SWU 2011 – COMO FOI

Há uma série de desafios pra fazer um festival do porte que o SWU se propõe. Certamente um que jamais será resolvido é agradar a todos. Impossível. Nem mesmo o Planeta Terra, muito menor que o SWU e pensado sob medida pra adolescentes histéricos, consegue unanimidade. O SWU tenta melhorar, é visível.

A começar pelo local. Da Fazenda Maeda, em Itu, local da primeira edição, em 2010, pro Parque Brasil 500, em Paulínia, também interior de São Paulo, foi um salto de qualidade indescritível. O local é aparentemente maior, e ficou mais bem estruturado: mais banheiros bem localizados, circulação melhor entre um palco e outro, poucas filas nos caixas e nos bares, espaço amplo e distribuição inteligente dos pontos de interesse.

Por outro lado, os desafios continuam. Comprar cerveja com ficha é quase um martírio. Com dinheiro, é mais fácil e, óbvio, mais caro. Os banheiros continuam impraticáveis de sujos. O camping sofreu absurdos, segundo relatos, como corte de água (depois das dez da noite), truculência de segurança e furtos, ou outro ponto crítico. Roubos e furtos foram um problema constante nos três dias.

Há a matéria transporte, que num país sem infraestrutura como nosso sempre é problemático. O festival tem a bandeira da sustentabilidade e até tenta dissuadir o público a ir de carro, cobrando o absurdo de R$ 100,00 de estacionamento (R$ 50,00 se o carro tiver quatro pessoas) num local inapropriado – com a chuva insistente que caiu desde domingo, o atoleiro foi geral e as reclamações idem.

Fazer com que as pessoas não se desloquem até lá de carro é uma missão especialmente complicada quando não se oferece alternativa decente de transporte. Ônibus saindo de São Paulo a R$ 24,00 (arredondando) oferece aos usuários um resultado cruel matematicamente: ida e volta acaba sendo o mesmo preço do estacionamento pra quatro pessoas. Por que não, então, ir de carro, já que ônibus oferecem além de desconforto e filas inconvenientes, a impossibilidade de itinerários diretos (pra quem tá cansado isso é urgência)? A necessidade de pensar o deslocamento de tanta gente é primordial.

Tudo isso, porém, é irrelevante quando se trata do lineup. Um bocado de gente reclamou do insosso rol de artistas que se apresentou em Paulínia. Mas há de se considerar uma esperteza da organização nesse ano, ao dividir os três dias de festival em “estilos” diferentes, como é praxe no Rock In Rio.

O pop do primeiro dia, com Black Eyes Peas, o chatíssimo Kayne West e o malandrão Snoop Dogg, aglutinou o pessoal mais bronzeado e carnavalesco do SWU, evitando o encontro com os sempre xiitas amantes do grunge, que predominaram no dia 14, e com o público “de mais idade” que abasteceu o dia 13.

É óbvio que os públicos diferentes de cada dia tenham execrado as atrações dos demais dias. Por outro lado, as próprias bandas não contribuíram. A lista do dia 12, o mais pop, culminou em shows chatíssimos, incluindo no New Stage, onde presumia-se deveria haver uma cota de ousadia. Mas no momento em que Miranda Kassin, Copcabana Club e Matt & Kim forem “ousados”, é melhor fechar as portas. Tanto que o Matt & Kim, aparentemente, se divertiu mais do que o próprio público, que pequeno, viu Kim rebolando a bundona nas mãos do pessoal do gargarejo, num artifício matreiro pra disfarçar a falta de talento evidente na própria música.

Domingo foi, ao menos, agitado – pelo menos em parte. Teve a briga do Ultraje A Rigor com os roadies do Peter Gabriel, com direito a troca de socos e “Filha da Puta”, cantada em coro, em homenagem aos gringos. Tudo culpa da coadjuvante inconveniente do festival, a chuva, que fez atrasar a entrada dos brasileiros e irritou a turma de Gabriel. E o show do Ultraje, como previsto, foi divertidíssimo, incluindo aí o epílogo com os roadies desligando dos amplificadores da banda brasileira em plena “Marylou”.

Teve a Courtney Love espantando até mesmo fãs com suas atitudes orquestradas de pseudopunk-ou-sei-lá-o-quê. Falou demais e tocou de menos. Teve o seu topless de praxe, teve piti por causa da foto do Kurt Cobain e a certeza de que a carreira de atriz ainda é seu melhor rumo. O Hole agradou poucos.

Teve a maior frustração do festival, pra muita gente: o cancelamento do show do Modest Mouse. A explicação: os instrumentos não chegaram a tempo. De acordo com o comunicado oficial divulgado pela banda: “a empresa contratada pra transportar seus equipamentos não conseguiu entregá-los no tempo necessário e o material permanece em trânsito. O Modest Mouse está extremamente desapontado, pede desculpas a seus fãs e vai tentar marcar outro show no país, em breve”.

Ninguém nem mencionou devolução do dinheiro dos ingressos.

Teve o Duran Duran, com seu espetáculo oitentista, ideal pros saudosistas e num show muito melhor do que o apresentado no Via Funchal três anos atrás. São muitos hits, charme e domínio total da plateia. O setlist foi sob medida, sem correr riscos, e agradou seu público, além do povo que esperava pra ver a grande atração da noite, Peter Gabriel.

Peter Gabriel. Alguém poderia explicar o motivo dessa escalação. É o anti-clímax total. Depois do Duran Duran, depois da chuva que caiu insistentemente durante todo o dia, um show frio e absurdamente deslocado. Mas falo isso tendo visto pela tevê. Lá, de perto, olhos nos olhos, uma orquestra faz toda a diferença. Será que fez?

Ao menos, domingo teve a surpresa dos mascarados do Is Tropical e seus barulhinhos interessantes, vistos e ouvidos por quase ninguém, e do !!!, com um vocalista insanamente despirocado. Há quem diga que depois disso, era possível ir pra casa com o preço do ingresso já recompensado.

Fui ai SWU apenas no dia 14, segunda-feira, pra ver especificamente Black Rebel Motorcycle Club, Black Angels e Sonic Youth. Definitivamente, valeu muito a pena, incluindo aí os perrengues relatados acima, na parte da organização (lama até os ossos), e a certeza posterior de que o show do Faith No More valeria também o esforço maior, apesar da hora avançada e do castigo intermitente da garoa-depois-chuva e da cerveja quente.

O Black Rebel Motorcycle Club começou a tocar com dia claro, mas de forma pouco eficiente, com “666 Conducer” e “Berlin”. Mas logo, a redenção, com “Beat De Devil’s Tattoo”, “Bad Blood”, “Ain’t No Easy Way”,
“Love Burns” e “Conscience Killer”, numa sequência que já valeria o show.

Apesar dos chuviscos, o público era bastante grande pra ver BRMC, com coro e muitas canções.

A banda, claro, colabora, muito por conta da potência de Leah Shapiro na bateria. A moça foi centro das atenções. Incansável, dava um peso extraordinário às canções. E a audiência percebeu isso de imediato.

Até canções como “Ain’t No Easy Way”, do brilhando “Howl”, de 2005, uma mistura eficiente de Jesus & Mary Chain com Bob Dylan (valeu Elson!), deixou o DNA acústico de lado pra assumir sua pacadaria.

O saldo das treze músicas e uma hora de show foi um sorrisão na cara dos fãs – e nem todos usavam jaqueta de couro: os grunges também se renderam.

Setlist Black Rebel Motorcycle Club:
01. 666 Conducer
02. Berlin
03. Beat The Devil’s Tattoo
04. Stop
05. Bad Blood
06. Ain’t No Easy Way
07. Love Burns
08. Conscience Killer
09. U.S. Government
10. Six Barrel Shotgun
11. Weapon Of Choice
12. Spread Your Love
13. Whatever Happened To My Rock’n’Roll (Punk Song)

Veja o vídeo de “Conscience Killer”:

Veja o vídeo de “Spread Your Love” e “Whatever Happened To My Rock’n’Roll (Punk Song)”:

O Black Angels era meu alvo principal no SWU 2011. O space rock hipnótico do quinteto estadunidense valia a viagem, sem dúvidas. Apesar da chuva que apertou exatamente nesse momento, e da concorrência desleal do Sonic Youth, que começou sua apresentação no terço final do Black Angels, não houve decepção aqui.

A banda já tem três discos no currículo, mas ainda parece bem novata no palco, principalmente quando enfrenta um público desconhecido, como o brasileiro. Falando pra pouquíssima gente (quase ninguém conhece a banda por essas praias), consequentemente sem nenhum hit pra uma aproximação amistosa, o Black Angels teve que contar com a eficiência hipnótica que suas músicas têm.

“Bad Vibrations”, “You On The Run” e “Telephone” garantiram boas respostas do público, que olhou bem ao redor e diante da chuva, da lama e do cansaço viu-se no cenário perfeito pra esses ruídos e microfonias e delays que aquecem a alma. Quem não conhecia, certamente se surpreendeu e vai olhar com mais atenção pro Black Angels.

Não foi o melhor show do festival, porque o Faith No More ainda vinha por aí.

Veja a banda tocando “Telehone”:

A saída apressada do New Stage pro palco principal, onde o Sonic Youth se apresentava se deu com certa dificuldade, em vista da chuva já forte, da lama e deo excesso de gente. A conta da organização é que 72 mil pessoas passaram pelo Parque Brasil 500 dia 14. A maioria delas se espremia tentando o melhor ângulo pra aquele que se imaginava ser o último show do Sonic Youth, dada a notícia da separação do casal Thurston Moore e Kim Gordon.

O show não foi tenso, apesar disso. Mesmo com a voz de Gordon um tanto acima da base, ninguém se importou muito.

Enquanto quem via na tevê se inconformava com o que chamaram de “preguiça sônica”, lá, no “calor” dos ruídos, a sinfonia de barulhos do Sonic Youth parecia vivíssima e tão esquizofrênica quanto o desejado pelo público. Se a banda acabar, a julgar por essa apresentação, será uma pena: eles têm estrada demais, tempo à beça, e ainda são relevantes. Pouca gente faz ruído como eles. Vide o final apoteótico, com “Teen Age Riot”, um recado que pouca gente nessa idade se dá conta de prestar atenção, o que é uma pena.

Porque a música jovem precisa de bandas assim, que tirem os ouvidos da zona de conforto. Nesse sentido, o Sonic Youth foi o melhor do festival, com guitarra raspando em guitarra, cordas sendo estilhaçadas (“Schizophrenia”) e demência.


Foto por André Bittencourt (Multishow)

O Sonic Youth é uma daquelas aulas necessárias pra quem diz gostar de música. Mesmo que não esteja nos seus melhores momentos, mesmo esbarrando no fim.

Setlist Sonic Youth
01. Brave Men Run
02. Death Valley ’69
03. Sacred Trickster
04. Calming The Snake
05. Mote
06. ‘Cross The Breeze
07. Schizophrenia
08. Drunken Butterfly
09. Starfield Rd.
10. Flower
11. Sugar Kane
12. Teen Age Riot

Quer saber exatamente como foi? Veja o show na íntegra clicando aqui. Ou dá uma sacada no primeiro terço da pendenga:

Mas pra muita gente talvez o título de show do SWU 2011 tenha ficado mesmo com a sagacidade espontânea de Mike Patton e seu Faith No More pai-de-santo todo de branco. O show foi uma alegoria do improvável, com poeta pernambucano doido, coral de crianças de Heliópolis, Patton no meio do povão, palavrões (“porra, caralho” virou mantra e hit no festival) e uns bons hits, como “Easy”, “Epic”, Midlife Crisis”, “Ashes To Ashes”, “From Out Of Nowhere”, “Surprise! You’re Dead!” e por aí afora.

Mike Patton acabou como o maior rockstar/entertainer do SWU 2011.

O show na íntegra, você pode ver aqui:

Pra 2012, a organização do festival já mandou avisar que vai mudar a data pra setembro ou outubro, pra escapar da chuva. Ok, um problema pode ser resolvido dessa forma. Mas há ainda muito a se ajeitar. Não dá pra agradar a todos, mas o esforço tem que ser nesse sentido, até o limite.

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Comentários

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10 comentários

  1. ir de carro nunca mais, por causa da chuva o “estacionamento” virou um lamaçal onde muitos carros atolaram e o swu não se responsabilizou nada por causa disso, muitos tiveram que ficar lá até amanhecer quando surgiu tratores particulares cobrando 50 reais!

    e sem falar no gasto com lava-rápido também!

    já os shows BRMC ótimo competente agradou público que nem os conhecia e ótimo set list; 311 agitou muito os fãs que esperavam tanto tempo para vê-los (inclusive vocal do Forfun tava lá na rodinha punk); Sonic Youth não é uma banda muito fácil para festival desse porte a meu ver, Stone Temple Pilots foi fraquinho, o auge da passou faz tempo, os músicos não parecem ter mais tanto prazer no que fazem, o vocal apático; Alice In Chains showzaço, melhor guitarrista da noite Jerry Cantrell com seus riffs e solos sensacionais, músicas que são hinos Grunges, público e banda claramente emocionados com o (re)encontro; Faith No More sempre muito bom, Mike Patton maior showman do mundo, e mesmo muito tarde todos muito cansados muita gente lá curtindo!

    e tem gente ainda querendo falar mal do swu desse ano? 70 mil pessoas extremamente felizes realizadas dia 14/11/11, que venha 2012!

  2. Enfrentei o problema do estacionamento também, mas conseguimos uma ajuda pra desatolar o carro na mão. E o Alice In Chains não vi (nem ao vivo – estava já retornando pra casa) e nem na TV. Realmente, muita gente afirmou como um dos grandes shows do festival. O SWU desse ano foi o mais centrado dos festivais em termos de lineup, mas, como disse no texto, agradar a todos é uma missão impossível.

  3. Black Angels foi muito bom, apesar de todos os fatos que estavam contra eles (publico diferente e desconhecido principalmente) foi uma ótima apresentação, Christian Bland aparentemente não estava muito satisfeito com seus instrumentos de trabalho, demorou um pouco pra entrar em cena, e mesmo assim aparentava descontentamento com seu som, enfim, torcendo pra que voltem ao Brasil para uma apresentação só deles e em um local fechado mais aconchegante, que é a cara da banda.
    Sonic Youth foi a banda que realmente me levou ao festival, uma pena ter perdido uma pequena parte da apresentação devido a falta de organização do evento e de todos os problemas provocados pelo mau tempo, mas…
    Sonic Youth deveria servir de inspiração pra todas, eu disse todas as bandas de hoje em dia, e que ainda irão surgir, banda sincera, sem nenhum sinal de modismo, que exala sentimentos em suas letras e rifs, mais do que qualquer outra banda que ainda marcha sobre a terra, foi uma emoção gigante finalmente poder velos (emoção que afetou tanto certas pessoas, que eu vi marmanjo bardado chorando, misturando lagrimas com chuva durante a apresentação), e à meia dúzia de cretinos que dizem ser uma banda falida, e que fez uma apresentação ruim, fico feliz em saber que certo tipo de pessoas detestam Sonic Youth, me sinto aliviado em saber que sou diferente dessas pessoas.

  4. Ariel, que me xinguem os fracos e que discordem de mim os descerebrados! Ou algo do tipo… Esse também é o meu lema. Tem gente que é melhor que discorde da gente, mesmo. Se tem Sonic Youth, estaremos sempre lá, mesmo que façam um show horroroso, como foi aquele no Planeta Terra!

  5. Cara, adorei esse post… o SWU já passou faz tempo eu sei, mais eu li todos os reviews do rockbeats, do popload do lucio ibeiro e ate do whiplash, e nenhum deles deu atenção merecida pro show do BRMC e do Black Angels, comentaram so um paragrafo sobre essas bandas e olhe lá… e foram show historicos: ambas as bandas subiram no palco sem saber bem o que esperar e com no maximo umas 100 pessoas como publico cativo, e ao longo do show foram crescendo e crescendo e quebrando tudo…

    brmc ja era fã, e black angels me tornei fã depois do swu

    genial

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