RESENHA: BELLE & SEBASTIAN – GIRLS IN PEACETIME WANT TO DANCE

Um disco político. Um disco pessoal demais pra Stuart Murdoch. Um disco desnecessário. “Girls In Peacetime Want To Dance”, o novo trabalho do Belle & Sebastian já foi chamado de um bocado de coisa. Porém, nenhuma descrição é mais precisa do que “o disco que irritou os indies“.

A peça está no nível de não ter agradado nem quem era simpático à banda, muito menos os tiozões do “rock de verdade”, tampouco aos hipsters.

Depois de três discos que fizeram merecer mais desconfiança do que meia dúzia de batidas eletrônicas e dançantes de agora, “Dear Catastrophe Waitress” (2003), “The Life Pursuit” (2006) e “Belle And Sebastian Write About Love” (2015), finalmente um quase acerto. Ainda é quase, mas é um quase que partiu de uma pequena ousadia, o que é digno.

Por partes. “Girls In Peacetime Want To Dance” não é exatamente um discaço pra entrar pra história, longe disso (se bem que com a história, essa imprevisível, nunca se sabe…). Nem mesmo é um disco ótimo, pra falar de boca cheia. Tem seus acertos e muitos equívocos.

A produção de Ben H. Allen III (Gnarls Barkley, Animal Collective) foi um dos erros. Daqueles primários e evitáveis. Mas é uma roleta, porque ninguém diria que seria um “fracasso” a junção com Tony Hoffer (nome que trabalhou com um bocado de gente legal, de Beck, Air, The Thrills e Silversun Pickups a Depeche Mode e Phoenix). Aqui, algumas escolhas de Allen III são discutíveis.

Na faixa de abertura, “Nobody’s Empire”, um bom exemplo. Murdoch fala sobre sua “síndrome da fadiga crônica” e declama bons versos, até que pergunta “If we live by books, and we live by hope, does that make us targets of gunfire?” e, por trás, ouve-se um “ra tá tá”. Tive que voltar algumas vezes o pedaço pra ver se não era delírio. O “ra tá tá” está ali. Quero crer que há uma explicação lógica e artística pra isso, mas só consigo me lembrar dos CDs de sambas de enredo do Rio de Janeiro, que colocam uns efeitos de raio laser quando a letra fala do futuro, som de bomba quando o samba pede pra “explodir” de alegria, e por aí vai.

Resisto à tentação do questionamento e lembro de Zózimo Barrozo do Amaral, que dizia que “brega é perguntar o que é chique e chique é não responder”. O Belle & Sebastian tem lá seu crédito pra uns escorregões.

Vídeo oficial de “Nobody’s Empire”:

“Allie” vem em seguida, como a se desculpar, repetindo à exaustão que “the tricks in your head are a lie”. É uma música de protesto, veja só: “Allie, what would you do? / When there’s bombs in the middle east / You want to hurt yourself / When there’s knives in the city streets / You want to end yourself / When there’s fun in your mother’s house / You want to cry yourself to sleep”.

Musicalmente, temos já a visão da solidificação do primeiro trecho do disco como algo que nos remete ao pop dos anos oitenta. É um disco dividido, como é o recente do Arcade Fire, “Reflektor”.

Ao contrário dos canadenses, que fizeram um disco conceitual, contando uma história, e igualmente dançante, a incomodar os fãs, o Belle & Sebastian parece querer apenas se divertir.

Um tripé se encarrega disso: Pet Shop Boys, Cindy Lauper e ABBA. A faixa de trabalho, “The Party Line”, a que irritou a turba de ouvintes que esperava o Belle & Sebastian “fofinho” e “indie”, tem um pouco de tudo. Da abertura a la ABBA à levada Pet Shop Boys, é só um pretexto pra se soltar mesmo.

“The Power Of Three” podia estar num disco qualquer do Arcade Fire e tem uma boa linha de sintetizador, mas há a produção de novo metendo a mão pesada no pastel brega oitentista. Exatamente o que acontece até o final dessa primeira parte, que se dá com a enjoativa “Perfect Couples”.

No meio, a música mais desnecessária da história do Belle & Sebastian, “Enter Sylvia Plath”. Pobre da poetisa, que não precisava dessa homenagem à la ABBA (que até o ABBA talvez tivesse vergonha de fazer). E há também a tristonha “The Cat With The Cream”, com envolvente arranjo de cordas.

“The Cat With The Cream”

Mas, fim. Se Murdoch e sua banda irritaram o fã histórico nessa primeira parte, cumpriram seu papel de expulsar os ingratos, e só quem chegou até aqui será recompensado. A pérola de “Girls In Peacetime Want To Dance” chama-se “Ever Had A Little Faith?”, uma belo exemplo de que aquele Belle & Sebastian dos “discos coloridos” ainda existe, com louvor. Batida leve, estalar de dedos, violão e uma melodia leve bem assoviável.

Quem conseguir evitar o “repeat” nessa faixa, encontrará dois casos de experimentação que a irritação ABBA-Pet SHop Boys da primeira metade do disco pode fazer o ouvinte nem tomar conhecimento. Em “Play For Today”, com vocal descolado de Dee Dee, das Dum Dum Girls, o Belle & Sebastian faz um pop balançante de batida ao estilo Paul Simon. Nem o excesso de sintetizadores tira o brilho. E em “The Book Of You”, apesar do cheiro de Cindy Lauper no ar, o trecho final oferece guitarras sujas e tropicalistas – sim, há guitarras no disco e os Mutantes agradecem a reverência.

Por fim, “Today (This Army’s For Peace)”, uma balada atolada em melancolia, cheia de clima, encerrando com um sorriso.

O Belle & Sebastian saiu da zona de conforto, tentou. Quem tenta, tem grande chance de errar, mas o acerto é valoroso, já diria qualquer livro de auto-ajuda. Se você enxergar o disco pelos olhos da ficha corrida da banda, poderá se frustrar logo de cara. Se você olhar pra capa e perceber que a breguice parece tão óbvia que só pode ser forçada e irônica, passará pelo trecho mais turbulento de “Girls In Peacetime Want To Dance” e de fato ficará em paz com o Belle & Sebastian.

NOTA: 6,0
Lançamento: 19 de janeiro de 2015
Duração: 61 minutos e 45 segundos
Selo: Matador Records
Produção: Ben H. Allen III

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