TINA TURNER: O FURACÃO NO MARACANÃ

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Anna Mae Bullock, ou Tina Turner, morreu dia 24 de maio de 2023, mas, como quase todo mundo sabe, deve ter morrido inúmeras vezes pelas mãos do criminoso do seu ex-marido, Ike. Ela sobreviveu, ainda bem, porque ao se livrar daquela violência que milhões e milhões de mulheres sofrem diariamente por todo canto do planeta, fez nascer o furacão que o mundo pop conheceu de fato como Tina Turner.

Seu sucesso como Ike & Tina Turner não se compara ao que causou em sua libertadora carreira solo. Beyoncé? Taylor Swift? Madonna? Todas devem agradecer a Tina e sua ferocidade pra se afirmar e se livrar de um passado violento e desumano.

Ela conseguiu e anos depois dos seus primeiros e elogiados discos-solo, Tina chegou em “Private Dancer”, de 1984, pra definitivamente explodir mundialmente. O disco tem um dos seus maiores sucessos, “What’s Love Got To Do With It”, que virou título da sua cinebiografia, de 1993, mas tem também “1984”, “I Might Have Been Queen”, “Show Some Respect”, a versão de “Let’s Stay Together”, de Al Green, e “Private Dancer”, de Mark Knopfler. Milhões de cópias vendidas depois, ninguém tinha dúvidas de que ela era uma estrela que não precisava das composições de Ike.

O sucesso mundial a trouxe pro Brasil em 1988, pra turnê do disco seguinte, de 1986, “Break Every Rule”, que apresentou “Typical Male”, “Two People”, “Break Every Rule” etc. etc. e tinha participação de Phil Collins, Bryan Adams, Mark Knoplfer, Brandford Marsalis, Steven Winwood e outros.

Em 16 de janeiro, ela se apresentaria no Maracanã, em um show literalmente histórico. “Em 1988, quando tinha 48 anos, ela se apresentou para cerca de 180 mil fãs no Rio de Janeiro, tirando Frank Sinatra do livro dos recordes ao atrair o que era, até então, o maior público de todos os tempos para um show de intérprete solo”, lembrou Amanda Petrusich, da revista New Yorker, em seu texto-homenagem à Tina.

Dias antes, em 9 e 10 de janeiro, se apresentou em São Paulo, em um Pacaembu lotado. O Estado de S. Paulo, na edição de 24 de dezembro de 1987, anunciava os shows assim: “Tina Turner, um furacão vem aí”. “Tina Turner, a rainha negra da música pop norte-americana, desembarca no Brasil em janeiro para três concertos em São Paulo e no Rio”, destacou, com um trecho dramático: “apanhou do marido, conheceu a sarjeta, mas deu a volta por cima e conquistou a América”. “No palco, ninguém segura essa mulher”, seguiu o jornal.

A passagem por Buenos Aires e São Paulo pareciam mais figuração. O que Tina queria era o Rio de Janeiro, uma cidade com geografia “muito bonita, toda cercada de montanhas e banhada pelo mar; gosto do clima daqui”, segundo entrevista a Mauricio Stycer, para o Estadão.

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Publicidade de show em São Paulo

Enquanto isso, O Globo estampava página inteira em 15 de janeiro, véspera do show, que estava o “Maracanã à espera do furacão: no estádio, tudo pronto para a apresentação da rainha do rock”.

Este “tudo pronto” se tratava de uma verdadeira operação de guerra. Arthur Dapieve e Luiz Carlos Mansur, do Jornal do Brasil, contaram: “a carnavalização do Brasil se concretizou na noite de sábado no Maracanã, misturando o grupo Zero (a banda de abertura), a Beija-Flor de Nilópolis e a pop star Tina Turner. Como figuração do evento de mídia da Pepsi-Cola, cerca de 90 mil pessoas (público inicialmente estimado) sem ação diante do espetáculo pirotécnico que mais parecia um longo, muito longo clip do ‘Fantástico'”. Seguiram: “o público que chegou antes dos shows propriamente ditos podia perceber o que estava por vir. A estrutura do palco, recoberta por dois painéis que formavam a sentença ‘Tina In Rio’, servia de tela para efeitos laser de gosto duvidoso, alternando silhuetas da cantora à bandeira do Brasil, e tendo o surrealista ápice na frase ‘o povo unido jamais será vencido’ (sic). Como até os paralelepípedos da rua sabiam, a Beija-Flor serviria de escada para a entrada em cena da estrela da noite, fato confirmado pelo carro alegórico verde-capim e pelo aquecimento da bateria da escola”.

Depois da apresentação de cinco músicas do Zero, que foi recebido entre aplausos tímidos e vaias, mas com bastante indiferença, passaram-se cinquenta minutos até que alguém subiu ao palco pra um discurso que foi “uma apoteose de lugares-comuns” sobre o público estar presenciando “a história do rock”, segundo conta a dupla de jornalistas do JB, pra então dar lugar à Beija-Flor e seu intérprete eterno Neguinho da Beija-Flor, com passistas, bateria e os versos “domingo, eu vou ao Maracanã”, com orientação de Joãozinho Trinta. Então, Tina Turner surgiu, literalmente um furacão, com ventos nos cabelos, subiu no carro alegórico e deu-se a rebolar, pra finalmente pular pro palco e começar a apresentação.

“Na verdade, dois shows”, contaram Dapieve e Mansur. “O primeiro, de uma hora de duração, encerrado às 22h55min, foi transmitido diretamente para os Estados Unidos. Afinal, seria a sua última apresentação desse porte. Este foi um verdadeiro show: teve até queima de fogos no ‘final’ e participação de passistas”. Ao entrar no estádio, o público recebeu ventarolas de mão, que acabaram fazendo parte do espetáculo, quando todos jogaram pra cima e criaram um efeito visual interessante.

“Os spots da Rede Globo, além de impedir que a plateia participasse acendendo seus isqueiros e visse o único ‘telão’, elevaram em algumas centenas de graus o calor” do verão carioca, descreveram os jornalistas. “O segundo show, iniciado cinco minutos depois, sem direito a TV, foi muito, muito mais simples. Durou somente meia hora, sem um esquálido bis”.

Tárik de Souza, na mesma edição do JB, deu uma outra visão do que foi o espetáculo: “Tina Turner queria encerrar triunfalmente sua gigantesca turnê ‘Break Every Rule’ e o Maracanã do livro Guinness do show de Frank Sinatra foi o cenário escolhido. O mais era figuração, inclusive a música. A coleção de sucessos que a cantora detonou durante uma hora e meia de espetáculo fez sua parte como combustão espontânea da festa em meio a queima de fogos, balé de refletores, elevador de palco, bombardeio de fumaça e o mais tradicional pontilhismo de isqueiro, além de uma inédita chuva helicoidal de ventarolas promovidas pela plateia”.

“Em hora e meia de espetáculo, a cantora misturou samba e rock, mudou de roupa três vezes, foi alçada num elevador e saciou a plateia que, terminado show, não precisava de outro herói”, decretou o JB, na legenda da foto que ilustrou a página inteira.

Era reta final da extensa turnê de quase dois anos e Tina Turner estava esgotada. Suas entrevistas na época eram quase monossilábicas, típicas de quem não vê a hora de colocar o chinelo e esquecer a labuta. Mas ela arrumou forças pra passar a virada do ano como uma típica brasileira, pulando ondas em Copacabana e brindando a queima de fogos mais famosa do Brasil. Os jornais disseram que ela “driblou os fãs”, mas não foi verdade. As imagens mostram uma Tina Turner sorridente, em meio a uma multidão em Copacabana.

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Em 17 de janeiro, O Globo manchetava: “Tina Turner leva 200 mil ao Maracanã”, número que foi corrigido em 2000 pelo Guinness Book. Segundo o chamado “livro dos recordes”, ela foi a artista solo que mais vendeu ingressos pra um único show, com cerca de 180 mil (outras fontes falam de 182, 184 ou 188 mil), batendo Frank Sinatra, que havia vendido 175 mil no mesmo Maracanã, em 26 de janeiro de 1980.

A turnê mundial “Break Every Rule” arrecadou US$ 60 milhões em duzentos e dezoito shows entre 4 de março de 1987 e 30 de março de 1988 e foi testemunhada por quatro milhões de pessoas. Foi a turnê de maior bilheteria da década de 1980 por uma artista femenina.

O show histórico no Rio virou um DVD e caiu no YouTube, pra que todos possam lembrar daquele dia em que o furacão passou pelo Rio.

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