SWANS NO VOLKSBÜHNE, BERLIM – COMO FOI

Morar na Europa tem trocentas vantagens que enumerá-las, comparando com o Brasil, é meio chover no molhado. Mas uma dessas vantagens é poder se deparar a qualquer momento com a possibilidade de poder ver um show do Swans. E essa é uma vantagem que supera qualquer outra vantagem que você use como argumento pra justificar que “morar na Europa é melhor do que morar no Brasil”.

Pedro Oliveira, a mente por trás do ótimo I Buried Paul (ouça o discaço aqui), mora na Alemanha e se viu diante da possibilidade de ver Micheal Gira frente a frente desfilando sua arte, em alto e bom som – muito alto, é bom frisar.

Em Berlim, na noite do dia 28 de maio de 2013, Pedro conseguiu realizar a vontade da maioria dos brasileiros que apreciam noise e que se espantaram com demência sinfônica do excepcional “The Seer”, de 2012 (eleito por muitas publicações, o melhor disco do ano): viu o Swans ao vivo e sobreviveu pra contar. Não deve estar ouvindo muito bem agora, mas o cérebro e a alma estão renovados.

Uma pena que do lado de cá da Linha do Equador os ouvidos sigam virgens de tal experiência.

CONFESSO QUE TEMI PELOS MEUS OUVIDOS
Texto e fotos: Pedro Oliveira

Berlim é uma cidade que cada vez me fascina mais. Além de estar vivendo num dos pontos centrais da história moderna ocidental, o que mais me deixa empolgado é o fato da cidade ferver com possibilidades culturais. A quantidade de shows e concertos por aqui chega a ser exaustiva, com danos ao bolso e ao sono – e é quase um trabalho de “curadoria pessoal” escolher o que ver, quando e por quanto, pra que tudo caiba no orçamento e não atrapalhe o trabalho.

Quando o anúncio do show do Swans em Berlim apareceu nas dezenas de listas e newsletters de concertos que assino (talvez nesse caso seria a ignorância uma bênção ou um arrependimento futuro?), fiquei como um louco esperando a pré-venda se iniciar. Era um show que eu não perderia em hipótese alguma – tanto por ser uma das minhas “descobertas recentes” mais interessantes (sim, eu comecei a ouvir Swans há uns três anos, no máximo), mas também por ter visto meia dúzia de vídeos e ouvido outra meia dúzia de relatos sobre a experiência física e mental que é um concerto da banda.

Comprado o ingresso (que aqui entra na casa de “médio porte”, ou seja, com valores em torno de 25€) e finda a ansiedade pro dia chegar, a terça-feira de primavera amanheceu fria e chuvosa – um clima talvez apropriado?

Estava ansioso também pra conhecer a Volskbühne, um dos teatros/casa de concertos mais famosos de Berlim, situado em Prenzlauer Berg (bairro que era parte da antiga Alemanha Oriental), de arquitetura moderna e palco de muitos dos protestos pacíficos que culminaram na queda do muro em 1989.

Por ser um teatro, o palco da Volksbühne é relativamente baixo e cadeiras ocupam todo o salão principal, de formato arredondado e exatamente no centro do prédio. Com a abertura do salão pontualmente às 20 horas, conseguimos um bom lugar na terceira fila e no centro, nos acomodamos e esperamos o show começar tranquilamente.

A banda de abertura era a Larsen, que apesar do nome norueguês mais tarde fui descobrir ser 80% italiana e 20% americana. Não os conhecia nem de nome, mas um amigo que foi ao concerto conosco disse se tratar de uma banda de “noise pop”, o que quer que isso signifique. Com quatro instrumentistas na casa dos seus quarenta e muitos anos e uma vocalista que aparenta mais de sessenta, o show começou com uma textura interessante criada por sintetizador, glockenspiel, guitarra com e-bow e lap steel. Aos poucos, a vocalista, apoiada numa bengala, foi se soltando e ensaiando uns passos de dança no melhor estilo Thom Yorke, e sua voz era impressionante, uma mistura de diva do soul com Tom Waits, difícil de explicar.

O show da Larsen foi uma grata surpresa: os músicos eram extremamente talentosos e versáteis, alternando instrumentos a cada música e a vocalista era um caso à parte, um personagem interessantíssimo que improvisava linhas vocais com um pedal de loop, declamava palavras lentamente e usava e abusava das dancinhas. A banda tocou por 45 minutos e deixou o palco sob aplausos bem empolgados.


Rapidamente o palco começou a ser arrumado pro Swans, e os músicos foram tomando a cena e fazendo os últimos ajustes no som. O que chamou mais a atenção foi o fato da guitarra de Michael Gira, ao ser ligada rapidamente, se mostrou regulada num volume no mínimo três vezes mais alto do que a banda de abertura. Confesso que nessa hora temi pelos meus ouvidos.

Os músicos deixaram o palco vazio e após alguns minutos as luzes baixaram e eles voltaram. Indo contra os insistentes pedidos de um amigo que os havia visto quatro ou cinco vezes, resolvi experimentar o show sem proteção auricular. O show começou com um crescendo coletivo de uma nota só, acompanhado pela bateria e por um ostinato de xilofone tocado com arco de violino e delay; aos poucos, o crescendo ficou relativamente alto, porém conforme Gira se agachava e levantava ritmadamente, “ondas” de notas abertas e pratos criavam um vai-e-vem de volume e textura. Repentinamente, Gira chuta o ar e assim que sua perna toca o chão a banda explode numa nota grave e absurdamente alta, e nela fica por quase um minuto. Gira chuta o ar de novo e o ritual se repete. De novo e de novo, testando os limites da platéia. O volume beira o intolerável mas eu não me rendo – porque sei que vai ficar pior.

O caos se organiza um pouco e Gira vai ao microfone, começando a recitar as palavras soltas do que eu, por ter visto setlists dos últimos shows, sabia se tratar de “To Be Kind”, uma música nova. Em determinado momento, Gira sai do microfone e canta pra platéia sem amplificação, acompanhado novamente pelas “ondas” de caos da banda – nessa hora, confesso, meu peito apertou e senti vontade de chorar. Ao final, Michael agradece em bom alemão e brada “kommt nach vorne” ordenando à platéia sentada a chegar perto do palco e ter a experiência completa.

Não vou obviamente descrever o show todo neste nível de detalhes, mas quis ressaltar este começo porque pra mim, pessoalmente, foi incrível. Foi extremamente catártico e esteticamente lindo. Mesmo. Gira e os músicos, perdão pelo clichê, se entregam totalmente no palco, num show que se pra platéia já é fisicamente exaustivo, imagino pra eles. Não é incomum ver Michael Gira urrando sozinho no palco, longe do microfone e dos ouvidos da platéia, enquanto a banda constrói muros de notas sobre notas e ruídos sobre ruídos até o limite da dor física, se exaurindo de quaisquer demônios que estejam habitando o palco. Gira pula, grita, dança, exorcisa, xinga os outros músicos, mexe em seus instrumentos e rege a banda quando quer que toquem mais alto, mais baixo ou simplesmente que continuem no mesmo ostinato por quase trinta minutos sem parar.



Um dos grandes destaques da banda talvez seja o percussionista, Thor Harris, que além de pratos, caixa e glockenspiel também tocou violino, dulcimer, trombone e clarinete. O baterista Phil Puleo é um verdadeiro herói, literalmente esmurrando as peças da bateria e sendo provocado por Gira o tempo todo – não foram poucos os momentos em que o baterista sinalizava o fim de uma parte exaustiva, pra ser imediatamente ordenado a continuar indefinidamente. Norman Westberg e o alemão Christoph Hahn, guitarra e lap steel respectivamente, contribuem com texturas e acordes incidentais que ampliam o espectro de possibilidades sonoras dentro da massa grave da guitarra de Gira (uma bela Gibson Lucille) e do baixo de Chris Pravdica.

Pra mim, a abertura acima descrita, “Coward” – que parecia um soco na cara de tão agressiva –, e a parte final de “The Seer” – onde frequências agudas tomaram o espectro sonoro dominado pelos graves – foram os pontos mais altos do show. Não obstante, não consigo traduzir em palavras a magnitude da performance do Swans. A impressão que tive é que se trata realmente de uma experiência de entrega, de verdade artística e de uma anarquia musical magistralmente orquestrada. Gira se dirige à platéia sempre chamando o público de “crianças”, e mesmo em meio a senhores, adolescentes e todo o tipo de gente esquisita que habita essa Berlim, perto da sinfonia e da experiência que Michael criou naquele palco durante quase três horas, tenho certeza que nos sentimos todos meras crianças, com muito o que aprender.

1. To Be Kind
2. Just A Little Boy
3. Coward
4. She Loves Us
5. Oxygen
6. The Seer
7. Toussaint Louverture Song

Veja a banda tocando “Just A Little Boy”:

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Comentários

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Um comentário

  1. “a banda constrói muros de notas sobre notas e ruídos sobre ruídos até o limite da dor física, se exaurindo de quaisquer demônios que estejam habitando o palco” – Perfeito. Sensacional o relato.

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