tenório, sabe que está justamente na não reverência aos métodos convencionais (comerciais) de expressão musical a sua atração, a sua base artística. Sucumbindo, Cadu poderia ser apenas mais um a brigar por espaço. Entretanto, pra nossa sorte, ele escolheu trilhar por um movimento não organizado, junto ou paralelamente a esse povo aqui, e vem se estabelecendo como um dos pilares da MTB.

Após lançar o vibrante “Banquete”, em 2014, com Marcio Bulk e algumas vozes belíssimas, ele volta à formula, agora com Juçara Marçal, a suave voz do Metá Metá e, principalmente, do brilhante “Encarnado”, também de 2014.

Juntos, cometeram o sublime “Anganga”, um trabalho primoroso de resgate de um trecho da música histórica brasileira. No Centro Cultural São Paulo, dia 22 de outubro de 2015, ambos subiram ao palco pra mostrar o trabalho ao vivo pela primeira vez.

De cabo a rabo, com algumas preciosidades no meio, a dupla mostrou “Anganga” praticamente tal e qual se ouve no disco, à perfeição. No palco, um trio, com a presença do igualmente notório Emygdio Costa (do Fábrica e companheiro de Cadu no Sobre A Máquina), retorcendo um violão.

Os três corroboraram a teoria de Cadu sobre a música ao vivo. Ali, de frente a uma plateia numerosa, exibiram “Anganga” como imaginado em estúdio, com a diferença apropriada de que, ao vivo, graves, ruídos e vozes podem ganhar bons volumes e vibrações no peito da audiência. E foi isso o que aconteceu.

O show era gratuito, de modo que boa parte ali compareceu desavisada. E outra boa parte, uma grande maioria, não há como deixar de notar, apareceu pra ver a exuberância de Marçal, que goza de bom público, graças aos serviços prestados em suas experiencias solo e com o fiel escudeiro, Kiko Dinucci – experiências que, ainda bem, não só a mídia subterrânea enaltece, mas também os meios de comunicação mais parrudos.

Cadu Tenório, por outro lado, é o bicho-estranho. É ele quem vai assustar os incautos. É ele quem vai expulsar do recinto as mentes pouco acostumadas às suas explosões ruidosas de criatividade. Unidos – Tenório, Marçal e Costa – se encaixam com tal soberba, que nem um nem outro se sobressaem.

Apesar dos deslizes do som, que estouraram os graves de Cadu e quase fizeram sumir a bela voz de Marçal, o composto foi perfeito. O começo, com a melhor do disco, “Canto II”, já mostrou numa tacada as intenções do trio: o barulho de Cadu vibra no peito da audiência; a voz de Marçal ameniza nos ouvidos; e os improvisos de Costa rasgam a atenção de todos.

A sequência do disco foi alterada e, no meio, vieram algumas surpresas. Além dos improvisos protagonizados por um Cadu endiabrado destroçando um pobre violino; Marçal mostrou sua “Cabocla Jurema”, obra de Candeia e Nina Alvarenga, que ela e Dinucci gravaram em “Padê”, de 2008; e sua versão pra “Preá Comeu”, classicão na voz de Dona Ivone Lara.

Os outros cantos estavam lá: “Canto III”, “Canto VI” e “Canto VII”, além da força de “Grande Anganga Muquixe”. Tais como no disco.

À iluminação fraca, indireta, como deveria ser nos tempos das senzalas, o trio deu à plateia um bom gosto de “Anganga”. O disco é ótimo; ao vivo, é tanto quanto.

E, estranho argumento pra quem reproduziu sua obra ao vivo como ela é em disco: não é uma música comercial, apesar da acessibilidade melódica dos cantos. Cadu Tenório apresentou mais um contra-argumento. Dele e dessa turma da MTB+MPB tudo pode-se esperar.

01. Canto II
02. Canto III
03. Grande Anganga Muquixe
04. (improviso)
05. Cabocla Jurema (Candeia)
06. Eká
07. Canto VI
08. Canto VII
09. Preá Comeu (Dona Ivone Lara)
10. Taio
11. Candombe – Ia Cacundê Iauê

Veja a apresentação na íntegra:

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