OS DISCOS DA VIDA: LOOMER


Foto: Felipe Monteiro

Recentemente, a Loomer tocou um show inteiro só de My Bloody Valentine. A coisa deu tão certo, que a banda arriscou mais uma vez, dia desses, em Porto Alegre. Não é preciso ser gênio da cultura pop pra perceber que Loomer e My Bloody Valentine estão intimamente ligados por um cordão umbilical sonoro e criativo.

Daí, quando convidei a Loomer pra participar de “Os Discos da Vida” foi aquela sensação de que eu já meio sabia o que viria. A lista seria um tanto óbvia. Porém, contraditoriamente, era possível imaginar que a vida não se resume a My Bloody Valentine no caso desse quarteto gaúcho. Lógico que não. Há muito mais no som da Loomer. E todas essas referências, se você aguçar os ouvidos, podem ser percebidas nas barulheiras que a banda deliciosamente nos entrega.

E aqui está. A Loomer tem pitadas de grunge, de pós-punk, de punk, de tudo o que de melhor se fez nessas duas grandes décadas, de 1980 e 1990. Quer dizer, pelo menos esses discos mudaram a cabeça de cada um dos integrantes. E eu me senti como eles. Faço parte da mesma geração, vivi as mesmas coisas, com as mesmas descobertas musicais e essas listinhas poderiam ser a minha (de fato, são bem parecidas).

E eu que já adorava a Loomer passei a reverenciá-los ainda mais. Ninguém é educado com essas referências impunemente.

LIEGE MILK (vocal e baixo)

Nirvana – “In Utero” (1993)
Acho que tudo na minha vida meio que começou com o “In Utero”, do Nirvana. Era o calmante pra minha histeria juvenil, e a pilha pra melancolia adolescente. Eu sonhava ter minha vingança em Seattle com a Frances Farmer. O CD vivia na mochila, e me rendeu o apelido de Liege MILK IT (que depois ficou só no Milk). Muito pirei o cabeção. E o Kurt vive no córe até hoje.

Ouça “Milk It”:

Smashing Pumpkins – “Siamese Dream” (1993)
O “Siamese Dream” do Smashing Pumpkins teve um papel bem importante pra mim. Acho que a primeira vez que ouvi “Hummer”, pensei “quero tocar baixo”. O “Siamese Dream” é uma coisa de louco. Tu começa feliz, de peito aberto ouvindo “Cherub Rock” (aliás, eu e o Stefano vivíamos tocando essa música nos primeiros ensaios do Loomer – lembra, Stefs?) quebra tudo em “Quiet”, e lá pelas tantas, tá chorando feito criança na “Mayonaise”… Obra-prima!

Ouça “Hummer”:

My Bloody Valentine – “Isn’t Anything” (1988)
O “Isn’t Anything”, do My Bloody Valentine, foi-me apresentado por um ex-professor da faculdade de Sistemas, o Deco. À primeira ouvida, pensei “o que que tá acontecendo aqui? o que é isso?? cadê o vocal? quanta guitarra!”. Me deu um nó na cabeça, juro. No dia seguinte, eu cheguei no laborátorio de informática e fui direto na sala do Deco, e gritei: “Valeu, cara! Mudou minha vida!”. MBV é simplesmente viciante. É que nem qualquer droga: Te deixa meio perdido, doido… E depois tu só quer mais e mais o tempo todo. O professor Deco também foi o santo que me apresentou o “Sister”, do Sonic Youth. Desgraçado, né? Valeu, Deco!

Ouça “Feed Me With Your Kiss”:

Sepultura – “Chaos A.D.” (1993)
Bom… o quarto disco que eu quase furei ouvindo foi o “Chaos A.D.”, do Sepultura. Derreteu meu cérebro. E eu desembestei que queria tocar bateria. Desembestei que queria ser o Igor. E não desisti até hoje (risos).

Ouça “Territory”:

Jawbox – “For Your Own Special Sweetheart” (1994)
Essas listas são sempre injustas… Só tenho mais um, né? Complicado isso. Tenho certeza que depois que vou pensar “putz! mas como eu esqueci aquele? E aquele outro?”. Mas não posso fechar essa listinha sem falar do Jawbox. O problema é qual disco! Acho que o “For Your Own Special Sweethear”t, pelo hino “Savory”, e por uma das minhas músicas favoritas DO UNIVERSO INTEIRO, “Reel”. J. Robbins é o cara.

Ouça “Reel”:

GUILHERME FIGUEIREDO (bateria)

Cocteau Twins – “Victorialands” (1986)
Como algo poderia soar psicodélico, pós-moderno, etéreo e punk ao mesmo tempo? Porra, a vocalista inventava umas palavras, e simplesmente aquela sonridade criava o sentido… Larguei ao pó os discos progressivos que ouvia por tabela do meu irmão mais velho. Rabisquei “cocteau” e “twins” um em cada ponteira dos meus all star. Era 86, e essa viagem lazy calm movida a efeitos sintétcos de pedais combinava com as primeiras experiências cannabicas da adolescência oitentista. De onde saíam aqueles timbres ácidos e celestiais, overdrive e canção de ninar? Li numa Bizz, a Liz frazer dizendo que eles gostavam de ensaiar tomando umas vodcas, no seu estúdio à beira do rio Tãmisa. Nossa adolescência não era esse mar de vodcas. Na real, a gente era uns piás de merda, e numa tarde de sábado, fizemos o mesmo, misturando vodca escondida ao ingênuo suco de laranja durante um ensaio/audição deste disco. Resultado: chapadeira “Coquetel Twins” total.

Ouça “Lazy Calm”:

De Falla – “De Falla” (1985)
Atenha-se a esta explosão funk, lisérgica, pos-punk do primeiro do Defalla. É o disco de rock gaúcho mais foda de todos os tempos (tá, tem o Sétima Efervescencia, mas ai é outro papo). Os caras chegaram rachando. Tiveram o mérito de gravar num baita estúdio no centro do país, e sabiam tocar, e muito. Você ouve as baterias e pensa: puta som tribal! Quem é este canibal? Te fudeu, magrão. É uma mina, meio baixinha, e te dá um pau. A baixaria do Flu é (e aqui vale citar o mestre Carlo Pianta, baixista fundador do Defalla) é groove com pós-punk, Peter Hook com Bootsy Collins? E essas guitas? Se você visse o Castor na rua, acharia que ele combinava mais com um mero servidor público do que o guitarrista criador de rifes navalhados e compositor genial que se ouve do início ao fim do disco. As músicas se interligam por dubs, samplers, baquetadas em extintor de incêndio, skretchs e o caralho a quatro. Rumble Fish, Curtis Blow, James Brown, Beastie Boys, heavy metal, new wave, Icicle Works, Tim Maia… As influências não se esgotam nessa panela de pressão prestes a voar pelos ares. Esse disco deixa um legado: mostrou pra muito gente que rock gaúcho não se restringe apenas ao estilo 60, 70, como os desavisados acreditam. Junte-se a isso um band leader cara-de-pau, com potencia de voz, bivolt, ingênuo e sagaz, cantando em inglês, português, compartilhando letras com o poeta Paulo Seben, e o que desse na telha. Dá pra sacar que o cara é o melhor vocalista de rock do Brasil.

Ouça: “Ideias Primais”:

The Smiths – “Hatful Of Hollow” (1984)
O Plano cruzado do Sarney serviu pra alguma coisa: nunca comprei tantos discos como naquele ano. Custavam cinco pilas os lançamentos de várias bandas inacreditavelmente boas (Jesus & Mary Chain – “PsichoCandy”, Echo & The Bunnymen – “Ocean Rain”, Talking Heads – “Little Creatures”). Nessa leva de pérolas a serem escolhidas, comprei o “Hatfull Of Hollow”, coletânea de singles e gravações na BBC, seguindo a linha: som bacana é som de Manchester (Joy Division, The Fall, Durutty Column, A Certain Ratio). Pra mim, foi mais influente que o “The Queen Is Dead”, simplesmente porque chegou nas minhas mãos antes. “Why do I give valuable time/To people who don’t care if I/Live or die?/Why do I smile/At people who I’d much rather kick in the eye?” (N.E.: Trecho da letra de “Heaven Knows I Miserable Now”). Lembro do gordo Miranda falando: “bah, véio, puta som de viado”. Bom, i don’t fucking mind. E não só eu, essa coletânea é obra de arte, clássica, entre os 100 mais da musica britanica e o caralho… Guitarreiras de chorar do Johnny marr, cozinha em perfeita sintonia, e letras que depois de ouvir, dá vontade de mandar tudo a puta que pariu e fazer uma banda. Num futebol contra os Oasis, Primal Scream, e quase todo o britpop juntos, esses viados ganhariam de goleada. “How Soon Is Now”, “Girl Afraid”, “Still Ill”, era uma melhor que a outra. “What a terrible mess I’ve made of my life” (N.E.: Trecho de “You’ve Got Everything Now”)… God save the queen!

Ouça “Heaven Knows I Miserable Now”:

Sonic Youth – “Evol” (1986)
Ouvi esse disco numa fita k7… Que era o que rolava quando se tinha uns amigos meio “burga”. Os pais traziam uns LPs, biscoito finos e frescos vindos das gringas, e geral copiava em fita, como se fosse um bilhete premiado. Tinha enchido o saco de cultuar solos homéricos, punhetações de bateria e: “ó, como toca esse cara e tal”… Na primeira audição, o som fechava com as experiencias Cortázar, “Liquid Sky”, Jim Jarmusch e toda essa vibe. Não sou um entendido de Sonic Youth, o que sei é que esse “Evol” aí é de chorar, é matador, é perfeito… Na hora, mostrei a fitinha pra alguns amigos. Ninguém deu muita bola. Passaram-se alguns meses e neguinho falava: meu, que foda esse Sonic Youth aí. Então, quando cai a ficha. Não tem mais volta. “Expressway To Your Skull”, “Shadow Of A Doubt”, “Tom Violence”, não dá pra saber qual a melhor. E não importa. É tudo parte dessa mesma matéria esquisita, noise, onírica, trash… “We’re gonna find the meaning of feeling good” (N.E.: Trecho da letra de “Expressway To Yr Skull”). O que é bom sempre parece que a recém começou…

Ouça “Green Light”:

Joy Division – “Closer” (1980)
Uma grande banda não é nada sem produção. Imagina uma banda de merda, bota um produtor bom. O assunto muda.
Junte-se a isso uma banda na hora certa, no feeling certo, na sua essência criativa. Na bateria, um homem robô te pedindo pra sacudir o esqueleto, mas com sangue nas veias. O mesmo sangue nas veias do baixo pulsando rifes, e se achando o guitarrista. E de dar ao guitarrista ser mínimo, mas essencial. A voz tímida, por vezes heróica do poeta suicida. Canções sinceras, lançando o futuro, e talvez por isso, a morte precoce. Mas pouco importa tentar explicar. O que bate é essa sensação estranha da dor e da felicidade. A celebração de dançar com sua própria sombra. Martin Hannet… Sem ele, esse disco, quiçá essa banda, não conseguiria se expressar sua arte assim, em sua plenitude.

Ouça “Heart And Soul”:

STEFANO FELL (guitarra e vocal)

Polvo – “Polvo EP” (1991)
Formado em 1990 em Chapel Hill, Carolina do Norte, USA. Cada vez que escuto o Polvo volto a acreditar que a música pode te fazer voltar a acreditar nela. Ou não. Distorção, dissonancia, bends e alavancadas. Timbres estranhos e toscos. Fora outras coisas. Rock, indie, noise. Voz legal. Duas guitarras, cada uma no seu mundo. Assim como, da mesma forma, o baixo e a bateria. E aconteceu de ser o mesmo mundo. E ao mesmo tempo. Não havia muita regra. Polvo não era over, era o que precisava ser. E não é fácil ser assim.

Ouça “Can I Ride”:

Black Tambourine – “Black Tambourine” (2010)
Formado em 1990, Silver Spring, Maryland/USA. O Black Tambourine é um achado. Mistura perfeita entre um fuzz bem áspero e vocais pop, belas e simples melodias, vocal feminino com bastante reverb, uma bateria tribal que complementa tudo. Uma vida curta que resiste ao tempo com alguns EPs aqui, outros singles ali. Inspirador.

Ouça “By Tomorrow”:

Shellac – “At Action Park” (1994)
Formado em 1992, Chicago, Illinois/USA. É a banda que quando coloco pra tocar, alguém vai lá e troca de música. Acho que é o sentimento que as pessoas não gostariam de ter naquele momento. Ou seria em nenhum momento? Sei lá, eu escuto horas a fio. Acho genial. Surpreendente, cru, inteligente, descompromissado em agradar. Também, não vai mesmo… Ainda aguardo pelo dia que baterão nas minhas costas e dirão “porra, meu, aquela banda que tu colocou aquele dia é muito foda! Agora que entendi. Valeu mesmo!”. Hoje ainda não foi assim. Mas já começo a torcer pra que esse dia não venha. Não saberia como reagir.

Ouça “Pull The Cup”:

Team Dresch – “Personal Best” (1994)
Formado em 1993, Portland, Oregon/USA. Sensacional! Um som que transmite o quão poderosa a mulher pode ser! Hmmm… ok, não me punam por dizer isso. Tá, já saí da frente… Não gostaria de ser esmagado, ao menos por agora…

Ouça “Fagetarian And Dyke”:

My Bloody Valentine – ” Sunny Sunday Smile” (1987)
Formada em 1983, Dublin/Irlanda. Para chegar no eterno “Loveless”, essa bandinha aí passou por um caminho fascinante. Cada um que desça na sua parada. Hoje fico por aqui mesmo.

Ouça: “Sunny Sundae Smile”:

RICHARD LA ROSA (guitarra)

Pixies – “Surfer Rosa” (1988)
Perfeita produção do mestre Steve Albini, “Surfer Rosa” marcou uma longa e feliz fase da minha vida, foi trilha sonora de muitas festinhas, bebedeiras, fumaceiras e viagens pela estrada. “Surfer Rosa” é ainda mais interessante por ter um aspecto de gravação ao vivo, bem forte, marcado, cru. Kim Deal cantando é lindo, as baterias são sinistras, as guitarras, uma viagem. Tudo é muito belo neste clássico da gravadora 4AD. Difícil é escolher a preferida, mas “Break My Body”, “Bone Machine” e “Where Is My Mind” são sensacionais.

Ouça “Bone Machine”:

Jesus & Mary Chain – “Psychocandy” (1985)
“Psychocandy” é sujo, barulhento, melódico, etc. É tudo, só não é pop. Este disco fez My Bloody Valentine passar de gótico pra shoegaze rapidinho (ainda bem!). JM&C é com certeza uma das minhas bandas preferidas, quando a questão é o noise.

Ouça “Taste Of Cindy”:

My Bloody Valentine – “Isn’t Anything” (1988)
Este disco é sensacional, já começa de forma inesperada, com uma música inesperada e com viagens na guitarra que eu nunca tinha ouvido igual. MBV é uma daquelas bandas que praticamente não tem uma música parecida com a outra, é uma viagem diferente da outra, e põe viagem nisso… Uma grande influência para mim, como guitarrista. Bem lisérgico e visceral. Como meu ex-patrão (Spider Discos-RJ) gostava de falar: “Shoegaze é o rock psicodélico dos anos 90”.

Ouça “All I Need”:

Flaming Lips – “In a Priest Driven Ambulence” (1990)
Eu gosto muito de Flaming Lips, mas muito mesmo, até 1995. Ronald Jones, guitarrista sangue-bom que deixou a banda em 1996 para uma “odisseia espiritual” da qual nunca mais voltou, é um dos meus guitarristas preferidos, junto com J. Mascis, Kevin Shields, East Bay-Ray, Steve Turner, etc. Altamente recomendado pra quem curte uma guitarreira.

Ouça “Shine On Sweet Jesus”:

Ramones – “Ramones” (1976)
Se não fosse pelos Ramones, eu jamais teria coragem de ter uma banda. Eles me mostraram que não precisa ser um virtuoso pra fazer músicas maneiras, que atitude e emoção é 90% da coisa. Meus primeiros porres de bebida barata foi com certeza ouvindo Ramones nos fones e no úlltimo volume, em casa. Inesquecível. Fui em dois shows deles no Rio, o primeiro em 94, no Circo Voador, e foi um dos melhores shows que eu já vi na vida. É uma banda que me influi bastante.

Ouça: “Blitzkrieg Bop”:

Na próxima edição de “Os Discos da Vida”, Inverness.

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Dorgas”.

Leia mais:

Comentários

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5 comentários

  1. […] A Badhoneys é formada por Stefano Fell (bateria) e Giana Cognato (guitarra e vocal) e Rodrigo Souto (baixo). Mas nessa edição de “Os Discos da Vida”, você verá apenas as escolhas de Giana e Rodrigo. Isso porque Stefano já havia dado sua lista à coluna, como integrante da Loomer. Então, pra completar o perfil do trio, leia “Os Discos da Vida” com a Loomer. […]

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