OS DISCOS DA VIDA: CHICO DUB

Você pode até não saber quem é Chico Dub, mas deve alguns ótimos momentos de diversão a ele. Mais do que isso, tem que agradecer por alguns shows bem bacanas que deve ter visto por aí.

É que Chico Dub é ninguém menos que o produtor cultural e pesquisador musical que assina a idealização e a curadoria do Festival Novas Frequências, que está na segunda edição agora em 2012 (com uma empolgante escalação, que inclui um dos preferidos aqui do Floga-se, Cadu Tenório, e que acontece no início de dezembro), expandindo as fronteiras do Rio de Janeiro, onde aconteceu a estreia, em 2011, pra chegar a São Paulo, via financiamento coletivo do Queremos.

Se infelizmente tal credencial não te diz muita coisa, então vá mais longe. Chico é também um dos curadores e relações públicas do gigante Sónar São Paulo, que “só” é considerado o melhor festival de 2012.

Tem mais.

É também co-idealizador e co-curador do Invasão Paraense, “festival inteiramente dedicado a música do Pará que aconteceu em agosto de 2012, no CCBB de Brasília”, como ele mesmo conta. Trabalhou também na equipe de comunicação da exposição de arte contemporânea brasileira “From The Margin To The Edge”, que ocorreu na Casa Brasil, em Londres, durante as Jogos Olímpicos. Tem no currículo também a curadoria do Sky Lounge Multimídia, evento de música e performances audiovisuais que aconteceu em 2008, no Memorial da América Latina, em São Paulo; e, de 2007 a 2011, foi assistente de direção e produtor do festival de performances audiovisuais Multiplicidade_Imagem_Som_inusitados.

E vale dizer que é co-idealizador e roteirista do documentário “Dub Echoes”, “primeiro longa-metragem a mostrar a importância do dub jamaicano para o nascimento do hip-hop e da música eletrônica”, diz, completando apropriadamente com uma reflexão: “não é pouca coisa. Amém”.

Não, definitivamente não é. E ele tem apenas 33 anos.

Chico Dub tem ampla contribuição pra cultura no Brasil, principalmente por trabalhar com nomes fora do que se costuma chamar de “mainstream” – mesmo se levarmos em conta a marca Sónar.

Se você pensa na questão óbvia de como ele moldou seu gosto musical pra trabalhar nesse nicho, esta edição de “Os Discos da Vida” dá a resposta. Chico revela como assumiu o Dub no nome, como seu gosto largou as guitarras e depois voltou a elas, como ele mergulhou nas vertentes eletrônicas e como, enfim, seu conhecimento musical seguiu um caminho que nos dá eventos importantes como o Novas Frequências.

E, então, você poderá perceber que esses festivais escolheram a pessoa certa pra cuidar deles.

CHICO DUB

Metallica – “…And Justice For All” (1988)
Hoje a molecada é educada musicalmente pela Internet. Já eu, que estou com 33, sou uma cria da MTV. Minha adolescência inteira foi formada pelo “Lado B” e, principalmente, pelo “Fúria Metal”, meu programa favorito de todos os tempos. Já gostava de rock pesado, mas quando vi o clipe de “One”, do Metallica, minha vida mudou. Aquilo era outro departamento: muito mais denso, mais sério, (extremamente) mais pesado… Rapidamente comprei a discografia inteira da banda e cheguei a ter, sei lá, com uns 16, 17 anos, 54 discos dos caras, a maioria gravações piratas de shows. Ainda amo de paixão os primeiros discos da banda, mas perdi o costume de ouvir. O que é digo de nota é que “…And Justice For All” me abriu às portas pro metal, que foi minha primeira grande paixão musical. Dessa fase camiseta preta da adolescência, as bandas que realmente ficaram e que de vez em quando escuto são Black Sabbtath, Kyuss, Tool, Clutch, Fudge Tunnel, Corrosion Of Conformity, Down, Helmet e Monster Magnet.

Ouça “One”:

Sublime – “Robbin The Hood” (1994)
Além da MTV, tinham os filmes gringos de surf, pois cheguei a pegar onda até uns 18 anos… A maioria das trilhas desses filmes eram de punk-rock melódico da Califórnia, aquela onda Epitaph Records, com Bad Religion, NOFX, Pennywise, Lagwagon, Face to Face… Mas aí teve um filme de 94 ou 95, chamado “What’s Really Going Wrong”, da Lost, que radicalizou geral. Era um filme de surf completamente punk, com uns moleques lesados que pegavam onda como se tivessem andando de skate. Sem contar que tinha cena de porrada, de vômito, uns caras tacando fogo nos outros… Esse filme tinha umas 4 ou 5 músicas do Sublime, um grupo que não conhecia. Daí consegui o “Robbin The Hood”, disco que tinha essas faixas e pirei absurdamente no resto. Tudo gravado em quatro canais, bem tosco, mas com altas programações de bateria eletrônica, scratches e linhas gordas de baixo. Muitas dessas músicas eram reggaes diferentões daqueles que eu estava acostumado a ouvir na casa de amigos (e odiar). Algumas, por exemplo, terminavam com três letrinhas mágicas no final, tipo “Steady B Loop Dub”, “Free Loop Dub”, “Lincoln Highway Dub”, “I Don’t Care Too Much for Reggae Dub”. Nascia aí o Chico Dub…

Ouça “Work That We Do”:

Dub Syndicate – “Research And Development” (1996)
O dub me pegou de jeito, mas, engraçado, continuei por um bom tempo sem gostar de reggae. O que aconteceu foi que logo depois do Sublime acabei me envolvendo com um tipo de dub mais eletrônico, tipo os steppers ingleses da cena de UK dub, além de uns crossovers com house e techno, que pra mim eram completamente alienígenas em relação ao que eu conhecia como reggae, que era Bob Marley e derivados. Bom, “Research And Development” é pra mim a síntese de tudo isso que escrevi acima. São remixes feitos pela galera do UK dub (Iration Steppas, Abashanti, Zion Train e Rootsman) de tracks originais do Dub Syndicate, o artista mais conhecido do cast da On-U Sound, uma gravadora super importante não só pro dub inglês mas pro pós-punk também. Esse disco é bom demais porque reúne algumas das melhores linhas de baixo já feitas no eixo Kingston-Londres e uma programação eletrônica inspiradíssima. Depois desse disco foi um pulo para a fase áurea do trip-hop, com Massive Attack, Portishead e Tricky; a onda downtempo da G-Stone e da turma da Viena; e o dub techno alemão, com Pole, Basic Channel e companhia.

Ouça “Jungle”:

Augustus Pablo – “King Tubby Meets Rockers Uptown” (1976)
Na época em que o dólar estava 1 pra 1, fiz festa na CD Now, uma loja online de discos que importava pro Brasil (acho que o Napster não existia na época). Mas como já havia a Internet, me perdia direto por horas e horas fazendo pesquisa e num segundo me vi cultuando os dubmasters jamaicanos Lee “Scratch” Perry, Bullwackie, Augustus Pablo, Scientist, Prince Jammy e, o maior de todos, King Tubby. Foi por causa do “King Tubby Meets Rockers Uptown” que pela primeira vez na vida tive a curiosidade de buscar as faixas originais, ou seja, as faixas que originaram os dubs. Foi a partir desse momento que descobri o reggae; que havia todo um universo de artistas escondidos por trás da fama de Marley, Tosh e Wailer. Gente como Horace Andy, Johnny Clarke, Johnny Osbourne, Barrington Levy, Linval Thompson, entre muitos outros. “King Tubby Meets Rockers Uptown” é mágico. Não há como não se deixar levar pros confins da mente e do universo ao ouvir a melódica sagrada do Augustus Pablo, a cozinha dos irmãos Barret e a mixagem dubwise do rei Tubby.

Ouça “Young Generation Dub”:

Roni Size – “New Forms” (1997)
Junto com os discos de dub mais eletrônicos, ouvi bastante a big beat do Chemical Brothers, do Prodigy e dos primeiros Fat Boy Slim, além da ambient house do The Orb. Mas foi definitivamente com o drum and bass que eu passei a me encantar com uma eletrônica mais de pista. Ouvir Roni Size é me lembrar das festinhas do Calbuque e do Marcelinho da Lua no Les Artistes, na Bunker e no Cine Iris; de toda aquela fase do Marky e do Patife; Grooverider e Fabio tocando do lado de casa; Tim Festival; Skol Beats. Que tempo bom…

Ouça “Heroes”:

Chico Science & Nação Zumbi – “Da Lama Ao Caos” (1994)
Poderia perfeitamente ter listado o “Selvagem?”, dos Paralamas. Mas é que existe uma questão importante aí. Enquanto criança, ouvia todo o B Rock: Titãs, Lobão, Blitz, Legião e principalmente Paralamas. Só que durante muito tempo, fiquei sem ouvir música brasileira, renegando geral. Mas aí surgiu essa bomba neo-tropicalista em 1994 que me fez abrir o olho e voltar a gostar do Brasil. “Da Lama Ao Caos” é um disco perfeito do início ao fim. Deveria estar em qualquer lista de melhores discos de todos os tempos…

Ouça “Da Lama Ao Caos”:

Fela Kuti – “Gentleman” (1973)
Amsterdam, 2002. Fiquei atraído pelo flyer e pelo conceito de uma festa de afrobeat e resolvi arriscar. Era um som completamente novo pra mim, nunca havia escutado nada parecido. Me lembro que pirei, tive um surto quase que proporcional àquele quando eu ouvi dub pela primeira vez. Saí dessa festa cantarolando “Gentleman”, que é até hoje a minha música favorita do Fela. A partir de “Gentleman”, de “Zombie” (1977) e de outro discos de Fela, comecei a pesquisar sons africanos e música latina, que são duas coisas que gosto muito.

Ouça: “Gentleman”:

Philip Glass – “Koyaanisqatsi” (1983)
Foi através do filme de mesmo nome, um dos que mais gosto, aliás, é que eu me liguei pela primeira vez no Philip Glass e na música minimalista de gente como Steve Reich, Terry Riley e Michael Nyman. Minimal, drone, dub, ambient, stoner rock são gêneros bem diferentes entre si mas que te levam pro mesmo lugar, sabe? Eles curam também… São remédios pro espírito. A partir desse filme, comecei a prestar mais atenção em trilhas sonoras e a estudar a relação da música com a imagem, algo que fiz profissionalmente durante quatro anos enquanto fui assistente de direção do Multiplicidade.

Ouça “Koyaanisqatsi”:

Aphex Twin – “The Richard D. James Album” (1996)
No final da década de 90, todo mundo que tava ligado na MTV viu “Windowlicker” e ficou maluco com aqueles beats esquizóides altamente frenéticos. Isso sem contar com as imagens do Chris Cunninham, o melhor diretor de clipes da história. Mas foi uns dois anos depois, quando ele se apresentou no Tim Festival, que eu realmente vidrei no Aphex Twin e em toda aquela turma da Warp, do IDM e do experimentalismo dentro da música eletrônica. Esses caras soam atuais até hoje, impressionante.

Ouça “Yellow CalX”:

Earth – “HEX; Or Printing In The Infernal Method” (2005)
Durante o final dos 90 e meados dos 2000, fiquei sem ouvir rock, completamente imerso em dub, ambient, IDM, drum and bass, house e o emergente dubstep. Quando queria uma boa guitarra ou um bom rife voltava para Black Sabbath, Kyuss, Clutch, Monster Magnet, Helmet, Tool e coisas do gênero, que era o que eu gostava de ouvir quando moleque. Aí veio o Earth com “HEX; Or Printing In The Infernal Method”, que foi a primeira coisa que ouvi deles (até então, não conhecia a primeira fase mais pesadona, que influenciou Sunn 0))) e outras quatrocentas bandas). O que me pegou primeiro em “HEX…” foi um lance quase country, que me lembrava os filmes do Sergio Leone, só que de um jeito mais dark, sinistro e psicodélico. Depois disso voltei a me apaixonar pela guitarra novamente.

Ouça “An Inquest Concerning Teeth”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Bemônio”.

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