RESENHA: FERNANDO MOTTA – DESDE QUE O MUNDO É CEGO

Somente o futuro dirá alguma coisa disso tudo que tá rolando. Fernando Motta fala sobre a sorte das coisas passadas relatando fatos sobre uma ótica recente, que não cessa de se reproduzir.

Pra além das letras narrativas, os enquadramentos de “Desde Que O Mundo É Cego” invadem o particular do compositor em instantes específicos num universo prestes a se desdobrar e que, hoje, são vistos como eventos definidores. A legibilidade desse procedimento é muito mais intuitiva, confesso – mas Motta realmente afirma questões e pensamentos grandiosos sobre um passado em comum. E apesar da distância relatada pelo músico, em um mundo de gritante diferença até com as pessoas mais próximas, ele mira num filete de sentimento dividido e exclui a ironia (tão comum em bandas nacionais independentes) pra relatar um caminho que mira na vitória.

Se a tentativa vai ser bem-sucedida não é bem o objetivo do álbum, mas demarcar uma vida que aposta nesse tipo de jogo apesar de tudo o que passou já pode, a seu modo, ser lida como uma vitória do músico.

Os exemplos de eventos-impactantes pululam no decorrer do disco (o fato narrado em “Futebol (Colônia De Férias)” é bem impressionante) e atingem um eu-lírico que anseia extrair algum sentindo maior de todas as merdas. É preciso levar em conta que os eventos que obscureceram a vida do compositor agora podem, reversamente, jogar algum tipo de barulho ou forma que o ajude a tatear e não se perder completamente nesse mundo obscurecido.

Há coisas das quais não se pode tirar nada e só resta relatá-las. Relatá-las tanto pra que se possa extrair algum sopro conciliatório com o desespero uma vez vivido. Por isso eu disse, no início, que só o futuro dirá alguma coisa. A consagração de um passado atravessa Fernando Motta em conflitos paralelos que solidificam (ironicamente) a instabilidade contínua narrada ao longo do disco.

Poderíamos ser tentados a jogar o jogo cínico da representação ou as palavras fáceis de autoajuda, mas só um mergulho vertical permite o reencontro conciliatório. O reencontro violento, do qual nunca se sairá o mesmo, do qual a morte é o resultado inevitável e os chãos e tetos ao redor não constituem uma estrutura confortável. É extrapolando o tempo, quase abdicando de orgulho, que Motta se apresenta em seu segundo disco, que advoga pela possibilidade de uma conciliação, com os vivos ou mortos.

01. A Noite
02. Impulso Pra Voar
03. Enxaqueca
04. Ela, Deus
05. Futebol (Colônia De Férias)
06. Entresono
07. O Perdão
08. Acolhimento (Cadafalso)
09. As Mortes
10. Meus Planos São Como Nuvens

NOTA: 8,0
Lançamento: 8 de novembro de 2017
Duração: 36 minutos e 47 segundos
Selo: Geração Perdida De Minas Gerais
Produção: João Carvalho

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