OS DISCOS DA VIDA: LOCOMOTIVA DISCOS

Acho que a loja de discos mais famosa do mundo, pelo menos pra quem tem entre 20 e 30 anos, é mesmo a de Rob Fleming, personagem criado por Nick Horby (e interpretado no cinema por John Cusack) no ultra-mega-indie “Alta Fidelidade” (1998).

Depois de ler esse livro, um bocado de gente que gosta de música talvez tenha sonhado em ter uma loja de discos, mesmo fracassada.

Não sei exatamente se esse foi o caso de Gilberto Custodio Junior e Marcio Custodio, que abriram a Locomotiva Discos no centro de São Paulo, berço das mais clássicas lojas da cidade (Woop Bop, Baratos Afins, Velvet etc), na Galeria Barão, na Barão de Itapetininga. Mas sua loja é daquelas que, como a de Rob, vira ponto obrigatório aos amantes da música, colecionadores, xaropetas e desocupados de plantão.

Vinil, CD, camisetas e quadros das bandas mais bacanas (na opinião da gente aqui do Floga-se), novidades, raridades, usados… É um parque de diversões pra quem gosta de garimpar, pra gastar horas olhando, conversando com os dois sobre música e coisas do tipo. É como dizem: é um programa das antigas, quando essa Internet aí não tinha dado as caras pra mudar tudo.

Porém, a loja se mantém atualizadíssima com os últimos lançamentos nacionais e da gringilândia. Ela vive nos nossos dias, mesmo com a Internet fungando no cangote (e até faz bom uso dela, no Facebook e no Twitter, aceitando encomendas e sugestões). Então, o que faz alguém querer ter uma loja de discos, nos nossos tempos bicudos, com jovens baixando tudo de graça na Internet?

A resposta poderia ser óbvia: “é, enfim, um bom negócio, com curva ascendente”. Mas não. Pra mim, a resposta está nesses dez discos que a dupla escolheu como aqueles que mudaram suas vidas. Da maneira apaixonada com que falam deles (muitos outros ficaram de fora), parece que a Locomotiva Discos é um lance natural.

Eles são dois abnegados aficionados pela música. E essas são suas preferências.

GILBERTO CUSTODIO JUNIOR

Metallica – “…And Justice For All” (1988)
O primeiro disco que realmente me impressionou como obra completa. Tinha uns 10 anos e ouvia (bem alto!) os dois discos de vinil sem parar, prestando atenção em todo e qualquer detalhe. Tenho até hoje e de vez em quando coloco pra tocar, numas de matar saudade.

Ouça “One”:

Sonic Youth – “Dirty” (1992)
O primeiro divisor de águas. Descobri o disco (e de tabela, o indie-rock) quando Fabio Massari fez um pré-lancamento no programa de radio, “Rock Report”. Gravei numa K7 e a princípio não gostei muito, mas a cada audição o disco melhorava bastante, até que fiquei completamente viciado e comprei o LP duplo, que tocou bastante na minha vitrola (talvez esse seja o disco que mais ouvi na vida). Hoje em dia tenho o vinil, o CD e a edição deluxe em CD.

Ouça “100%”:

Blueboy – “Unisex” (1994)
O segundo dividor de águas. Com esse disco descobri o indiepop. Ganhei a K7 de presente de um amigo (Cristiano Santos, do fanzine “Make No Sense”). Ouvi até gastar a fitinha. Aí, comprei o CD, que também ouvi bastante. Por causa desse disco comecei a ir atrás de outras bandas da Sarah Records e de toda cena inglesa do final dos anos 80. Banda que adoro intensamente até hoje.

Ouça “So Catch Him”:

Portishead – “Dummy” (1994)
Antes desse disco tinha certo preconceito com hip hop e música eletrônica em geral. Preconceito que foi por água abaixo assim que coloquei o CD pra ouvir pela primeira vez. Emblemático e maravilhoso. Espero que uma edição deluxe com vários remixes seja lançado em breve.

Ouça “Sour Times”:

Pelvs – “Peter Greenaway’s Surf” (2002)
Lembro como se fosse ontem: no inicio dos anos 90, entrei na Velvet Discos e “Loveless”, musica que abre esse CD, estava tocando. Perguntei o que era e surpresa! Tratava-se de uma banda nacional. Pelvs até hoje é minha banda nacional predileta.

Ouça “Loveless”:

MARCIO CUSTODIO

Pulp – “His’n’Hers” (1994)
Em 1992, eu tinha 12 anos e gostava de bandas de metal: Slayer, Sepultura, Mobid Angel. Esses caras faziam barulho de verdade e eu abominava qualquer coisa que não fosse pesada. Lembro do clip “There’s No Other Way”, do Blur, passando na MTV e eu tinha vontade de vomitar com aquela merda. O cabelo e a cara de idiota do Damon Albarn me irritavam bastante. No ano seguinte, comecei e gostar de Rage Against The Machine e Dinosaur Jr, e fiquei bravo comigo mesmo por gostar dessas coisas “pop”. Na minha cabeça, era inadmissível gostar dessas bandas. Mas fui sendo hipnotizado aos poucos… Fui fisgado. Então, já no final de 1993, meu irmão Gilberto chegou com um disco de uma banda chamada Pulp. A capa tinha uns tipos estranhos, bregas… Achei esquisito aquilo. Na MTV, eram exibidos shows do Radiohead e Suede direto… Aos poucos fui sendo menos cabeça dura… Até que um dia resolvi escutar aquele disco do Pulp. Foi um divisor de águas! “His’n’Hers” me apresentou um extraordinário mundo novo. Era extremamente pegajogo, hipnotizante. Era pop, sexy, dançante. E tambem era rock. Super simples, muito genial e muito viciante. Em poucas semanas eu já sabia de todos os detalhes do disco, de cada faixa, de cada rife. Foi sem sombra de dúvidas o álbum que escutei mais vezes na vida. Acho que fiquei dois anos escutando “His’n’Hers”, todos os dias. As pessoas na escola me zoavam por causa desse disco; fiz a besteira de mostrar uma vez na classe. Eles estavam tirando sarro de mim, e eu estava descobrindo um universo mágico, mas não conseguia explicar isso pra eles. Não tinha palavras pra isso. Em paralelo, estava descobrindo outra banda, que veio se tornar minha predileta…

Ouça “Lipgloss”:

Suede – “Dog Man Star” (1994)
Foi com esse disco que o Suede se tornou minha banda predileta, em 1994. Gostei muito do primeiro álbum, mas “Dog Man Star” se revelou algo muito mais introspectivo e profundo do que uma faixa de rock. Esse foi o primeiro disco da minha vida que escutava deitado na minha cama, olhando pro teto. Chegava da escola na hora do almoço, comia e ia pra minha cama refletir sobre a vida e escutar “The Two Of Us” e “The Asphalt World”. Todas as alegrias e frustrações da minha adolescência foram passadas pro “Dog Man Star”, e o disco passava de volta pra mim, tudo muito mais distorcido e confuso. Suede se perpetuou como a banda do coração aqui.

Ouça “The Two Of Us”:

David Bowie – “Hunky Dory” (1971)
Conheci Bowie já bem mais tarde, em 1998. Anos antes, eu tinha escutado uma vez “David Live”, e odiado. Que pena, pois esse disco ao vivo é a pior introdução para Bowie que você pode imaginar. Só mesmo em 1998 que um amigo me emprestou “Ziggy Stardust” e eu fiquei completamente apaixonado. Fui ficando viciado, comprando a discografia dos anos 70 do Bowie inteirinha, em três meses. Tinha que juntar cada centavo do meu salário de office boy. Valeu a pena. Escutei todos os álbuns desse periodo praticamente na mesma época, e o que mais me comoveu foi “Hunky Dory”. A fusão de folk e rock era inédita pra mim até então. Soberbo do inicio ao fim!

Ouça “Changes”:

Mercury Rev – “Deserter’s Songs” (1998)
Na mesma época, o Mercury Rev lançou essa obra-prima. Lembro que o álbum foi muito elogiado pela critica, mas eu conhecia uns fãs de Mercury Rev e shoegaze que odiaram esse disco, acusando-o de muito pop. Fui escutar e… BOOOOMMMM! Uma explosão de cores, planetas, melodias, viagens e galaxias se descortinaram na minha frente. Foi um baque. Se eu escutava o “Dog Man Star” deitado na cama olhando pro teto, com “Deserter’s Songs” eu escutava sonhando.

Ouça “Holes”:

The Flaming Lips – “The Soft Bulletin” (1999)
Esse álbum veio no ano seguinte, em 1999. Ele causou em mim sentimentos mais ou menos parecidos com os de “Deserter’s Songs”, só que mais colorido, mais lisérgico, mais alto e mais torto. Um disco com uma vertente experimental e de vanguarda, mas ao mesmo tempo extremamente melódico e pop. Depois disso a década de 90 acabou, vieram os anos 2000, os MP3 e os Strokes. E as coisas, de uma certa forma, perderam a graça.

Ouça “Race For The Prize”:

Na próxima edição de “Os Discos da Vida”, Single Parents.

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: My Midi Valentine”.

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