RESENHA: MY BLOODY VALENTINE – MBV

POR FAVOR, DESAFIEM KEVIN SHIELDS!

O disco existe. Uma das lendas (e piadas) recorrentes do pop mundial era este disco do My Bloody Valentine, o tal sucessor de “Loveless”, de 1991, o “melhor disco de todos os tempos”.

Kevin Shields é o tipo de cara que, por conta dos dois únicos discos lançados por sua banda (mais uma penca de EPs e singles e coletâneas), ganhou status de gênio. Ele talvez seja, sei lá, pouco importa. A despeito dos meandros da história e da cronologia, ele “inventou” um gênero, o shoegaze. Ou fez do shoegaze algo a se colocar no altar de muita gente.

Mas é um cara difícil também – talvez como todo gênio. Ninguém sabe ao certo como Shields pensa e é impressionante que ele tenha conseguido em tempos de Internet voraz segurar este novo disco, sem deixar vazar. Isso aconteceu, por certo, por conta de uma das suas características mais marcantes: ele é um faz-tudo recluso e perfeccionista que deve ter mudado tantas vezes estas composições, ou detalhes delas, que ninguém devia saber ao certo se elas de fato estavam acabadas ou se tornariam-se reais, palpáveis.

Nesse dia 2 de fevereiro de 2013, as piadas cessaram, a lenda se tornou realidade. Shields entregou seu disco, o sucessor de “Loveless”. As canções que estavam sendo trabalhadas se tornaram, enfim, palpáveis. O álbum se chama “mbv”, tem nove músicas. E ele de fato fez tudo sozinho, menos a bateria (que seu irmão Jimi Shields tocou nas primeiras etapas e depois Colm O’Ciosoig acrescentou em definitivo na reta final) e os vocais de Bilinda Butcher. O baixo ficou mais uma vez por conta de Debbie Googe.

Ao contrário do que muita gente pensa, o disco não demorou vinte e dois anos pra ficar pronto. Kevin Shields nem mesmo deve ter pensado em criar algo novo nesse tempo. Ele se divertiu tocando com os amigos por aí, como o Primal Scream.

O álbum começou a ser criado em 2008. Ok, cinco anos ainda é tempo demais. Entretanto, as ideias parecem ter vindo de lá, ou o recluso Shields, nesse tempo todo, pouco mudou sua concepção de criação musical (aliás, a banda se vangloria de não ter usado “nenhum processo digital” na gravação, algo que pouca diferença faz pro ouvinte médio).

Porque, a bem da verdade, “mbv” nada mais é do que uma continuação de “Loveless”. E se você é um dos milhares de cultuadores do “Loveless” é impossível não gostar de “mbv”. Porém, isso não é pouco?

Vinte e dois anos depois, era de se esperar que este disco fosse um tanto “genial” como o anterior, não dava pra fugir da expectativa. Mas não é. Longe disso. Vai é viver à sombra de “Loveless”, marcado por ter um antecessor tão importante historicamente.

Não que Shields não tenha tentado. Ele é matreiro: “mbv” sofre do mal da pouca unidade, só que o ouvinte atento perceberá que a disposição das músicas apresenta uma evolução dentro da própria obra. A primeira parte é “Loveless” puro, como se fossem sobras de estúdio daquela época, isso inclui a “estranha” “Is This And Yes”, totalmente Spacemen 3. Mas a partir de “New You”, cujo nome entrega o que vem pela frente, é um outro e curioso My Bloody Valentine.

Ouça “She Found Now”

Não se engane, ainda é um disco shoegaze melhor do que a horda de duas décadas de shoegaze que pintou por aí. A própria “New You” tem um suingado estranho. A cozinha lembra um tanto a malemolência malandra do Stone Roses, pra se ter uma ideia do caminha que estamos adentrando. É onde a bateria de Colm O’Ciosoig tem mais destaque e, consequentemente, onde Shields deve ter menos controle sobre o produto final. Faz sentido. Entretanto, lá pelas tantas, a música fica num ponto-morto de “tchu-tchu-tchus” e guitarras em loopings, que parece desnecessário.

“In Another Way” é a melhor música do álbum. Shields disse que esse disco era mais “estranho” do que “Loveless”. Talvez ele quisesse se referir a esse tipo de coisa. Ela é mais rápida e até mesmo mais pesada. Se “mbv” tem algo surpreendente, está nessa segunda metade e “In Another Way” é o carro-chefe. Mesmo assim, ela se estende mais do que o necessário, com a guitarra “suigando” e uma programação/sampler de teclado dando suporte atrás.

Ouça “In Another Way”

Nesse momento, a expectativa que o disco feche de maneira tão sublime quanto “Loveless”, como uma soberba da envergadura de “Soon”, vai se esvaindo. Mas depois de ouvir tantas vezes o disco, é preciso admitir: não se faz necessário e é bom que seja assim.

“Nothing Is” é instrumental e parece feita pra ser um exercício de aquecimento antes dos shows. Shields está experimentando equipamento e pistas de gravação ou só enchendo linguiça? E “Wonder 2” fecha a obra mais uma vez lembrando “Loveless”, mas com um final barulhento o suficiente, subindo bastante agudos e incomodando (no bom sentido). Cumpre bem o seu papel e ao vivo deve ser ensurdecedora.

Ouça “Wonder 2”

No final das contas, é possível analisar “mbv” sob duas óticas: a da expectativa por algo tão genial quanto “Loveless”; ou a dos “pés-no-chão”, sabendo que o momento histórico passou. Na primeira, a decepção parece o final óbvio. Na segunda, é possível admirar um bom disco, bastante acima da média do que se faz por aí no estilo. O My Bloody Valentine não foi superado por suas infinitas crias.

Não há nada de novo aqui, mas Kevin Shields também não foi pressionado, nem desafiado. Ele ainda está acima de todos. Infelizmente. Talvez o dia em que ele sentir desafiado, ególatra do jeito que parecer ser, tenhamos um “novo ‘Loveless'”. Não que seja necessário, mas aí a expectativa pode ser cumprida.

Por enquanto, temos um ótimo disco pra fãs. E só. Mas o “só” é o bastante.

É possível ouvir o disco na íntegra, clicando aqui.

1. She Found Now
2. Only Tomorrow
3. Who Sees You
4. Is This And Yes
5. If I Am
6. New You
7. In Another Way
8. Nothing Is
9. Wonder 2

NOTA: 7,0
Lançamento: 2 de fevereiro de 2013
Duração: 46 minutos e 37 segundos
Selo: Independente
Produção: Kevin Shields

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Comentários

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14 comentários

  1. Concordo plenamente. Alguns momentos são desnecessários e o Shields poderia perfeitamente inovar e não fazer um Loveless novamente. E estão presentes no disco as enrolações do Loveless.

  2. Uma das características do MBV presentes em Loveless e que conquistou os fãs sempre foi a repetição infinita de loops de guitarra (vide “I Only Said”, “What You Want”, “Soon”, para não citar quase o álbum inteiro). Sendo assim não entendo a surpresa com as partes que o autor da resenha julga “desnecessárias”.

  3. Acho que vocês tão tudo chato. O novo disco não é uma obra-prima porque não teria como isso acontecer. Ela já aconteceu com Loveless, e isso basta.

  4. Perfeitamente, inclusive a sua decepção com o disco nas entrelinhas, que talvez não tenha percebido que exista. E minhas sinceras desculpas se você se ofendeu pelo chato, é que não julgo a chatice um demérito, alguns críticos até recebem isso como um elogio. Não tive a intensão de agredir e o comentário não foi direcionado a alguém em específico.

  5. Não! Pode me chamar de chato hahaha Sem problemas. Não ligo, não. É que aparentemente, você não entendeu que eu GOSTEI do disco. Deixei explícito isso. Falo que o disco é bom. Não é decepcionante, a não ser que se esperasse “um novo Loveless” ou outra “invenção da roda”. Mas, por outro lado, não é genial. Só é bom – e é melhor do que tudo o que o shoegaze produziu nos últimos 22 anos. Isso tá claro. Por isso, o seu comentário me pareceu claramente de quem não entendeu o que eu escrevi.

  6. Enfim, gosto muito do trabalho de vocês aí, é que gostei muito do novo disco, me enquadro na segunda ótica. MBV é nota 10 na minha opinião, já que eu não esperava uma nova obra-prima. Abraço.

  7. […] Não que essas resenhas não estejam erradas em apontar tudo isso, porque é o que de aconteceu, de certa forma. Mas quem ouviu as canções que Shields compôs para a trilha de “Encontros e Desencontros” em 2003, deveria estar preparado para a noção de que o cara não estava interessado em expandir os horizontes de sua música shoegazer. Então mesmo com os sutis “desvios de conduta” do chamado “lado B” do disco – que vai de “In Another Way” ao final, em “Wonder 2″, onde o músico flerta com batidas mais levemente suingadas, riffs em loop e base pré-programada sob um turbilhão de reverb – ainda assim tudo é My Bloody Valentine puro, e logo, é basicamente um excelente disco para fãs. […]

  8. CARA A PALAVRA “LOVELESS” FORAM ESCRITAR 11 VEZES NA RESENHA DE UM ÁLBUM
    QUANDO VOCÊS VÃO PARAR DE COMPARAR TUDO COM LOVELESS?

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