OS DISCOS DA VIDA: KID FOGUETE

Rafael Carozzi não é o Kid Foguete sozinho. Junto com ele, estão André Garbin (guitarra), Felipe Petroni (bateria), Pablo Turazzi Vilanova (baixo) e Piero Locatelli (sintetizador).

Mas aqui, o guitarrista e vocalista da banda dá uma boa ideia de como o quinteto paulista chegou a maturidade certa pra brotar os dois bons EPs “Asteroids”, de 2013, e “Pure Places”, de 2014.

Ok, pra saber mais, vale ler essa entrevistona que ele deu exclusivamente ao Floga-se, mas nessa edição de “Os Discos Da Vida”, Rafael conta, em memórias sonoras, como ele amadureceu musicalmente, passando pela sua primeira banda, sua aventura solo, até os dias de hoje.

Nos dez discos, Rafael se mostra como os tantos rapazes de sua geração, impactados com força pelo emo dos anos 1990, e adiciona a feliz descoberta de outras vertentes. Nessa mistura, cada um encontra o seu caminho e a música agradece.

RAFAEL CAROZZI

“Fiquei muito feliz quando fui chamado pra fazer essa lista. Sempre li as listas dos outros com um certo desdém, mas quando comecei a fazer a minha senti o porquê de tanta coisa ficar de fora. Só pra falar da minha formação musical em família, quando criança, já da mais de dez… Beatles, Pink Floyd, The Shadows, Secos e Molhados, Kiss, RPM, Ramones, A-ha, Joy Division, New Order, Sisters of Mercy, Bauhaus, Cocteau Twins, Devo, B 52’s, REM e por aí vai… Dez é pouco. Dez é nada. Depois de fazer três listas – que odiei – resolvi fazer um recorte mais específico… Sou compositor. Minha primeira música com letra foi feita quando eu tinha catorze anos, então resolvi listar os discos que fizeram eu mudar minha forma de FAZER música. Nem sempre são os preferidos, mas são os que tiveram o impacto na minha própria produção e que abriram portas pra outros estilos e possibilidades musicais pra eu explorar como artista. Dessa lista, somente o 1, 6, 8, 9 e 10 ainda transitam nos meus fones de ouvido junto com tudo que eles me apresentaram. O resto está com carinho na memória.”.

Black Sabbath- “Black Sabbath” (1970)
Esse disco é lindo do início ao fim. Por causa dele resolvi começar a tocar, por causa dele resolvi que tocaria guitarra (minha primeira era uma SG) e por causa dele – até hoje – não consigo compor confortavelmente em acordes maiores. Tommy Iommi inventou um jeito de fazer música, de sobrepor solos simples mas que vão direto ao ponto. Sem firula, sem frescura e sem a ponta dos dedos. Toda aquela mística, a voz do Ozzy dobrada em “Wicked World”, a coisa meio do mal, do diabo, o visual… Cara, eu tinha catorze anos, não tinha como isso não fazer parte do pacote.

Ouça “Wicked World”:

NOFX – “So Long And Thanks For All The Shoes” (1997)
Não foi o Primeiro do NOFX que ouvi, mas foi o que pegou. É tudo rápido, tudo agudo, e é tudo muito fino. As composições são muito bem feitas – tirando as babaquices de Fat Mike. Nesse disco aprendi alguns macetes bem importantes de tensão na música, algumas caídas de acorde que nunca falham – dá uma ligada em “Kids Of The K-hole” ou “The Desperation Is Gone”. O baixo na mesma nota por muito tempo, as quedas de meio tom. Nessa época eu ouvi muito HC e junto com o NOFX, Dominatrix era das coisas que mais tocava no meu discman. Na época, eu não sabia o quanto um era antítese do outro (risos). É um disco adolescente, mas ainda é forte pra cacete. Estou ouvindo enquanto escrevo e pensando “cacete, isso ainda é legal ou eu que tô aceitando coisa demais?”.

Ouça “Kids Of The K-hole”:

Dashboard Confessional – “The Places You Have Come To Fear The Most” (2001)
Sincero. Durante o colegial todo mundo tocava HC e eu simplesmente não tocava bem ou rápido o bastante pra alguém me querer em uma banda. Quando eu ouvi o que Chris Carraba estava fazendo sozinho usando afinações não convencionais pra encher mais o som, eu pirei completamente. Acho que passei quase um ano com o violão sempre desafinando procurando outras formas de fazer as coisas soarem. Uma influência tão forte que na versão acústica de “Lifeless Rock”, que soltei algum tempo atrás, eu uso uma afinação que descobri nessa época. Não é tão maneiro quanto falar que aprendi a experimentar afinações com Sonic Youth, mas é a verdade.

Ouça “Screaming Infidelities”:

Cursive – “Domestica” (2000)
Me desculpem os saudosistas de Sunny Day Real Estate e correlatos, mas pra mim, isso é a definição do emo. É lento, é pesado, é sofrido e se afasta mais do indie rock convencional do que os grandes clássicos do estilo, mas ainda se mantém integro. Tim Kasher fez um álbum sobre o fim de um relacionamento e dá pra sacar que a coisa é sincera. A desconstrução na intro de “A Red So Deep” era algo que eu nunca tinha visto na vida. Era tipo “cara, dá pra fazer mais do que você tá fazendo”. Nessa época, eu também ouvia muito Thursday e o primeiro do Coheed And Cambria. Esses três discos são, sem dúvida, a definição das influências do Sonora – minha primeira banda.

Ouça “A Rede So Deep”:

Polara / College – “Não Use O Termo” (2001)
Conheci Polara num vídeo da 100% skate que não tinha créditos pra música. Lembro de eu e um amigo procurando sem fim de quem era aquela música e não achando. Até que um dia, no Hangar 110, um amigo me levou pra um show de bandas que “eu ia curtir”. Era um show do Polara e do College – acho que tinha Hateen também, não lembro. “Não Use O Termo” baixou meus standards de produção e fez eu ver que se a canção é boa o resto é detalhe. Dá pra sentir a sinceridade das músicas, da maluquice e intensidade do Polara até a forma contida que o College colocava as emoções nas letras e caminhos que a música seguia. Do lado do Polara, “Pela Primeira Vez” é um clássico, é fina, é honesta e ainda dá pra se identificar com o que está sendo falado ali. Na verdade, cada vez mais dá pra se identificar. Com o tempo, fui percebendo o quanto o Carlinhos é um compositor importante. Tem muita honestidade em tudo. Do lado do College, “Saudade” e “Hoje À Noite” estavam mais próximas de mim na época. A forma como a nota é segurada por muito tempo no baixo enquanto as guitarras – super agudas – dançam pra todo lado até o hora em que eles caem pra nota de tensão… “Mas saudade é tããão – TENSÃO- ruim”. Já em “Hoje À Noite”, eu não consegui descansar até reproduzir tudo que acontecia nas duas guitarras… E, poxa… “pá pá para pá pá”. Daqui pra frente, ainda com o Sonora, a coisa mudou muito. Paramos com os gritos e exagero emocional que vinha antes e queríamos ser a banda que poderia estar no “Não Use O Termo”.

Ouça “Saudade” (College):

Cap n’ Jazz – “Analphabetapolothology” (1998)
Você tem noção que esses caras tinham quinze anos, o mundo inteiro cantava “here we are now, entertain us” e eles faziam essas músicas? É uma extensão direta do que o “Não Use O Termo” faz comigo, mas de uma forma mais intensa. Eles eram adolescentes, é um disco feito só de hormônios. Aqui foi a primeira vez que eu realmente comecei a me importar com as baterias nas minhas composições; virou um terror se baterista em qualquer banda que eu compusesse os sons, porque tinha que ser no mínimo tão maravilhoso quanto o que o Mike Kinsella fazia. Esse disco me fez conhecer os irmãos Kinsella e sua – enorme – produção artística. Fui pra American Football, Owen, Owls, Ghosts And Vodka, Joan Of Arc, Make Believe… Tudo lindo, tudo fino. Além disso, nessa época eu ouvia muito Braid, Burning Airlines, Karate e toda essa galera do tempo quebrado e guitarra com pouco efeito. De uma forma meio doida, na mesma época, conheci o “Tábua De Esmeraldas”, do Jorge Ben, e transitar entre os Kinsella, Minutemen e Jorge Ben sempre foi algo que fluiu sem dificuldades pra mim. Basta ouvir a bateria de “Errare Humanum Est”, do JB, e de “Bag Of Bones”, do Owen; ou ainda mais… ouça “Buldogue”, do JB, e qualquer coisa do Minutemen. Tim Kinsella é o único cara pra quem eu pedi um autógrafo na vida, e eu estava tremendo.

Ouça “Oh Messy Life”:

strong>Colossal – “Welcome The Problems” (2004)
Eu estava numas de math rock, iniciado pelos Kinsella. Ouvindo Faraquet, Medications, Jawbox, Dirve Like Jehu, Dismemberment Plan, Rescue (“Volume Plus Volume” é ótimo e não entrou por falta de espaço) etc… Mas quando eu ouvi Colossal a coisa ficou pesada. A grande diferenca do Colossal é que ele nunca é agressivo. As baterias – eram duas – são tão delicadas que as vezes nem dá pra perceber o quanto elas são quebradas. E então… Vem o trompete. Eu COMPREI E FIZ AULA DE TROMPETE por causa desse disco. falhei miseravelmente. Vale dizer que de todas as influências aqui citadas, Colossal é a menos transpareceu na minha música simplesmente por que eu não conseguia reproduzir nada parecido com o que eles faziam. Marco o fim do Sonora e início do Solo numa clara tentativa de deixar os sons mais complexos e cheios de camadas. Lembro que foi o ano em que comecei a morar sozinho, então nada de Internet, e a Paula – uma grande amiga – gravou um CDr com o disco e o EP dos caras. Foi tudo que eu ouvi por cinco meses, até voltar a ter Internet.

Ouça: “The Serious Kind”:

Sonic Youth – “Sonic Nurse” (2004)
Eu já conhecia Sonic Youth das noites de Lado B MTV, com meu irmão, mas o “Sonic Nurse” me fez entender a coisa. Eles precisaram limpar pra eu entendê-los sujos. O baixo da Kim Gordon – a mulher mais maneira do planeta – segurando infinitamente na mesma nota enquanto as guitarras ficam livres pra fazer o que quiserem. Esse disco tem o pouco-mais-de-um-minuto mais bonito da música ocidental. Em “Unmade Bed”, dos 1’54” aos 3’19”. Me ensinou que se você quer pirar na guitarra, tenha um baixo e uma bateria 100% coesos. Depois desse disco, voltei na obra deles e o SY se tornou uma das minhas bandas preferidas, além de abrir portas pra Yo La Tengo, Pixies, Smashing Pupkins, Husker Dü, Mercury Rev, Can, Faust, Pavement (difícil deixá-los fora, mas o disco que mudou foi o do SY e não um do Pavement), Gang Of Four, Minutemen, etc….

Ouça “Unmade Bed”:

Shocking Pinks – “Shocking Pinks” (2007)
2007 foi um PUTA ANO pra música, mas nada daquele ano me pegou mais que esse cara da Nova Zelândia que compunha e gravava tudo sozinho e lançou esse disquinho pela DFA. Foi ouvindo esse disco que nasceu a vontade de fazer algo sozinho pra ver onde ia dar; o que acabou resultando no “Asteroids”, do Kid, seis anos depois. Ouvir “End Of The World” – Do Shocking Pinks – e depois ouvir “Baby Cake” – do Kid – deixa bem claro o quanto a produção desse disco influenciou minha própria produção. Me abriu as portas do lo-fi de verdade, do DIY do jeito mais puro e descompromissado. Depois desse disco, eu fui descobrindo outras coisas, como Guided By Voices e No Age, que só foram afirmando mais um sentimento que já existia desde o “Não Use O Termo”: se a música é boa, o resto é detalhe.

Ouça “End Of The World”:

Weekend – “Sports” (2010)
Ouvir “Coma Summer” é ficar sem entender nada. Fuzz em tudo, modulação de grave, bateria de post punk, vocal de shoegaze… Está tudo ali. Foi o disco que me fez ouvir shoegaze de verdade. Ele decodificou o estilo de uma forma que ouvir qualquer outra banda do estilo ficou inteligível, Foi minha Pedra de Roseta pro exagero de fuzz e reverb., pras baterias retas e constantes (dando uma tensão só lá no fim do quarto compasso), pro vocal afundado em efeitos e o baixo segurando na mesma nota. Weekend fez eu voltar pra bandas como My Bloody Valentine, Slowdive, The Jesus And Mary Chain e Joy Division (sim, Joy Division, a cozinha do Weekend é completamente post punk); além de avançar pra coisas mais atuais como Nothing, Diiv e Echo Lake. Sem Weekend eu não teria entendido o “Pinkshinyultrablast”, do Astrobrite, por exemplo. Disco que, se essa lista fosse de onze, estaria logo depois.

Ouça “Coma Summer”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Macaco Bong”.

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