RESENHA: TÚLIO FALCÃO – IO

O enigma de “Io” é profundo, à medida em que ele não se elabora através de artifícios. Reduzindo: se algo não se contradiz, não é um enigma. Enigma, também, porque é notoriamente impossível de ser descrito (movimentos contrários anulam qualquer descrição homogênea). O som é algo lindo e ele merece certo fascínio. Certa indeterminação. “Io” é um espaço sonoro, uma habitação cujas reverberações formam um terreno. Nós estamos nas vibrações. Nós podemos ser o enigma também.

Na ausência de um mundo instituído, o que se instala são impressões difusas, fantasmagóricas. As impressões são os olhares, o fascínio e o suspense; hesitar ante um som é lhe dar toda configuração de entidade. Não é uma composição em nível técnico mas também não uma decomposição. Parece-me os sons registrados antes de uma estruturação do que possa ser “música”. Intui-se presenças (o som como entidade, novamente) que criam uma tensão ecossistêmica. É a excelência sonora que estabelece uma condição de interação. É uma intuição humana (de Túlio Falcão, no caso) que cria um campo próprio.

A própria unidade sonora faz notar a falta de uma especificidade operacional. Não há, em absoluto, algum método aqui. Estranho falar de natureza em algo que pode soar, à priori, como mecanicista. É porque o desnudamento completo nunca abre mão de ser o enigma. E se aqui não temos todo o descobrir possível, caminha-se obstinadamente nesta direção. “Io” é que caminha fora das instâncias dadas em busca de sonoridades extremas e verdadeiras. A dissonância, os ruídos e uma espécie de martelada contínua harmonizam uma questão que não se deve obter resposta. Mas sim morar no próprio elemento do questionamento. Qualquer domesticação estabeleceria um domínio técnico e a técnica per si destitui o elemento enigma. Percebe-se a presença dos sons e é nesta imposição que devemos nos atentar. É uma espécie de expressão cujas ferramentas não são consultáveis em um índice.

É como se o som fosse um vivente e em seu olhar profundo podemos compartilhar alguma espécie de atravessamento. Isso quer dizer que há alguma vida que pulsa segredos ainda não revelados. Túlio Falcão nos introduz em uma experiência de criação e interação. É, em alguma medida, um reflexo de partes ocultadas. Um reflexo da aparição de partes descativadas.

1. Io

NOTA: 8,0
Lançamento: 10 de novembro de 2016
Duração: 37 minutos e 04 segundos
Selo: Seminal Records
Produção: Túlio Falcão

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