U2 E OS VINTE ANOS DE “ZOOROPA”

“Disco pós-ousadia de ‘Achtung Baby’ é uma viagem laboratorial e, de maneira despretensiosa, refletia uma Europa em desencanto e reencantamento com a união de todo um bloco”.

Essa é uma boa maneira de definir “Zooropa”, o disco que o U2 lançou vinte anos atrás e pro qual muita gente torce o nariz. Os detratores incluem os que amam a banda dos primórdios, pré-sucesso-de-superbanda (ou a dos anos 80), e pessoas que estavam eufóricas com a efervescência do grunge, nos Esteites, estilo que dava ao U2 uma certa cara de velharia.

O U2 já era uma superbanda. O disco anterior, “Achtung Baby”, uma ruptura na trajetória do quarteto, vendeu quase duas dezenas de milhões de cópias e a turnê que deu origem a “Zooropa”, a Zoo TV Tour, foi uma das mais rentáveis (embora também uma das mais caras – mas não comparando com as atuais turnês do próprio U2, uma outra história). O U2, definitivamente, não era uma “velharia”. Estava se reinventando bruscamente.

Os críticos entenderam e aplaudiram ambos os discos. “Zooropa” levou o Grammy de “melhor disco de música alternativa” (batendo o irvana, com “In Utero”; o R.E.M., com “Automatic For The People”; e o Smashing Pumpkins, com “Siamese Dream”), conseguiu alguns primeiros lugares nas listas de mais vendidos de alguns países, mas não fez uma carreira comercial tão boa quanto seu antecessor. De qualquer forma, deve ser entendido como um grande sucesso.

Há quem diga que o tempo, porém, não foi tão amigável com “Zooropa”. Mas Paulo Celestino Filho, jornalista autor do site Internetcidade, atenta pra atualidade do disco, duas décadas depois, nesse texto em que analisa a importância da obra. “Zooropa” vai muito bem ainda.

Se olhava pra uma Europa unificada, na mesma medida em que já percebia rupturas, como aponta Celestino, realmente, pra além da sua música, “Zooropa” estava à frente do seu tempo.

A atualidade de “Zooropa” 20 anos depois
Texto: Paulo Celestino

O ano é 1993 e o U2 lançava, em julho, o “Zooropa”, seu oitavo disco. Era mais um passo, por muitos inesperado, no caminho tomado com o muito bem sucedido “Achtung Baby”, de 1991. Aproveitava o vácuo causado por hits como “The Fly”, “One” e “Even Better Than The Real Thing”, a partir de sobras de estúdio do disco anterior e outras músicas quase espontâneas, enquanto os irlandeses do momento tomavam fôlego pra uma nova empreitada à altura do seu último disco.

Se “Achtung Baby”, gravado em Berlim, havia sido uma viagem além das (novas) bordas internas e externas da Europa, em busca de novos ritmos e emoções (e onde, pelo próprio nome, poderia ser perigoso), “Zooropa” reforçava uma espécie de retorno ao centro do continente, como se a Europa demandasse atenção. A expectativa era de um feito aparentemente histórico para a humanidade: a União Europeia.

A própria integração de fronteiras e o símbolo maior dessa união, o Euro, só teria seu rebento no início do século XXI. Mas já vinha sendo gestado há anos. Como é muito própria das artes e dos artistas, muitos buscam antecipar e traduzir a áurea de sentimentos e expectativas do que viria a ser uma Europa integrada econômica, política e socialmente.

No cinema, por exemplo, Win Wenders se voltava a uma Berlim “tão longe e tão perto”, uma Alemanha de arcanjos decaídos ao mesmo tempo que, talvez como se evocasse um Bruno Latour, nunca foi moderna.

Com antenas ligadas via satélite, espécie de pavimentação pra globalização do pop pelo mundo, o U2 buscou captar o momento e inspirar a continuidade de sua revolução tecno-musical criada em “Achtung Baby”. “Zooropa” parecia apostar em um caminho no sentido inverso de “Achtung…”, mas seguia a mesma trilha aberta: a da tecnologia. Se a emoção e a lascívia davam o tom de “Achtung…”, a tecnologia era apenas o que se precisava pra se aventurar por aí.

E a maior banda do mundo acreditou seriamente nesta trilha daí por diante. Estavam em casa com a tecnologia, e ela não era nenhum demônio, como confessou sobre o trabalho o baterista Larry Mullen Jr.

A música que dá nome ao álbum é uma espécie de hino, um manifesto de uma nova nação, perdida tão logo nascida em meio a tantas incertezas, e que parece ter apenas a técnica como dádiva.

“Zooropa, avanço através da tecnologia (pronunciado em alemão)… Seja uma vencedora, seja tudo o que você possa ser… Eu não tenho nenhuma bússola, não tenho nenhum mapa, e eu não tenho razões para voltar. Eu não tenho nenhuma religião, e não sei o que é o que, e não sei qual é o limite… Não se preocupe, baby, vai dar certo. Você tem os sapatos certos pra atravessar a noite, está frio lá fora, mas bem iluminado… Vamos pra superfície. Vai dar tudo certo, incerteza pode ser a sua guia, eu ouço vozes, vozes ridículas… Ela vai sonhar o mundo em que ela quer viver. Ela vai sonhar bem alto”, diz a canção.

Ouça “Zooropa”, a canção:

A técnica também está em “Lemon” (qualquer associação com o banco que deu início ao derretimento com a crise financeira é mera coincidência; ou mera profecia), que traz a centralidade dessa humanidade, os seus feitos, que constroem cidades e catedrais e “que pela luz projetada permite ver o mundo lá fora (e a eles mesmos) mais de perto”. Ponto de partida, é à meia-noite que o dia começa. Ponto de partida, a humanidade (re)começaria.

Bono depois explicaria que a inspiração de “Lemon” foram as imagens antigas de sua mãe, com quem ele mal conviveu, recebidas em super 8, onde ela aparecia com um vestido limão. A possibilidade de reacender a parca memória da mãe por meio da câmera (da tecnologia) o impressionou.

Já “Numb” traz o desconforto de uma viagem, a náusea do deslocamento, a anestesia e o chapamento de mais um fin-de-siécle, em meio a uma sociedade de consumo onde a imagem era tudo e por isso funcionava muito bem enquanto vídeo-clipe. Nada é mais possível, nada é mais possível de satisfação: “eu me sinto entorpecido / Muito não é o bastante / Me dê algo a mais, e dê algo a mais / Desse amor material / Muito não é o bastante”.

Veja o vídeo de “Numb”:

Já em “The Wanderer”, na voz do grande Johnny Cash, traz como tema a busca pelo desconhecido como a de andarilhos, que geralmente estão perdidos em seus caminhos mas em nome da própria busca. A história precisa continuar e há motivação: “tocar e sentir tudo o que puder antes de perecer”. É a voz de humanidade do disco.

Bono diria em entrevista que se considerava um gênio com o trabalho de “Zooropa”, mas depois cairia na real. Edge foi mais realista desde o princípio, e via o trabalho apenas como um interlúdio. Um bom interlúdio.

O disco produziu poucos hits, como “Stay (So Far, So Close)”, embora algumas músicas tenham sua força como a própria “Zooropa” e seja retocada nas turnês. Por sua vez, o disco, musicalmente, tinha pouco a oferecer, ao mesmo tempo que agradava a fãs famintos e às novas hordas criadas com “Achtung Baby”.

Tinha tudo para não ser levado a sério e ser apenas fruto de um rebordosa do “Achtung Baby”. Mas sua experiência laboratorial definiu muito o que viria a ser o U2 no novo século que se aproximava. Eles mesmo afirmaram que foi uma das melhores experiências enquanto trabalho em estúdio.

Quase 20 anos depois, “Zooropa” (o disco completa duas décadas em 5 de julho de 2013) ainda encontra lugar no mundo por vias muito tortas, ao ter antecipado os sentimentos de um bloco cujas expectativas se derretem numa crise tão inesperada quanto surreal, em meio a algo que, por concepção, deveria ser tão coeso.

Seria hora do U2 retornar a um centro de uma Zoo(eu)ropa mais uma vez? Bono, em seus episódios megalomaníacos, talvez já tenha respondido.

Ouça o disco na íntegra:

01. Zooropa
02. Babyface
03. Numb
04. Lemon
05. Stay (Faraway, So Close!)
06. Daddy’s Gonna Pay For Your Crashed Car
07. Some Days Are Better Than Others
08. The First Time
09. Dirty Day
10. The Wanderer

Lançamento: 5 de julho de 2013
Duração: 51 minutos e 23 segundos
Selo: Island Records
Produção: Flood, Brian Eno e The Edge

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