RESENHA: YO LA TENGO – FADE

A VIRTUDE SEMPRE VENCE

“Nada se mantém na mesma”, o Yo La Tengo canta logo na abertura, na sensacional “Ohm”: “às vezes, os maus ficam por cima, às vezes os bons perdem, tentamos não perder nossos corações, não perder nossas mentes”.

O tom pessimista é um engano. Ira Kaplan e a esposa Georgia Hubley, com James McNew, são realistas. Tocam juntos desde 1992 (mas a banda foi criada em 1984), estão descolados com qualquer promessa e qualquer expectativa com relação ao trabalho deles.

“Fade” é o décimo terceiro disco de estúdio do Yo La Tengo, o primeiro com John McIntire (Tortoise e The Sea And The Cake) na produção (Roger Moutenot havia produzido os sete últimos trabalhos da banda, incluindo dois dos mais cultuados, “Electr-O-Pura”, de 1995, e “I Can Hear The Heart Beating As One”, 1997). Mas é outro engano acreditar que o tom reflexivo e puro de “Fade” se deve a ele. Talvez o disco fosse o mesmo com outro capitão.

Isso porque está claro nas letras o quanto Kaplan e Hubley se entregam. É o que eles queriam dizer de qualquer forma. E musicalmente, bem, é aquela enciclopédia do que se atribui hoje o malfadado rótulo de “indie music”. Grande parte do que se ouve hoje em fones de ouvidos hipsters, com as bandas mais “modernas”, meio que surgiu aqui (e do REM, dos Smiths e do Nada Surf também).

“Ohm” é uma abertura sedutora, mesmo com uma bateria clichê, tem um clima elegante e uma das únicas a abrir espaço às distorções. Quase sete minutos de demonstração do que o Yo La Tengo é capaz. “Is That Enough” é uma balada derrotista, que ganhou uma bela orquestração: “andei pensando nas coisas que fizemos / não tenho certeza de quando e como nós fomos enganados / e se é que isso importa”.

Ouça “Ohm”:

“Well You Better” poderia estar em qualquer disco considerado bom do Belle & Sebastian, mas não tem nada de muito fofo. Avisa insistentemente pra você “fazer sua cabeça por conta própria, antes que seja tarde demais”. É um conselho de quem já tá aí há quase trinta anos vendo de tudo e tomando porrada.

“Paddle Forward” eleva um pouco o tom da guitarra, mas nada que se aproxime do noise. É a mais Yo La Tengo do disco – e os recados continuam sendo passados: “por dentro, estamos salvos”.

Aí, chega-se a “Stupid Things”, uma canção tão melancólica quanto bonita, onde quase é possível sentir a dor de Kaplan ao cantá-la. Ela fala de amor, mas fala da carreira, que se confundem, enfim. É sobre o cansaço de enfrentar os obstáculos (“Pela estrada esburacada / Eu ainda podia alcançá-la / E isso tira o meu fôlego”) e sobre o alívio de ter feito a coisa certa, por mais estúpidas que pareçam determinadas atitudes.

Ouça “Stupid Things”

A bela balada “I’ll Be Around”, que se apresenta como se fosse um solo, não tem bateria e é o jeito Yo La Tengo de harmonizar as coisas: microfonias constantes, lá no fundo, podem incomodar ouvidos pouco versados. A mesma tática está em “The Point Of It”.

Kaplan dá espaço pra esposa em “Cornelia And Jane” e é a vez de Hubley se entregar numa balada, que é mais classuda, tem uns sopros, uma certa sensualidade.

Apesar de parecer tudo muito sério e sombrio, como se fecham as almas em tempos de reflexão, o trio está solto, leve. Parece contraditório no contexto do disco, mas “Two Trains” é encarado como uma espécie de desafogo, uma brincadeira. Entretanto, não está deslocada no todo.

Eis que a banda resolveu fechar “Fade” com a soberba “Before We Run”. Se o disco é uma declaração de resistência – no amor e na carreira – a canção é o resumo de tudo, juntando a bateria quebrada de “Ohm”, os sopros, o vocal doce, a guitarra suave que se viram em todas as outras canções, pra soltar o manifesto final de resistência: “segure-a em seus braços, fique firme, pressione / eu a seguro nos meus braços antes da gente correr / podemos começar a cantar, eu sei que é estranho / fazemos tudo isso, e então fugimos / fugimos do fim”.

“Before We Run”

“Fade” sugere mudanças, sugere pessimismo, sugere melancolia. Mas é o contrário. O Yo La Tengo está acima dos obstáculos que a vida colocou diante da banda. Se o trio nunca encherá estádios e provoca bocejos em indies festivos, não parece ser um problema. Ou, como se repete em “Ohm”, como um mantra, viver tudo isso “tem sido divertido”.

Com a maturidade exposta aqui, o que desapareceu foi o aparente incômodo de ver o sistema jogar contra a banda disco após disco, ano após ano. O que não irá desaparecer e irá perdurar é a qualidade desse disco.

No fim, o que fica é uma mensagem de otimismo: a virtude sempre vence.

NOTA: 8,0
Lançamento: 15 de janeiro de 2013
Duração: 46 minutos e 11 segundos
Selo: Matador Records
Produção: John McEntire

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