MEDIALUNAS E SINGLE PARENTS NO STUDIO SP – COMO FOI

É curioso como exatamente vinte anos após a primeira apresentação do Nirvana no Brasil, no Hollywood Rock (leia como foi em dois grandes textos, um do Pablo Miyazawa e outro do André Forastieri), ainda se possa sentir os ecos daquele “movimento”.

Eu estive lá também e achei aquele show do Nirvana em São Paulo uma bomba, horroroso. Mas isso não importa, eu já tinha noção. Era o Nirvana, oras. Ele podia até cuspir na câmera e bater uma na frente de todos (e fez isso, com transmissão da Globo pra provar) que tava valendo. Aliás, era isso que tava valendo. Todos já imaginavam que aquela banda e “Nevermind” fariam estragos consideráveis algumas gerações a frente.

Vinte anos depois, a profecia se confirmou e um bocado de jovens beirando os 25, 28 anos, estão ecoando aquele som que revirou as paradas de mais vendidos no começo da década de 1990. Na cola, Sonic Youth, Dinosaur Jr, Pavement… Tudo virou uma coisa só, ganhou um rótulo “noventista” e se impregnou nos nossos moços e moças criativos dos anos 2000/2010.

Mas há uma diferença: hoje todo mundo toma banho, escova os dentes, se depila, é ecológico, tenta desesperadamente parecer boa gente, politicamente correto. Chocar, nem a pau, só na medida do que é aceitável.

E isso é ruim? Não necessariamente. A missão de chocar, de balançar as estruturas, de ser contestador e ousado está nas mãos do pessoal da MTB. A geração que assimilou o “noventismo” tá fazendo a parte dela, do jeito que ela gosta, da forma mais boazinha e aceitável, reverberando sua bagagem cultural do seu modo.

Nessa terça-feira, dia 15 de janeiro de 2013, duas bandas dessa safra fizeram o retrato dessa juventude do seu jeito: a Medialunas, de Porto Alegre, e a Single Parents, de São Paulo. Separados por mais de mil quilômetros, ambas se unem nos respingos do “renascimento” do rock de vinte anos atrás.

Não são contestadores, não destroem o equipamento (até porque dinheiro não nasce em árvore), são extremamente educados ao microfone, não têm postura política, vivem rodeados de amigos e evitam conflitos em público.

Mas é que a música agora é outra. O mundo é outro. Não é preciso tudo isso. Até o “noventismo” se adapta aos novos tempos. Esperar tal balbúrdia dessa nova geração é esperar o ônibus fora do ponto. Fiquemos, pois, com a música, que é o que restou do “merdinha do Kurt” e afins.

Temos aqui dois bons exemplos, Medialunas e Single Parents. Os gaúchos lançaram em 2012 um belo disco, “Intropologia”, a sua versão mais bem acabada do “noventismo” (que tem bom par com a outra banda da baterista Liege Milk, a Hangovers). Onze canções descompromissadas que Liege e seu marido Andrio Maquenzi (na guitarra) soltam como uma diversão genuína de garagem pra horas de ócio. Soou bem pra muita gente e terminou em várias listas de melhores do ano – inclusive aqui no Floga-se.

Ao vivo, porém, é bem melhor. Há mais potência, mais energia, e Liege é uma baterista especial, que faz o simples, mas forte, mão pesada. Andrio, canhoto, inventa pouco também, e sua guitarra preenche a falta que qualquer outro instrumento poderia vir a clamar.

Foi um show curto. Apenas oito músicas, quase todas elas do “Intropologia”, com exceção da novíssima “Esse Cara”, que era apresentada ao vivo pela segunda vez. Não é uma grande canção essa nova. A letra é até boba. Também não funciona muito bem “Arboles De Navidad” e “Chester Cheese Onion”. São duas músicas com mais de cinco minutos. As outras, mais curtas e diretas, como “Humming”, a melhor do show e tipicamente “noventista”, e “No Te Va Gustar”, com Liege ao vocal, valem o espetáculo.

Mas estão nos extremos o princípio básico do Medialunas ao vivo. A primeira, “SloMo Dancer”, com uma introdução que parece um aquecimento dos músculos, e a contagiante “Rotten Peaches”, fechando o show, também “noventista” no DNA, colocam o suor pra fora do corpo, sem compromisso, de olhos fechados pra plateia, é um “foda-se o que vão achar, eu tô viajando aqui na minha”. Não foi assim com Kurt no palco do Hollywood Rock?

O Medialunas fez melhor, acredite.




Já o Single Parents, com formação nova e mais uma vez com a adição do produtor gringo Roger Paul Mason, apresentou as músicas do seu primeiro disco, “Unrest”, de 2012, um tanto afastado do perfume Nirvana, e com aproximação da crueza do Sonic Youth e do Dinosaur Jr. e Pavement.

O espírito, porém, é o mesmo: adaptar aos novos tempos aquela energia destrutiva de vinte anos atrás, sem ficar ruim na foto da correção e da sociabilidade.

Mais uma vez, isso pouco importa. Ao vivo, o Single Parents, principalmente no eixo principal Fernando Dotta (guitarra e vocal)-Rafael Farah (bateria), mostra uma segurança típica de quem sabe o terreno que quer pisar, o caminho que quer seguir.

Foram sete canções, mais longas que as da Medialunas, mais elaboradas, mais ambiciosas. As duas, às vezes três guitarras (a terceira de Mason), se guiam pela de Dotta, mas pouco inventam, ousam. A bateria de Farah é modesta, culpa do som do Studio SP. E nenhum deles tem carisma pra ser “um cheiro de Kurt” que seja. Não querem isso pra si, ainda bem.

Porque parecem saber que isso não importa – e é bom que se entenda tal afirmação como um elogio: a força do Single Parents está nas melodias, nas músicas, e em como a banda consegue passar isso ao vivo. Quem acompanha o grupo há um tempo, já cantarola “Stop Waiting (For Me Now)”, “Unrest” e “Escape” como hits próprios. É uma banda que sabe se trabalhar e sabe vender seu repertório com as ferramentas atuais (redes sociais, shows e divulgação nas novas mídias), algo raro nesse Brasil de muitos “artistas” que tentam e somem logo em seguida.

Por isso, o Single Parents está um nível acima das demais bandas nacionais do subterrâneo. Constrói com calma seu pavimento. Não precisa destruir guitarras, nem cuspir na câmera, nem tocar uma em público. Está lá fazendo seu trabalho honesto, um trabalho pelo qual investiu mais do que só o tempo.

E o bom público que esteve no Studio SP (calculo umas oitenta a cem pessoas), com entrada franca, talvez não tenha feito tal comparação – certamente não tenha nem idade pra ter visto ao vivo os dois shows do Nirvana no Brasil – mas com certeza achou a noite proveitosa. Porque de fato foi.

Aliás, esse público merece aplausos: mais uma vez enfrentou o descaso da organização. Terça-feira à noite, numa cidade em que o metrô fecha à meia-noite, não dá pra começar o espetáculo às onze horas e terminar uma da matina. Dia seguinte é útil, de batente, ou de aula.

Ninguém vive de ilusão ou pensa em se matar como o senhor Kurt. A vida continua no dia seguinte. O mundo segue. O “noventismo” andou, se adaptou. Tá na hora dos promotores de shows se tocarem também que os tempos mudaram: show não é balada.





SET DA MEDIALUNAS

1. SloMo Dancer
2. No Te Va Gustar
3. Humming
4. Esse Cara
5. Chester Cheese Onion
6. Arboles De Navidad
7. Conversando Com Os Meus
8. Rotten Peaches

SET DA SINGLE PARENTS

1. Stop Waiting (For Me Now)
2. Unrest
3. Daydreaming
4. Escape
5. The Only Memory
6. Out Of Sight
7. Ecstatic Pleasures

Veja a Medialunas tocando duas canções. Primeiro, “Humming”:

Depois a novíssima “Esse Cara”:

Fotos do Medialunas por Elson Barbosa

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Comentários

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2 comentários

  1. gostei do texto, até porque, eu não fui, né? rs

    discordo de algumas coisas:
    eu duvido seriamente que exista algum ser pensante sem postura política. quase tudo que fazemos é uma postura política, mesmo que a gente não perceba isso.

    ser um “bom-moço-noventista” é uma postura política sim; não que eu seja capaz de dizer especificamente qual, já que isso seria partir pra uns julgamentos aí né. mas eu tenho quase certeza que envolve algumas posturas, como você bem citou ali: são educados com o público, não destróem coisas, etc.

    isso é uma forma de política [e de politicagem, ou networking, como queira]

  2. Bela resenha, Medialunas arrasou no palco e o pouco que vi do Single Parents foi excelente(fui embora no meio do show por causa do horário).

    Na verdade se parar para analisar o rock em geral esta mais comportado, fino e elaborado. É como se aquela rebeldia presente nos estilos das décadas atrás tivesse se conformado.

    O motivo disso eu sinceramente não sei, mas estou tentando compreender o porque.

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