SOPA E MEGAUPLOAD: DO QUE ESTAMOS FALANDO MESMO?

“O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o seu livre exercício; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas”: é isso que versa a Primeira Emenda da constituição dos Esteites. É um texto bonito e quase ideal. Quase, porque se tem religião no meio, como um “direito fundamental”, começou errado.

Só que esse não é o assunto aqui. Vamos nos ater ao principal: a liberdade de expressão ou de imprensa.

Essa semana, a Wikipedia em inglê saiu voluntariamente do ar (e, em cascata, outros tantos sites aderiram), em protesto contra o Stop Online Piracy Act (SOPA), a lei que, se aprovada no congresso estadunidense, daria autorização ao Departamento de Justiça e aos detentores de direitos de obras artísticas a ganhar na Justiça local – e certamente, por pressão mercadológica, em outros países – batalhas contra sites que “facilitem” o tráfego de arquivos com direitos protegidos. Em palavras menos dóceis: gente parruda como Walt Disney, Universal Music Group, Time Warner, Sony Group, Motion Picture Association of America, Recording Industry Association of America etc. poderia peitar sem problemas sites que hospedassem arquivos “ilegais” (como Megaupload, Filesever, 4Shared etc.), fechá-los e conseguir os dados pessoais dos associados pra processá-los também.

Mais longe do que isso, essas empresas poderiam processar o Twitter, o Facebook, o Orkut, o Google, e requerer os dados pessoais daqueles usuários que postassem links ou métodos de conseguir arquivos “ilegais” e, assim, processá-los.

O pior pra esses sites e pras redes sociais é que a Justiça poderia filtrar os acusados, de modo que as empresas estadunidenses parassem de negociar com esses “infratores”. Na prática, seria a morte da maioria desses sites, apenas por serem plataforma de informação. É transferência de culpa, é colocar todo mundo no mesmo balaio. Equivale a jogar no usuário de maconha a culpa pelo tráfico de drogas ou pelo plantio.

Ou quase isso. Porque aqui se trata de informação, de transferência de ideias, de cultura, algo não palpável – e quem propaga a informação não necessariamente utiliza de seu conteúdo.

O grande problema é que o Esteites é um país que preza a liberdade acima de tudo, mas curiosamente não a liberdade individual. Lá, a liberdade que importa é a econômica, que se sobrepuja à individual. “A Terra das Oportunidades” é um slogan bastante revelador de uma cultura que aplaude a iniciativa predatória, o empreendedorismo guerrilheiro, os vencedores a qualquer custo, a despeito da ética, do homem e das práticas civilizadas. É o “vale qualquer coisa”. O que importa é ser bem sucedido – mas não de um jeito sadio.

Há uma tremenda paranoia, mas não vou colocar todo o peso nos estadunidenses. Culturalmente, cada povo joga com os craques que tem. Na certa, os Esteites possuem muitos craques nesse quesito. A economia de mercado não é uma invenção deles, da mesma forma que o futebol não é nossa, mas nessa área quem aplica as maiores goleadas, há pelo menos duzentos anos, são eles mesmos.

Eis que o eixo mudou. Os chineses e a tecnologia tiraram das mãos dos estadunidenses esse poder exclusivo do talento pros negócios. As ferramentas hoje são outras e são muitos mais acessíveis. Brigando por petróleo e enxugando os cofres em guerras ideológicas, os Esteites deixaram de ver que tinha gente correndo por fora. E tinha o tempo. E tinha a própria inventividade e empreendedorismo humanos ganhando espaço.

A Internet e a globalização derrubaram fronteiras e aí, quando foram ver, não havia tanto controle assim sobre preços e trajeto de comércio. A competitividade aumentou, mas o golpe fatal parece ter vindo não de nações ou governos inimigos: veio das próprias pessoas. O inimigo estava em casa.

A tentativa de acabar com a pirataria é tão vã que chega a ser risível. Mas não é – e só não é porque as velhas práticas ainda estão em voga. O lobby dessas grandes empresas se baseia num modelo de ideias e estrutura falido, mas do qual não se quer largar mão. O cinema é o segundo maior impacto no PIB estadunidense, depois da indústria bélica. O dinheiro não tá deixando de entrar, só não tá pingando quanto antes. O mesmo vale pra indústria da música. A dos games, com pirataria ou sem, vai bem, obrigado.

A guerra dessa gente, pois, não é por direitos “autorais”, mas por direitos “econômicos” e “comerciais”. Essas corporações estão perdendo mercado pros próprios consumidores, o que é algo que eles nunca imaginaram.

Ao propor a SOPA e ao tiraram o Megaupload do ar, num processo que já vem de muito mais tempo e só “coincidiu” de ter esse fim agora (não é um “fim”, cabe recurso), essas empresas mostram duas coisas: um lobby bastante forte e um desespero crescente, chegando ao limite da insanidade. Estão vendo que não dá pra vencer a guerra, mas nem por isso vão deixar de ganhar os últimos mil-réis.

Do outro lado, os trouxas, nós. E aqueles que são piores que trouxas, os combatentes de mouse e teclado, com suas intrigas e estupefações em redes sociais. Estão preocupados se vão conseguir ver esse ou aquele vídeo no YouTube, se vão ouvir o último lançamento de sua banda preferida, se vão conseguir baixar o software mais recente, se vão baixar a temporada inteira de sua série preferida, se vão ver aquele filme sem precisar ir ao cinema…

Não estamos falando aqui das mesmas coisas. Não se trata disso. O que se faz nos casos acima é crime. Por outra, uma contravenção. Ou, por outra, se os agentes donos dos direitos comercias fossem espertos, crime algum. Mas hoje é um crime. A chiadeira toda na Internet é por esses motivos fúteis, egoístas. Uma pena.

Parece o sujeito que falsifica carteirinha de estudante pra pagar o que na verdade seria o preço cheio do ingresso. Tá dando tiro no próprio pé, tá dando pano pra manga, arrumando argumentos pros pulhas.

Tô nem aí pro Megaupload. Morre esse (que era bom), surgem outros tantos. Lembra do Napster? Tem gente histérica aí que talvez nem tenha participado da “era Napter”. O mundo não acabou com o fim do Napster, nem os discos o Metallica deixaram de ser baixados por isso. Não vai acabar com o fim do Megaupload. Que se dane o Megaupload e que se dane o download nosso de cada dia.

Mas o mundo pode virar uma grandessíssima merda com a SOPA, porque o que estamos falando aqui é de liberdade de expressão – e, na mesmo moeda, da liberdade de imprensa, de você poder tuitar, blogar, feicebucar o que quiser, qualquer informação, sem pena pra você ou pra plataforma ou pro conteúdo.

Liberdade. Essa é a lógica.

O que o pessoal do Anonymous mostrou, ao hackear e derrubar sites ligados ao governo (como do FBI, da Justiça, e de entidades e empresas como a Universal), logo após o anúncio da derrubada do Megupload, foi que por maior que seja o esforço feito por essas corporações e congressistas reaças, não há como frear o curso da história. A Internet é livre e vai viver livre até o seu fim, quando deverá se tornar outra coisa, que nem sabemos o que é, se é que isso vai acontecer. Se não for livre, não é a Internet como conhecemos, deverá ter outro nome e conceito.

A guerrilha do Anonymous é como as de muitas “frentes de libertação”: ela dá o recado, mostra aos poderosos que não há absorção pura e simples de qualquer imposição ideológica ou mercadológica. Não tem a intenção única de “vencer” a batalha, mas de produzir o máximo de baixas possíveis e arregimentar o maior número de soldados pra causa. Tem que fazer barulho, conseguir atenção e preocupar o outro lado. Quem quiser vencer a maioria tem que verter um pouco de sangue – ou, pior, gastar um bocado dinheiro.

E mostra que estão todos vulneráveis. Ninguém pode, nem deve, nem sequer teria o direito de tentar barrar pensamentos, ideias e o curso de qualquer tipo de informação. Sobre a liberdade absoluta falei aqui. Pense o que quiser, mas pense duas vezes antes de colocar em prática ideais que maculem alguém ou algum grupo. Há uma diferença entre o pensamento e ação. Ambos são livres, mas o ato tem seu custo nas leis que a sociedade construiu.

Esse povo da SOPA tá fazendo isso. Eles têm a liberdade expressa e imaculada de lutar por esses que acreditam ser seus direitos. Podem achar que estão certos, inclusive. Como nazistas, homofóbicos, racistas e sei lá mais o quê também têm o direito de achar que estão montados na razão. Mas não podem partir pra ação e achar que vão levar essa na boa, sem uma luta, sem o peso das consequências.

A guerra aqui é apenas por e contra direitos econômicos e comerciais de uma minoria poderosa – mas não direitos essenciais à vida. A liberdade de expressão e de veiculação dessa expressão são direitos fundamentais, intocáveis. Direitos que fazem de você um ser livre de fato. Esses ninguém tasca. São por esses que você deveria levantar bandeiras e se revoltar na Internet.

Veja o vídeo do Anonymous sobre o caso (não ria com o efeito na voz, que é desnecessário, e aperte “cc” no vídeo pras legendas em português):

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Comentários

comentários

5 comentários

  1. muito bom cara!! deveras esclarecedor..
    as pessoas devem saber que têm o direito de pensar o que quiserem, e argumentar sobre tal pensamento contanto que não fira ou atinja outrem.. é necessário também lutar por nossos direitos e contra essa desesperada carência do governo em controlar nossas ações, pensamentos e modo de vida… toda pessoa tem direito à liberdade de forma geral e civilizada, portanto isso inclui liberdade de expressão!

  2. First they came for the megaupload, and I didn’t speak out because I wasn’t a megauploader…Then they came for the rapidshare, and I didn’t speak out because I wasn’t a rapidsharer. E por aí vai, seguindo o raciocínio Niemöller -Bretch – Eduardo Alves da Costa (no caminho com maiakovski)

  3. Mudar o curso da história é sim uma tentativa risível. O reacionarismo não é uma característica de uma sociedade específica , mas sim , da humanidadade como um todo. Falar em liberdade de expressão, talvez seja um dos fatores mais importântes, dentre os menos discutidos.O que fazer para por em prática pensamentos ( sofrendo ou não consequências legais ), sem atingir alguém em seus direitos culturais, políticos e ecônomicos.

    Acredito que tudo passa por um conceito ético ( que muda conforme o ambiente em que se está inserido), cabendo a cada um definir dentro de sua experiência de vida o que se deve fazer, sem espantar-se com essas tentativas patéticas de tentar controlar o incontrolável.

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