NOISE WAVES #11: SLOWDIVE – JUST FOR A DAY

Boas… Mais uma edição da Noise Waves – mas esta um tanto quanto diferente. Nada de lançamentos em primeira mão, ou novas tendências/cenas. Nada disso. A Noise Waves desta semana terá a árdua missão de abordar uma obra-prima do shoegaze, algo que sempre desejei expressar de alguma forma e ainda não havia surgido a oportunidade.

Entretanto, após uma overdose musical no já cult Dopamine, eu e meu grande amigo/comparsa dos bons sons e da vida, Cícero, durante uma virada de sábado pra domingo tipicamente clássica, retomamos em grande estilo algo que fazíamos há anos e anos: ouvir inúmeros álbuns.

Foi aí que nos deparamos com algo que tanto pra ele como pra mim é sagrado, o debute do Slowdive, “Just For A Day”. O termo “sagrado” tem ares religiosos pra nós, obviamente pela idade, por termos vivenciado todo o apogeu do shoegaze e mais várias justificativas desnecessárias. O fato é que, naquele momento, desde a abertura de “Spanish Air”, percebi que meus comentários ácidos a respeito do álbum “chocaram” o grande Cícero. O principal momento foi na derradeira “Primal”, quendo ele percebeu que eu estava certo em minhas colocações.

Ficou interessado? Ok, vamos lá: 21 anos se passaram desde que “Just For A Day” foi lançado (em 1991), muita coisa já se falou, comentou, debateu e blá-blá-blá-blá. Mas a obra-prima do Slowdive unânime é o “Souvlaki” (de 1993), tido como o ápice de Rachel Goswell, Neil Hastead, Christian Savill, Nick Chaplin e Simon Scott (desnecessário dizer o quão representativo e influente é a obra da banda). O “Just For A Day” desde sempre pra mim é insuperável em termos de criação, composição, musicalidade e principalmente sentimentos.

Por que isso? Porque é um álbum épico, grandioso e ambicioso ao extremo, gravado em seis semanas, sob efeito de cannabis, uma epopéia perigosa desde seu inicio, tendo como alicerces obras como “Garlands” (Cocteau Twins, 1982), “Ins’t Anything” (My Bloody Valentine, 1988) e “Pornography” (The Cure, 1982).

O “Just For A Day” é extremamente perigoso e doentio. Por trás da voz angelical de Rachel e da calmaria disfarçada em wall of sound, estão escondidos sentimentos perturbadores, isolamento, tristeza, ao mesmo tempo que sugere uma latente candura – destruída lentamente pela tristeza envolta no álbum.

Resumidamente, o “Just For A Day” é uma arma letal quando sua auto-estima está em péssimo estado, ou ainda quando seus sentimentos estiverem perdidos. Meu pessoal recado é: tome muito cuidado ao ouvir essa obra-prima repleta de tristeza, desespero e um dos melhores trabalhos de guitarras de todos os tempos. “Just For A Day” é devastador.

Após o causo com meu amigo Cícero, propus a ele fazer a introdução do texto de abertura e eu darei sequência fazendo um track by track desta pérola.

Por Cicero J.
“Manhãs de domingo geralmente são dadas a caminhadas na praça do seu bairro, pastel de feira, Globo Rural, enfim, trivialidades, certo? Ledo engano, caro leitor. Não pra esse que está escrevendo e pro amigo/irmão que comanda essa coluna. É fato que o xiita em questão respira música, assim como eu. Entre bandas e bandas discutidas, depois de uma edição da melhor balada de SP (sem falsa modéstia), colocamos em comum acordo um álbum que de dez entre dez amantes da boa musica cita em sua lista. “Just For A Day”, do Slowdive, de 1991. Era a fase em que o grunge estava em evidência no cenário musical, e cai em minhas mãos esse álbum. Praticamente o mesmo impacto de um “Psychocandy” (The Jesus & Mary Chain, 1985) e um “Isn’t Anything”… Camadas densas de vocais praticamente inaudíveis, guitarras aparecendo de maneiras avassaladoras. Ouço esse album há vinte e um anos e nunca havia notado pela ótica do rapaz em questão. Entres brejas e faixas corridas, comentamos todas as nove que ilustram esse álbum e, claro, com a propriedade de quem sabe o que está falando surgiu a idéia desse que digita fazer o prefácio e meu querido Renato Malizia divagar track by track essa obra-prima. Com vocês “Just For A Day”, by Renato Malizia”.

“Spanish Air”
O inicio de um álbum sufocante não poderia ter melhor introdução do que “Spanish Air”, uma marcha fúnebre, com Rachel evocando as almas e o perdão através de sua voz angelical. Ela simplesmente concede uma aura de leveza a letra de perda, tristeza e desespero, cantada dolorosamente por Neil, com direito a um solo de cello deslumbrante no final, escancarando por completo a sensação de solidão contida no verso final: “and now that I… know… is let to be seen and now that I’ve lost him… I’m leaving here”.

“Celia’s Dream”
A candura e a leveza da abertura de “Celia’s Dream” sugerem que o cataclismo denso de “Spanish Air” ficou definitivamente distante, mas é pura ilusão, as sombras e o amor têm apenas uma opção explicitada nos versos “she told me that she loved me, love, just for a day” ou ainda “she´s passing like a day”. O amor infelizmente aqui nunca vence. Um pequeno grande detalhe, Neil Hastead canta com uma alegre e doce ternura, será que ainda há esperança? Mas no final de “Celia´s Dream”, as guitarras choram em notas cristalinas e espaciais sepultando por completo o sonho de Celia.

“Catch The Breeze”
Uma pequena grandiosa obra-prima shoegaze em todos os sentidos. Vocais, guitarras e principalmente demonstrando porque Simon Scott é um gênio. Ele consegue tirar todo o peso de sua poderosa bateria guiando os instrumentos e vozes pra que todos estejam na mesma intensidade. Os vocais sussurradamente inaudíveis servem como outro instrumento pra canção, novamente triste, densa e apaixonante. Dependendo do seu estado emocional, “Catch The Breeze” torna-se um poderoso estimulante e perigoso momento para acelerar momentos de depressão intensa ou satisfação plena.

“Ballad Of Sister Sue”
A sonoridade de “Ballad Of Sister Sue” define a obra do Slowdive. Imitada à exaustão, etérea e densa, nos remete a uma viagem aos clássicos da cold wave. É guiada por camadas de guitarras atmosféricas e repetitivas, propriciando o clima exato pro lamento depressivo e suicida da letra angustiantemente declamada por Neil. Nela, a Sister Sue nada pode fazer a não ser presenciar o desespero pleno ao ouvir as ultimas palavras: “Sister, I’ve lost all the feeling, I’m lost and I’m sold, I lay down beside you… Sister, I’m blinded, It’s only my eyes… I’ve sold them before”.

“Erik’s Song”
Um instrumental etéreo, herdeiro direto da magnífica “Avalyn II”. “Erik’s Song” nos conduz a imagens e paisagens das mais variadas, funcionando pra reflexões e pensamentos íntimos.

“Waves”
Belissima, soberba, um dos ápices do álbum, um pérola indescritível. Aqui, o Slowdive demonstra o motivo pelo qual é a principal banda da clássica era do shoegazer a influenciar a nova geração nos quatro cantos do mundo. Apesar da atmosfera menos carregada dos que as demais canções, “Wave”s é um grande refúgio para a salvação do personagem criado desde o inicio do álbum, apesar de todo o pessimismo, ainda poderá haver a cura para a dor? Talvez…

“Brighter”
A continuação perfeita pra “Waves”. Após o momento de refúgio, a procura da salvação, Rachel inicia a explicação do porquê de tantos sentimentos de solidão, desespero e desesperança. Aqui cabe ressaltar uma das grandes influências pro Slowdive, o Cocteau Twins. Cantada a duas vozes, “Brighter” sugere que a salvação pode ser alcançada: “and when it all looks brighter, just turn around and smile, when it’s looking better, just leave it all to time”. Momentos de esperança surgem perante o latente desespero? É possível…

“The Sandman”
Angelicalmente Rachel evoca o momento do juízo final. “The Sandman” é um épico lento e etéreo guiado por repetitivas camadas de guitarras cristalinas e paredes de sintetizadores sendo a base pra indicar que o fim se aproxima.

“Primal”
Angustiante e aterrorizante são os melhores adjetivos pra descrever a sensação que “Primal” exerce quando escutada atentamente. Por trás de um verdadeiro wall of sound, estridentemente sufocante e principalmente desesperador, aliado ao efeito dos “gritos” (ou seriam “pedidos de socorro”?), que Rachel aplica ao decorrer, geram sentimentos de súplica, perdão, indignação e dó. Note que dó é um sentimento ruim, mas aqui abre-se definitivamente todas as feridas aos amigos: “Every time, she says she’s falling and every time she call us friends, because to the right time she calls to tell it would every time…”. “Primal” é dolorosamente cruel.

Gostaria de finalizar dizendo que esta é uma analise pessoal e extremamente íntima, mas caso você discorde, desafio você a ouvir este álbum absolutamente genial comigo pra que possamos debater a respeito. Obviamente que a bebida fica por sua conta.

1. Spanish Air
2. Celia’s Dream
3. Cacth The Breeze
4. Ballad Of Sister Sue
5. Erik’s Song
6. Waves
7. Brighter
8. The Sandman
9. Primal

Álbum – Just For A Day
Lançamento – 2 de setembro de 1991
Gravadora – Creation Records
Tempo total – 43 minutos e 45 segundos
Contato – Facebook

Renato Malizia é editor do blogue The Blog That Celebrates Itself.

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