RESENHA: BIVOLT – BIVOLT

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No começo do que se entende por civilização, as construções eram de pedra. Nossos ancestrais deveriam construir por instinto, até que vieram as negociações, até que surgiram as moedas, as trocas, as negociatas, os investimentos, os sócios.

É claro, desses impérios destroçados restam histórias ou mitos, que são quase a mesma coisa, e o conhecimento de que estamos em um tempo muito avançado de uma história muito antiga que significa absolutamente nada. Ainda assim, de tempos em tempos, nós olhamos pra as histórias alheias e conseguimos extrair uma coragem oculta que estava escondida sabe-se lá onde. “Há algo em ação na minha alma, que eu não entendo”, disse Frankenstein quando, prestes a desistir, encontrou força em escombros alheios.

Já as peças imperecíveis transpõem o plano material pra criar uma espécie imediata de transcendência: são milagres de quem já nasce na cruz, de quem supera a hipocrisia pra contemplar o sol do meio dia. Os impérios modernos nem mais possibilitam os luxos das ruínas: sob o desígnio do capital, eles são fantasmas, impõem-se com outras opressões estruturais que reduzem a ação, já minimizada, dos sobreviventes.

Mas nossas gravações, mais avançadas devido à mesma tecnologia que perpetua um domínio fantasma, permitem que sejamos testemunhas das histórias de quem ainda não sucumbiu, de quem, diariamente, persiste em uma batalha cheia de suor, apesar das surras. São evidências que restam num mundo em constante processo de obsolescência. O disco homônimo de Bivolt traz narrativas que gritam pra serem testemunhadas, são vitórias concretas num mundo quase devastado.

Nos desperdícios de um universo de excesso, há uma peregrinação muito real que desenvolve afetos, relata histórias e, ainda, consegue convergir tudo o que vê além do horizonte em uma música passional que une o ideal ao que foi vivido, uma esperança que se constrói pelas passagens de quem está na selva.

Os sons dancehall trazem uma celebração de vida, de quem quer viver a história até o final, porque cada momento está aberto a uma transformação. São sons suaves que preenchem “Bivolt” como uma aprendizagem de alguém que já prosperou, mas cuja confiança a permite querer, sempre, outras vitórias.

Pelo nosso próprio estranhamento com a forma que o mundo se apresenta, a ânsia por liberdade se irmana a uma necessidade expressiva de quem não quer se esconder.

“Bivolt” busca na expressividade interna colorir as lacunas externas, em declínio desde que a civilização existe. Rodeia o ouvinte de um cuidado desculpado de quem não abaixa a cabeça pra covardes.

Embora “Bivolt” exista através das voltagens frenéticas e das mais suaves, elas se transpõem a uma corrente única de quem, em seu primeiro álbum, alça objetivos justificada e merecidamente ambiciosos.

01. 110v
02. Você Já Sabe
03. Me Salva
04. Murda Murda
05. Cubana
06. Mary End
07. Tipo Giroflex
08. Peixinhos
09. Susuave
10. Sigilo
11. Nome e Sobrenome
12. Freestyle
13. Hipnose
14. 220v
15. ⚡ (Bivolt)

NOTA: 8,0
Lançamento: 06 de março de 2020
Duração: 46 minutos e 10 segundos
Selo: Som Livre
Produção: Filiph Neo

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