RESENHA: CADU TENÓRIO – 孤立: ROOM MEMOIRS

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(ou diário da quarentena)

A conservação do espaço começa a desmantelar quando as memórias cedem a um jogo arbitrário que funciona, basicamente, por decomposição. Manchadas por uma vida póstuma, elas se deterioram em uma marcha confusa, em que momentos fragmentados se interpõem uns aos outros. Coisas materiais desmancham-se pra se tornarem uma parede que pode te enclausurar pelo resto da vida. Momentos e pessoas lembrados; pra se evaporar como todas as coisas evadem, gritando por liberdade e pra serem ejetadas, apagadas. Detritos do espaço que já foi povoado por eventos e pessoas. Agora, resquício de memórias perdidas em perambulações erráticas.

A conservação do espaço retorna pra lembrar de todas as coisas que você perdeu, como a voz fantasma em “Sun”; como se sua realidade fosse constituída de ausências e que tais desaparecimentos são a única presença concreta.

Enquanto as perdas constituem o espaço, este cômodo será sempre povoado por formas inverossímeis de um passado persistente. Caixas de VHS cujas fitas você não vê há anos, rascunho de desenhos cujos modelos você não lembra mais (eu lembro que eu tentei desenhar um perfil de uma amiga, mas quem era essa amiga?). Camisetas de bandas, bichos de pelúcia sem olhos, livros amarelados.

E o tempo perdido de uma vida irrastreável.

Quartos são como o espaço de uma biografia confusa, com pedaços que se misturam e de origem indetectável ou inexistente, dá no mesmo, que relata algo transcorrido: um evento, uma festa, um choro, um luto. “EndSerenading” comprado no discog em 2014, camisetas de bandas que pisaram no Brasil há mais de uma década. Transmissões de serviços de stream de qualidade duvidosa, preenchendo o quarto escuro com a insistente luz do computador (mais ou menos como em “Serial Experiments Lain”).

Um espaço que era divino quando criança, um conforto dentro de um mundo gigante e, por vezes, assustador. Espaços assombrados por objetos que não trazem ideia de futuro, a quarentena é um espaço abstrato cheio de nada, cheio de uma necessidade indizível da recomposição de um prólogo que pudesse esclarecer como cheguei aqui.

Divisões infinitas enquanto se observa a lua, “Room Memoirs” são faixas que sonorizam a ausência.

Todos os cantos se fecham e a memória é como um labirinto. Muito espaço pode significar sufocamento, uma claustrofobia por perceber que tudo tem um limite, que é possível se afogar no passado e ficar perdido ali enquanto os espectros desdenham.

NOTA: 8,0
Lançamento: 5 de abril de 2020
Duração: 36 minutos e 33 segundos
Selo: Ukiuki Atama
Produção: Cadu Tenório

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