OS DISCOS DA VIDA: ESPACO CULTURAL WALDEN

Em abril de 2012, surgiu o Espaço Cultural Walden, uma casa pequena, encravada na Praça da República, no centrão de São Paulo. Já é, nesse pouco tempo, um dos endereços mais bacanas pra se ouvir música e, principalmente, um dos palcos mais importantes da música alternativa brasileira. A agenda sempre reserva boas bandas pequenas, que tocam por enquanto no palco minúsculo do andar de cima.

A iniciativa de Cesar Zanin e sua esposa Mariana Cetra é pra se aplaudir, ainda mais num momento em que a capital paulista fecha ainda mais suas portas pra bandas de menor expressão popular, preferindo as tenebrosas indies parties e as bandas coveres (há exceções saudáveis, como a Casa Fora do Eixo, no Cambuci). Ambos são paulistanos e, como a maioria dos amantes da música nada popular, sentiram falta de um espaço como esses na imensa São Paulo.

Zanin morou alguns anos na Inglaterra, onde tocou em diversas bandas. Foi correspondente internacional da Rock Press. Mariana, até pouco tempo, trabalhava em uma ONG, nas áreas de cultura e juventude, pensando em projetos, formações, comunicação e tudo mais. Juntos preparam um projeto musical chamado A Espiral de Bukowski.

Mas é com os eventos do Espaço Cultural Walden (como, por exemplo, o Popfest) que o casal marca profunda e positivamente a cidade. É no espaço criado por eles que se faz a vitrine mais empolgante da metrópole atualmente.

E nessa edição de “Os Discos da Vida”, é possível ver o perfil do que passa pelo palco do ECW: bandas que primam pelas distorções, criatividade e a distância do som palatável que habita as FMs e os blogues de hoje. Aqui não tem espaço pra “indie sambinha e descartável”, embora jamais se diga “não”. O que importa, afinal de contas, é dar à música o respeito que ela merece.

CESAR ZANIN
“Nem preciso dizer que foi muito difícil resumir pra chegar nesses 5 discos; se eu fosse desenvolver a ideia, a lista seria bem mais longa e eclética. Os discos a seguir são aqueles que mudaram minha vida mais profundamente, se eu fosse fazer uma lista dos discos de que mais gosto ou dos discos que considero os melhores ou mais legais etc., provavelmente essa lista seria diferente. Ah, os discos estão em ordem cronológica – na ordem em que os conheci, a não ser pelo do Fall, mas explico a seguir”.

The Beatles – “20 Greatest Hits” (1982)
Lembro-me de ter que ficar na ponta dos pés defronte à estante da casa de meus pais pra mexer nos discos deles, e entre os que eu mais gostava tinha um do Elvis, um do Roberto Carlos, e esse dos Beatles. Meu pai nunca ligou muito para música, minha mãe era quem comprava os discos e era ela quem me falava dos Beatles. Junto com minha mãe eu tentava descobrir quem dos dois era o vocalista principal em cada uma das faixas, e hoje percebo que em boa parte dos casos errávamos. Ela continua dizendo que a música do tempo dela nunca vai ser igualada ou superada… Hoje meu disco favorito dos Beatles é o “Revolver”, e apesar de não conter canção alguma dele nesse “20 Greatest Hits”, tenho um carinho impar por esse disco, pois foi a porta de entrada para a música na minha vida. Eu não poderia ter começado de forma melhor!

Ouça “The Ballad Of John And Yoko”:

The Smiths – “Hatful Of Hollow” (1984)
Passei dos Menudos, na infância, pro heavy metal/hard rock na pré-adolescência. Depois que meus pais se separaram, descobri o rock nacional dos 80 e logo depois bandas como The Cure, U2 e Echo & The Bunnymen. The Smiths foi a banda da minha vida por quase 15 anos, me identifiquei prontamente, fui um fã devoto, colecionava tudo o que podia encontrar sobre eles. Acabei conhecendo esse disco somente uns cinco anos depois dele ter sido lançado, na época em que comecei a tocar com os amigos do colégio. Ainda hoje esse é meu disco favorito deles.

Ouça “Girl Afraid”:

The Velvet Underground – “The Velvet Underground & Nico” (1967)
Foi com esse disco que conheci o Velvet Underground, e foi quando comecei a expandir meus gostos, a experimentar como músico, quando comecei a estudar música (nada a ver com partituras; me refiro a sonoridades, timbres, linguagens, abordagens etc.) e quando comecei a montar minha “genealogia musical”. Lembro com carinho das fitas cassete que giravam na turma, de mão em mão, onde os mais antenados apresentavam sons diferentes aos demais. Depois disso conheci Sonic Youth e pirei, e entendi porque eu gostava de Jesus And Mary Chain.

Ouça “I’ll Be Your Mirror”:

Nick Drake – “Pink Moon” (1972)
A primeira vez que vi o nome Nick Drake foi num fanzine mineiro, em fins dos anos 90, numa matéria do tipo desta, onde o guitarrista da Legião Urbana listou os discos da vida dele. Esse disco me marcou profundamente, pro bem e depois pro mal também (fui acusado injustamente de ter roubado esse disco). Eu nunca tinha me deparado com música desse jeito, tão simples/despojada e tão próxima da perfeição. Nick Drake pra mim se tornou sinônimo ao mesmo tempo de riqueza técnica e de sensibilidade; um gênio inseguro, que não conseguia se adequar no mundo. Hoje meu favorito dele é o “Bryter Later”, mas esse aqui foi um baque e tanto.

Ouça “Pink Moon”:

The Fall – “Bend Sinister” (1986)
Esse disco foi o primeiro contato que tive com o Fall, logo depois de ter conhecido Smiths e pouco antes de conhecer Velvet Underground, e apesar de eu ter gostado de “Bournemouth Runner” e “Mr. Pharmacist”, eu passei anos desprezando a banda, por achar tudo muito mal-feito, mal-arranjado, mal-tocado, mal-gravado etc. Somente com o passar do tempo é que fui passando a gostar do Fall, a ponto de há pelo menos dez anos essa ser minha banda favorita. A admiração e a identificação são totais. E a cada disco a devoção aumenta, a cada livro, vídeo, show que tive o prazer de ver/ter, fico mais fã ainda. As bandas Barins e Hallo Driver, que montei enquanto morava na Inglaterra, nada mais eram que um tributo a Modern Lovers, Velvet Underground e principalmente The Fall.

Ouça “Shoulder Pads 1#”:

MARIANA CETRA
“Pensar numa lista dos cinco discos que marcaram minha vida foi um desafio e tanto e uma viagem bem boa no tempo e na minha história. A música me acompanha desde sempre, causando calafrios, lágrimas descompassadas, sorrisos sem fim e sensações sempre inesperadas. O contato que tenho com a música vem da barriga da minha mãe, ou melhor, desde que fui concebida. Meu pai, um espectador de primeira, sempre colocou a casa pra dançar”.

Milton Nascimento e Lô Borges – “Clube da Esquina” (1972)
Esse é o disco que sem dúvida alguma marcou e marca minha vida até hoje. Quando criança ficava encantada com a capa e com o que esses dois meninos poderiam estar pensando. O vinil, imponente, e seu ruídos, me deixavam em estado de graça. O tempo foi passando, fui entendendo as letras, as melodias, as composições e esse se tornou o disco da vida. “Cravo E Canela”, na flauta doce, uma das primeiras músicas que toquei.

Ouça “Cravo E Canela”:

The Smiths – “The Smiths” (1984)
Eu tinha uma amiga gótica na escola que era completamente deixada de lado por todos os outros alunos. Eu ficava ali, no meio do caminho, sem entender direito porque a Juliana era deixada de lado. Foi ela quem falou de Smiths e me mostrou esse disco. Me apaixonei no ato, era diferente de tudo o que eu já tinha ouvido. “Hand In Glove” e “Still Ill” me deixaram tão sem ar que desde então eu uso bombinha (risos).

Ouça: “Hand In Glove”:

Cocteau Twins – “Heaven Or Las Vegas” (1990)
Não lembro como cheguei ao Cocteau Twins. Talvez pelos Smiths. Só sei que tudo fez muito mais sentido quando ouvi esse disco. Ouvir a Elizabeth Fraser era como estar flutuando, pisando descalça em pétalas de rosa. Encantamento, derretimento, vontade de cantar. Ainda sinto isso quando ouço Cocteau Twins. Depois de conhecer os outros discos, “Garlands” é meu preferido.

Ouça “Iceblink Luck”:

My Bloody Valentine – “Isn’t Anything” (1988)
U-la-la! Acho que fiquei repetindo isso umas 387 vezes quando ouvi esse disco. Sou retardatária, demorei pra conhecer muitas bandas que são as minhas preferidas hoje e que com certeza seguirão sempre comigo. My Bloody Valentine foi uma delas, fui ouvir pela primeira vez em 2002. Estava viajando e comprei o disco. Chegando no hotel coloquei no último volume. Nunca mais fui a mesma! Não é o meu disco preferido, gosto mesmo é dos EPs, mas foi o “Isn’t Anything” que abriu as portas e por isso tem um lugar bem especial na minha prateleira interna.

Ouça “All I Need”:

Wedding Present – “Bizarro” (1989)
Escolher o quinto disco dessa seleção foi uma tarefa difícil… Queria colocar também o “Alien Lanes”, do Guided By Voices, mas pesando aqui e ali, “Bizarro” ficou. Esse disco mexeu muito comigo. Descobri em uma época da vida em que estava conhecendo muitas coisas novas, me deparando com diversas possibilidades musicais e de vida mesmo. “Brassneck”, que é a faixa que abre o disco me causou sensações nunca sentidas antes. Pulei, fiquei estática, chorei, gritei, gargalhei… Tudo nos 4 minutos e 51 segundos da música. Depois veio todo o disco; David Gedge, sua voz, sua guitarra e composições. Disco pra vida toda, que me surpreende sempre, mesmo tendo ouvido umas 1.378 vezes.

Ouça “Brassneck”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: ruido/mm”.

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Comentários

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5 comentários

  1. Cara, é por isso que esse blog é o melhor. O My New Device tocou lá e adoramos o astral do bar. Parabéns pra Mari e pro Cesar. E cara, só tem disco bom aí, maravilhoso. E minha vida também mudou com os Smiths, eu também comprei esse greatest hits dos Beatles, na adolescência e eu também adoro o The Fall. São as coincidências do underground. abx, Rey

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