CIDADE DAS ESTRELAS – A MÚSICA EM LA LA LAND

“La La Land – Cantando Estações” era barbada ao Oscar de Melhor Filme entregue em 2017. Chegou a ganhar. Mas foi numa cena que misturou-se pastelão e suspense, na qual se viu Warren Beatty e Faye Dunaway anunciando o prêmio, sendo logo foi desmentidos em pleno palco, que os produtores do filme viram a honraria migrar pra “Moonlight: Sob A Luz Do Luar”, o preferido de muita gente.

O filme de Damien Chazelle, o jovem diretor que o mundo admirou dois anos antes com “Whiplash: Em Busca Da Perfeição”, ganhou ares de papa-tudo da temporada de premiações na mesma proporção que dividia opiniões como num Fla-Flu. Havia uma estranha sensação de que gostar de “Moonlight” e de “La La Land” ao mesmo tempo era uma heresia, um pecado reforçado e trombeteado pelos cinéfilos radicais.

Uma das maiores críticas a “La La Land” é com a disposição do filme em propagar uma estranha necessidade de “salvar o jazz” – desejo vindo de um personagem branco, loiro, galã e, pra muitos, canastrão. Soa como essa história de “o rock morreu”, “não se faz mais rock como antigamente” ou qualquer uma dessas sentenças fatalistas normalmente proferidas por tiozões preguiçosos em procurar novidades, ou por alguém mais augusto que todos nós, nunca se sabe.

Chazelle, nascido em 1985, não é exatamente um tiozão. É jovem, promissor e já ofereceu boas amostras de seu talento, tanto quanto de sua preferência pelo jazz. Seus três filmes até aqui giram em torno do estilo – com exceção gloriosa do roteiro de “Rua Cloverfield, 10” (com mais dois roteiristas e dirigido por Dan Trachtenberg, em 2016).

Causou estranheza a obsessão infantil do personagem de Ryan Gosling de querer “salvar o jazz“, por vezes até atacando o samba, uma bobagem digna de toda e qualquer crítica.

Mas, a despeito disso, “La La Land” tem muitas e diversas qualidades. Desde a sequência sem cortes da dança de abertura, até a ousadia de oferecer ao público atual, bombardeado pelas rasteirices lideradas por super-heróis, um estilo cinematográfico que praticamente morreu em 1979, com o “All That Jazz”, de Bob Fosse, ou com os filmes com John Travolta embebido em brilhantina. De lá pra cá, são poucos os musicais que podem ser levados a sério (com um mínimo de boa vontade): “Cry-Baby”, de John Waters (1990), “Evita”, de Alan Parker (1996), e “Chicago”, de Rob Marshall (de 2002, ganhador do Oscar de Melhor Filme em 2003).

É compreensível que seja assim. Em tempos de filmes “montanha-russa”, com pouco tempo pro espectador respirar, causa estranheza personagens que param tudo o que estão fazendo pra dançar e cantar o que querem expressar um pro outro. É uma forçação de barra que não cabe nos dias de hoje (é época de outras forçações). Se os musicais fazem sentido no teatro e o cinema tentava levar pras telas a grandiosidade daqueles espetáculos desde a década de 1920 (não à toa, “O Cantos De Jazz”, um musicalzinho de 1927, é o primeiro filme falado), a partir da década de 1980 eles foram perdendo seu lugar, diante de um mundo mais duro, cruel e desigual (sempre foi cruel e desigual, é verdade), rápido, tecnológico e com histórias mais espetaculosas pra contar.

Assim, Chazelle, um saudosista, viu no estilo uma forma de unir sua paixão pelo jazz e seu amor por um cinema que não se vê mais.

Curiosamente, apesar do personagem preconceituoso e infantil de Gosling, o jazz é colocado em segundo plano em “La La Land”. Chazelle mexe pouco com ele, embora as melhores demonstrações de habilidade na montagem estejam nas sequências com jazz ao fundo. As cenas mais bonitas, dignas de um musical clássico, são passagens românticas: tirando a cena inicial, no engarrafamento, quando o diretor aplica a estampa de “dias atuais” pra plateia que está prestes a mergulhar no tempo, o par romântico dança com o entardecer de Los Angeles ao fundo, com direito a sapateado; dança no observatório e planetário (de “Juventude Transviada”), com direito a voo entre estrelas e nuvens e planetas; e ela canta em seu teste pra um papel.

Toda a aura colorida da fotografia e o clima nostálgico não têm no jazz sua trilha principal, e sim as notas de um músico nascido na Califórnia, em 1985, quando o gênero já desfrutava seus primeiros anos de ostracismo, Justin Hurwitz.

Hurwitz chegou a escrever o roteiro pra um episódio de “Os Simpsons” e sete pra “The League”, mas foi nos três filmes de Chazelle, como autor das trilhas, que chegou rapidamente ao olimpo: dois Globos de Ouro e dois Oscar (todos por “La La Land”) coroaram esse reconhecimento.

Os dois fizeram Havard juntos chegaram a tocar numa banda indie chamada Chester French, que lançou dois discos: “Love The Future” (2009) e “Music 4 Tngrs” (2012) – apenas Chazelle está creditado no primeiro disco, como o baterista.

Eis o single mais conhecido da banda, “She Loves Everybody”:

Mas o mundo pop era apenas uma brincadeira juvenil (bem, eles eram um tanto mais velhos que isso, mas o espírito da banda era juvenil). O cinema é um negócio que leva as coisas bem mais a sério. “Whiplash: Em Busca da Perfeição” custou três milhões e meio de dólares; “La La Land”, mais de trinta milhões: não dá pra “brincar” com uma grana dessas.

“‘La La Land’ representou dois anos e meio de trabalho sem parar, com mais de mil e novecentas demos de piano, orquestrando cada nota eu mesmo. Uma quantidade inacreditável de trabalho e uma paixão igualmente inacreditável”, disse Hurwitz ao Los Angeles Times. “Eu tinha que estar tão fissurado pelo projeto pra seguir em frente. Fiquei doente porque não dormia o suficiente”.

“La La Land” demorou mais de seis anos entre a concepção da ideia e o corte final justamente porque Chazelle não tinha o compositor certo. Com as trilhas bem sucedidas de “Guy And Madeline On A Park Bench” (2009) e “Whiplash: Em Busca Da Perfeição”, Hurwitz assumiu a confiança profissional do amigo diretor pra poder embarcar nessa caminhada de força.

Gregory Ellwood, autor do artigo no LA Times, escreve que “aos seus olhos, o perfeccionismo de Chazelle assegurou a adorável reação à trilha e músicas de Hurwitz, incluindo ‘City Of Stars’, ‘Someone In The Crowd’ e ‘Audition (The Fools Who Dream)’. As quase duas mil demos são o resultado direto do questionamento da dupla sobre como a música soaria ao público”.

“Eu vou lembrar dessa melodia depois que sair do cinema?”, pergunta-se Hurwitz. “Essa questão é algo importante pra uma trilha, não apenas pras músicas. Essa é uma abordagem que vem da velha guarda”.

A música-chave pra essa pergunta é “City Of Stars”, canção que simboliza “La La Land” e seu “espírito de musical”. Ela envolve quase toda a trama, seja orquestrada, em detalhes ou quando apresentada ao piano, interpretada por Gosling. Pra ela, Hurwitz foi buscar uma dupla de conhecidos, da mesma idade dele, que tateia o sucesso no teatro estadunidense, Justin Paul e Benj Pasek.

As letras e canções dos dois estão presentes nos palcos de Chicago desde 2015, com “A Christmas Story: The Musical” e “Dogfight, Apostando No Amor”, e de Washington, com “Dear Evan Hansen” (peça pela qual ganharam o Tony).

“City Of Stars” é um feito raro. Saiu do musical cinematográfico adulto e foi pras rádios. Virou um sucesso. E ganhou um Oscar não por isso, mas pela mágica que a canção tem, apresentado com delicadeza pelo casal de personagens e com a forma reverencial (ao cinema) que a montagem e a câmera de Chazelle conseguem.

A maioria das canções de “La La Land” é melancólica, triste. Os personagens estão por baixo, num momento difícil da carreira e da vida. Conforme o filme avança, isso muda, mas o fio condutor “City Of Stars”, numa referência óbvia à capital do cinema, dá o tom sonhador, como trampolim pra reviravolta no roteiro.

“City of stars / Are you shining just for me? / City of stars / There’s so much that I can’t see” é o mote principal escrito por Paul e Pasek, que ainda fornecem uma pérola simples e igualmente sonhadora: “City of stars / Just one thing everybody wants / There in the bars and through the smokescreen / Of the crowded restaurants / It’s love / Yes, all we’re looking for is love / From someone else”.

A dupla, cujo processo de trabalho começa com a escrita de letras e depois colocando a música em cima, afirmou que a experiência de escrever pra “La La Land” foi diferente porque a música já estava lá. Hurwitz havia cuidado de tudo musicalmente. Além do mais, as estrelas do filme, Emma Stone e Ryan Gosling, também deram sua contribuição depois.

“Eles tinham opiniões”, disse a dupla à ABCNews. “Era algo frustrante em certo ponto, mas virou muito gratificante e a coisa certa pro filme. Eles diziam coisas como ‘Hmm, não quero cantar isso… Não tenho certeza se o personagem diria isso'”.

Tal interferência era novidade pra dupla. “La La Land” é o primeiro filme de Paul e Pasek, e a primeira vez trabalhando com astros de tal calibre. “Quando você trabalha com um ator inteligente, como Ryan e Emma, eles são como os CEOs de seus personagens. Eles têm que encarná-los mais do que qualquer outra pessoa, então eles sabem o que seria natural pro seu personagem fazer, o que seu personagem diria”, prosseguiram. “E, obviamente, Damian Chazelle é um visionário inacreditável e uma das mais maravilhosas e fantásticas colaborações que já tivemos”.

A dupla, que trabalha junta desde 2004, rasga seda aos atores e ao diretor porque o trabalho funcionou e os prêmios e novos convites agora chovem na horta. Mas, a seu modo, compor “City Of Stars” pro filme foi como vivenciar o que os personagens da história enfrentam ao tentar transpor a barreira das atenções de Hollywood, com a vantagem que Paul e Pasek já vinham construindo uma carreira no teatro e migrar pro cinema seria o “caminho natural”.

Se a parceria Hurwitz + Paul & Pasek vai chegar a ser comparada a Nacio Herb Brown + Arthur Freed (“Cantando Na Chuva”, 1952), George + Ira Gershwin, Oscar Hammerstein II (“A Noviça Rebelde”, 1965), Johnny Mercer, Leonard Bernstein + Stephen Sondheim (“Amor, Sublime Amor”, 1961) etc. etc. etc., é claro que é preciso esperar. Mas em plena segunda década do século vinte e um uma obra musical cinematográfica que seja relevante e feita por criadores tão jovens é de se admirar.

Ao invés de “salvar o jazz“, Chazelle e sua turma deram nova vida a um gênero cinematográfico morto e enterrado. Além, claro, de uma música inesquecível.

Foto que abre o artigo: Al Seib (do LA Times)

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Comentários

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Um comentário

  1. Introduzir o universo deste filme produz uma sensação que vai gerando fascinação, a chave da diversão. É uma história muito bonita, com uma essência romântica. Ryan Gosling foi perfeito para o papel, ele é um ator que as garotas amam por que é lindo, carismático e talentoso. Blade Runner 2049 é um dos seus filmes mais recentes dele, eu gostei muito. Acho que o diretor Denis Villeneuve fez um ótimo trabalho no filme, ele conseguiu fazer uma sequela impecável e manteve a mesma atmosfera. A fotografia impecável. Recomendo muito: https://br.hbomax.tv/movie/TTL617387/Blade-Runner-2049 grande história! O elenco é incrível.

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